Foto Pexels/Karolina Grabowska



30% dos adolescentes portugueses não gostam da escola, segundo a Organização Mundial de Saúde, um número que triplicou em 20 anos. Mais de metade acham-se maus alunos. Fomos saber como orientá-los com Renato Paiva, diretor da Clínica da Educação e autor de livros como ‘Ensina o Teu Filho a Estudar’.



1 ‘ESTUDAR É CHATO E NÃO SERVE PARA NADA’ “

“Apesar de tudo, ainda continua a servir”, lembra Renato Paiva. “A maioria dos melhores empregos remunerados ainda dependem de uma carreira académica tradicional. As carreiras desportivas que muitos miúdos desejam só são alcançáveis por um número muito restrito e são pouco sustentáveis no tempo.” Claro que eles têm dificuldade em perceber uma coisa a longo prazo, mas o discurso tem de ser qualquer coisa do tipo: ‘Que tipo de profissão é que gostavas de ter?’ “A partir daí eles vão perceber que a grande maioria das profissões depende de um percurso escolar. Se lhe disserem: ‘Mas porque é que tenho de estudar matemática se quero ser cantor?’ Responda: ‘Porque faz parte do percurso.’ E é verdade. Há coisas que eles continuam a ter de fazer porque sim, porque faz parte. E enquanto não tivermos um currículo mais adaptado ao nosso interesse, vamos ter essa parte obrigatória.” Aliás, mesmo quando eles estiverem a aprender qualquer coisa de que gostem – hotelaria, gestão, arquitetura – vão sempre ter alguma disciplina de que gostam menos, que é uma seca mas que é importante para complementar a sua competência profissional e a sua formação pessoal.


2 ‘OS OUTROS MIÚDOS TÊM BRINCADEIRAS ESTÚPIDAS’

Por exemplo, há rapazes mais sossegados que preferem brincar com as meninas, não gostam de futebol e são logo postos de lado. “Novamente, tem a ver com aprendermos a lidar com as diferenças entre as pessoas. Os miúdos são muitas vezes cruéis quando alguém sai fora do estereótipo, e isso marca muito”, lembra Renato.

Devemos fazer o que podemos para que eles não deixem de ser eles próprios a bem da integração social. E como é que podemos fazer isto? “Em vez de ‘normalizar’, temos é que lhe dar estratégias para ele não sofrer sendo ele próprio, preparando os miúdos para resistirem à agressividade dos outros.” E isto não é dizer-lhe: ‘Vai lá e safa-te’, porque ele não sabe como. É mostrar-lhe caminhos, treiná-lo mesmo. “Por exemplo, se alguém te vier chatear, tu dizes: ‘Eu não quero brincar contigo e tu não tens nada a ver com isso, respeito a tua opinião mas também tens de respeitar a minha, vais à tua vida e eu vou à minha’. ‘Ai tu és maricas’. ‘Não tenho problema nenhum com isso, mas se tu tens, é lá contigo’.” Quanto mais segurança um miúdo tiver, mais fácil vai ser a sua vida.

Depois, claro que estas respostas têm de ser coordenadas: é muito fácil de dizer mas há crianças que não conseguem ser assertivas. “Se ele não conseguir fazer isso ou se sentir desconfortável, tentam-se outras aproximações. Mas um ‘bully’ nunca deve ficar sem resposta, porque quanto mais um se encolhe, mais o outro se agiganta. Felizmente que há cada vez mais miúdos diferentes e livres para o serem de várias maneiras, ou seremos uma sociedade formatada, banal e sem liberdade.”


3 ‘HÁ DEMASIADOS TRABALHOS PARA CASA’

Responda: “Não foste tu que os marcaste, mas têm de ser feitos.” Pois – tão simples como isto. “E portanto, ou falas com o professor e chegas a um acordo para que ele corte o número de trabalhos (isto só funciona se houver pressão de grupo organizada) ou o mais prático é desenvolveres um método de trabalho que te permita fazer os trabalhos o mais depressa e o melhor que conseguires.” Também ajuda perceber porque é que aquele esforço é preciso e qual é o objetivo dos trabalhos.



