Foto Cuco Cuervo


O cérebro infantil tem um potencial enorme de desenvolvimento, mas basicamente, estamos a dar cabo dele. O neuropsicólogo Álvaro Bilbao (autor do livro ‘O cérebro da criança explicado aos pais’, Ed. Planeta) é formado em neuropsicologia pelo Hospital Johns Hopkins e pelo Kennedy Krieger Institute, nos Estados Unidos, e pelo Royal Hospital no Reino Unido, e tem passado os últimos anos a explicar como funciona a mente infantil (e o mundo em que vivemos).


De que precisa o cérebro de uma criança para se desenvolver?
Precisa de carinho, de limites e de muita conversa entre pais e filhos. Hoje somos demasiado protetores e demasiado perfeccionistas. Queremos ter crianças perfeitas, queremos ser pais perfeitos, e estamos a passar-lhes muito stresse.

Porquê essa exigência da perfeição?
Por um lado queremos filhos-troféu, que mostrem ao mundo como somos bons pais.Por outro lado, estamos numa sociedade muitíssimo competitiva e superficial, em que a imagem se torna mais importante que o interior. A imagem substituiu o currículo. O Instagram apresenta-nos pessoas de plástico, e é isso que queremos. Mas o mais curioso é que não é nada disto que torna uma criança feliz. Uma criança feliz sabe partilhar, aprendeu a ser otimista, tem pouco stresse e é alegre nas suas imperfeições.

Mas depois na prática não são essas qualidades que os pais valorizam mais…
Tem toda a razão. Por exemplo, o que os pais me dizem é que querem imenso que a criança seja generosa, altruísta e criativa. Mas depois, aquilo em que verdadeiramente se empenham, na realidade, é em que tenha boas notas. Funcionamos na nossa família como numa empresa: o que interessa são os resultados. Por exemplo, em todas as salas de aula de todas as escolas há uma criança calada e infeliz, sentada no fundo da sala. Algum pai ou mãe diz ao filho: ‘Sabes aquele menino lá no fundo da sala, falaste com ele hoje? Vamos convidá-lo cá para casa?’ É importante que todas as pessoas estejam bem integradas nesta sociedade, e que se envolvam as crianças neste esforço.

Acha que isso está a mudar?
Não sei. No outro dia recebi uma mãe que vivia com os pais e os filhos. Este ano mudou-se e faz 40km de carro para que os filhos frequentem um colégio Waldorf e tenham uma educação mais em contacto com a natureza. E eu perguntei-lhe, ‘Mas há alguma coisa mais natural que um avô? Prefere portanto que os seus filhos estejam mais em contacto com uma árvore do que com uma avó?’ (risos) Não vemos numa avó nenhuma vantagem competitiva. Com uma família, uma criança aprende infinitamente mais do que com um computador. Quando uma criança sai com uma tia, com os primos, ativa a zona direita do cérebro, responsável pelas emoções. E aprende não apenas a compreender melhor as outras pessoas como a ser menos neurótica e a perceber-se melhor a si própria.

O que é uma criança neurótica?

São crianças hiperexigentes, que têm medo do fracasso porque os pais estão constantemente a elogiá-los ou a criticá-los. Queremos crianças que tenham bons resultados, sim, mas que sejam alegres. Queremos uma criança que goste de jogar futebol porque é divertido, não porque os pais acham que lhe vai fazer bem. Mas a sociedade também não ajuda. Dantes tínhamos bons alunos e alunos não tão bons. Hoje temos bons alunos, e alunos hiperativos que tomam medicação.

Há crianças que não gostam de estudar?
Claro que há. Não é um drama nem um defeito, mas isso torna-se um problema para os pais e para os professores. Pode ter a ver com pequenos problemas de aprendizagem, pode ser que a criança tenha um carácter mais extrovertido e não goste de ficar sentada a estudar. Se ela é feliz, nada disto tem de ser um problema, nem vai comprometer o seu futuro, mas nós não aceitamos que haja crianças fora do padrão.

Matamos a criatividade?
Sim, e fazêmo-lo desde muito cedo. Para muitos neuropsicólogos, a criatividade é a atividade mais importante do cérebro. É ela que permite encontrar soluções para problemas. ‘A lógica permite-nos chegar do ponto A ao ponto B, mas a imaginação permite-lhes chegar a todo o lado’, dizia Einstein.
Claro que se calhar para uma empresa não é importante que os trabalhadores sejam criativos. Mas depois na nossa vida pessoal caímos num estado de apatia que nos leva à depressão. Pensamos, ‘tenho tudo o que sempre quis, faço o que tenho de fazer, mas não sou feliz’. Também nós, adultos, precisamos de brincar, de criar, de nos divertirmos.

As crianças também precisam de limites?
Claro. Os pais dizem-me coisas como ‘consegui que o meu filho não brincasse mais com o meu telemóvel’. ‘E como conseguiu?’ ‘Disse-lhe que estava estragado’. (risos) Ora isto não é resolver nada. Se lhe disser ‘Não quero que o uses’, claro que a criança faz uma birra. E depois? Temos muito medo de ser assertivos, que as crianças se zanguem e façam uma cena. Enervamo-nos muito. Como acalmar uma birra? Usando a empatia. Se lhe dissermos ‘As outras pessoas estão a olhar para ti’, ele vai ficar envergonhado, se o tentarmos controlar não vai funcionar, mas se lhe dissermos ‘Olha: eu sei que gostavas de brincar com o telemóvel, mas não é para a tua idade, queres brincar comigo a outra coisa?’ seremos mais honestos. Mas aos pais assusta-os imenso as emoções, porque saem fora do seu controlo. Temos de ensinar às crianças que não é preciso ter medo das emoções, que não faz mal ficar zangado. Não faz mal não sermos perfeitos, não faz mal pedir desculpa quando erramos, dizer que não sabemos quando não sabemos. As crianças respeitam mais os pais que assumem os seus erros e que põem limites sem medo da sua ira.

Defende que os castigos não funcionam…
Não é que não funcionem: mas são a técnica menos eficaz para ensinar uma criança. Se uma criança bate noutra criança, é melhor castigá-la do que não fazer nada. Mas um castigo faz com que a criança se sinta mal e desgasta muito a relação entre pais e filhos. Muitas vezes a criança faz as coisas mal não porque quer, mas porque não sabe. Portanto, ensine-lhe a fazer as coisas bem. Há atitudes que funcionam melhor que um castigo: limites, regras, ensinar a pedir desculpa, e principalmente o reforço: premiar quando a criança faz alguma coisa bem, em vez de castigá-la quando erra. Imagine que há um irmão que se pega sempre com outro. E se um dia não se pegam, pode dizer-se ‘fiquei muito contente porque hoje não brigaram. Que recompensa querem?’ Experimente. Isto vai ter resultados muitíssimo melhores do que ir lá dar um sopapo em cada um se estiverem eles mesmos ao estalo. Se os podemos castigar de vez em quando? Sim, quando não nos ocorre nada melhor. Mas por norma, funciona melhor o reforço.

Afinal, que papel devem ter as novas tecnologias na vida das crianças?
As emoções trabalham com a parte direita do cérebro, e quando estamos com um ecrã, trabalhamos com a parte esquerda. Nos primeiros 2 anos de vida, recomendo zero ecrãs. Sabemos que as crianças que passam mais tempo agarradas aos iPads têm mais problemas, quer de comportamento quer de défice de atenção. Perdem-se muitas etapas imprescindíveis: a brincadeira livre, o brincar com as mãos, o contacto com a natureza. Uma criança tem um tipo de atenção mais lenta, que é o que lhe permite aprender as coisas, fixar-se nos detalhes, e um ecrã não lhe dá este tipo de aprendizagem. Sabe o que acontece depois? Eles chegam aos 6 anos e nós queixamo-nos de que não se concentram…

Mas os iPads não desenvolvem o cérebro?

Na realidade, é exatamente o oposto. Mas continuam a vender-nos que as apps para crianças pequenas estimulam a sua inteligência, quando não é verdade. Claro que é preferível que uma criança brinque com um telemóvel do que viva num quarto escuro. Mas para uma criança com mundo e família, um ser humano será sempre o melhor estímulo. Claro que um ecrã é um descanso para os pais, isso todos nós sabemos. Mas com dois anos nenhuma criança precisa de um ecrã.

Quais as desvantagens dos ecrãs?
Hoje, as crianças não gostam tanto de fruta como há 200 anos ou em certos países de África, porque têm sabores mais ‘imediatos’. Da mesma maneira, uma criança habituada a videojogos, que lhe dão estímulos imediatos, quando chega à escola tudo aquilo lhe parece pouco estimulante, porque nada apita e nada vem em 78 cores. Portanto, as crianças estão cada vez mais viciadas em estímulos cada vez mais intensos. Têm satisfação imediata, têm tudo imediatamente e perdem a capacidade para desejar, que implica espera, elaboração e imaginação. Estamos a roubar-lhes a capacidade de sonhar. Sabe aquele dia em que vamos de viagem? Toda a semana antes desse dia é de sonho e de antecipação. É isso que estamos a tirar-lhes.

Porque é importante saber esperar?
A capacidade que uma criança tem para esperar é o que melhor prenuncia a sua entrada na universidade anos depois. Porquê? Porque para ter boas notas a criança tem de esperar: tem de esperar que a professora fale, quando lê um livro tem de ser paciente para terminá-lo, quando faz um exame tem de ler tudo para ver se não cometeu erros. Quer treinar o cérebro do seu filho? Habitue-o a esperar: esperar até que todos estejam sentados à mesa, que todos tenham acabado de comer para sair da mesa, para ter um brinquedo que quer. Ou então não faça nada disto: dê-lhe um smartphone para as mãos para que esteja sempre entretido e não chateie, passe-lhe o telemóvel enquanto está no carro. Assim lhe ensinamos que tem de estar sempre entretido.

Como pai, o que achou mais difícil com os seus próprios filhos?
Não os proteger demais e dar-lhes tempo para eles. Não os sufocar com a minha presença.
Também tive dificuldade enquanto casal, em equilibrar a atenção que dávamos um ao outro com a atenção de que os filhos precisavam. Eu e a minha mulher só nos conhecíamos há um ano e meio quando fomos pais. Crescemos todos ao mesmo tempo. Outra aprendizagem foi perceber que a minha mulher, como mãe, protegia as crianças, enquanto eu as empurrava para desafios e perigos, e sabe uma coisa? Ambos estávamos certos, porque tínhamos papéis diferentes.

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