4 ‘CUSTA-ME LEVANTAR DE MANHÃ’

“Pois, a mim também… É um facto, e todos os estudos mostram que os horários atuais são muito desajustados das necessidades das crianças. Bastava que se levantassem uma hora mais tarde, porque o horário da escola rouba-lhes precioso tempo de descanso, e isto é dramático principalmente para os adolescentes.” Mas mais uma vez, este é o sistema onde eles estão inseridos e por enquanto não podemos mudá-lo, portanto há que ajustar as nossas necessidades ao máximo e organizar o período de descanso de modo a que a criança não chegue com sono às aulas. “Não há volta a dar: aqui a única solução é mesmo deitar-se mais cedo. Eles não são nenhuns ETs por terem dificuldade em acordar de manhã, mas os pais devem dar o exemplo de responsabilidade e ensiná-los a respeitar horários (mesmo que isso nos custe a todos) e garantir que a criança não chega atrasada às aulas. Mais uma vez, a capacidade de cumprir horários vai ser uma aprendizagem imprescindível para uma carreira futura.”


5 ‘É UMA SECA PLANEAR TUDO COM ANTECEDÊNCIA’

Pois é, mas o estudo serve para isso mesmo: para treinar competências que dão trabalho mas que mais tarde lhes serão muito úteis. “Estudar na véspera e fazer tudo em cima do joelho é uma tendência que depois se vai manter e que compromete imenso o estudo, além de que torna muito mais stressante uma tarefa já de si com pouco interesse para eles”, explica Renato. Planear o que há a fazer não só organiza a cabeça como diminui a angústia.


6 ‘O PROFESSOR NÃO GOSTA DE MIM’

Nós não somos obrigados a gostar das pessoas nem as pessoas a gostar de nós, e andar na escola também serve para perceber essas diferenças. “Claro que esta queixa também serve muitas vezes para sacudir a água do capote e atribuir ‘culpas’ a outra pessoa”, nota Renato Paiva. “Mas podemos dizer: ‘Mesmo que não gostes daquela pessoa ou sintas que ela não gosta de ti, isso vai acontecer sempre na tua vida. Vai haver sempre alguém que gosta menos de ti, não vais estar sempre a trabalhar com pessoas de quem gostas. E isso é uma coisa que tens de aprender a gerir’.” Isto também ensina os miúdos a lidarem com a contrariedade, com a agressividade, com a impulsividade, e a desmontar a tendência egocêntrica que todos têm. “Por exemplo, há quem não goste de mim porque o meu tom de voz os irrita (risos). E isso nem sempre tem a ver comigo: posso lembrar-lhes alguém que os aborrecia, um pai que falava assim, um mau momento, há tanta coisa na nossa vida que nós não dominamos, tantas reações que provocamos no outro sem termos culpa…” E enfim: também ajuda sempre pensar que não vão ter de aturar aquela pessoa para sempre…


7 ‘A ESCOLA OCUPA MUITO TEMPO’

“Isso é totalmente verdade”, confirma Renato. “A escola ocupa um tempo absurdo às crianças, sobretudo porque muitas vezes esse tempo é preenchido por aprendizagens que são mais do mesmo. Devia haver mais atividades ao ar livre, as crianças deviam passar menos tempo sentadas, devia haver menos tempos letivos.” E mesmo quando há atividades extracurriculares, geralmente lá estão eles sentados outra vez a espremer os neurónios. “Quando se escolhe uma atividade, os pais deviam dar primazia a atividades artísticas ou desportivas que a escola não abarque, até porque muitos miúdos têm perfis que não encaixam nas disciplinas escolares. Se não têm mais nada na sua vida que os compense e que desenvolva as suas capacidades, ir à escola torna-se um stresse insuportável, pois não tem nada a ver com eles e nada na sua vida responde às suas reais necessidades e capacidades. Os pais devem sentar-se com as crianças e decidirem em conjunto o que é que querem fazer, tentando encontrar um equilíbrio entre o que os filhos querem e o que é logisticamente possível ou desejável para os pais.”


8. ‘NAO CONSIGO TER BOAS NOTAS’

O que é que acontece quando os resultados não são ao gosto dos pais? “Geralmente, os pais intervêm de duas maneiras”, explica Renato Paiva. “Impõem mais apoios e estudos, e castigam os miúdos retirando-lhes aquilo de que mais gostam. Isto é um erro absolutamente brutal e costuma ter poucas consequências positivas. Os miúdos têm duas coisas na vida: a escola, que odeiam, e a atividade, que adoram, e quando a escola não corre bem aumenta-se a fonte de sofrimento e retira-se a fonte de prazer, e a vida deles fica restrita ao que é negativo. Em que é que isso os ajuda a melhorar? Na grande maioria das vezes, não só não ajuda como os resultados são ainda piores.”

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