A Principiante
Tem 16 anos e mora em casa dos pais.
Tem quem lhe lave a roupa e lhe faça a cama, o que não é necessariamente mau. Já sabe que o príncipe encantado não existe, mas nunca comeu morangos sem açúcar.
Par incompatível: Sabe aquele amigo do seu pai? O que tem nome de Rei Mago, o Baltazar, o que aparece ao fim da tarde e lá fica a um canto da sala a fumar e a beber um resto de conhaque dourado num copo de borda metálica. Metálicos são também os olhos dele, que a apanham de vez em quando lá do fundo, como quem não quer a coisa, e de vez em quando vem ter umas conversinhas para o seu lado, ronronando como um gato, assim umas coisas de adultos sobre jazz pós-moderno e Kafka, que se viessem de uma pessoa normal lhe entravam a si por um ouvido e saíam pelo outro, que também é o que acontece agora mas não interessa nada o que ele está a dizer. Sabe quem é? Esqueça. Saia da sala quando ele entrar. Vá ao cinema. Vá ouvir jazz pós-moderno e BookTokers fechada no seu quarto.
Par compatível: O João Filipe, seu colega de mesa, pode parecer inviável: partilham o mesmo autocarro (ele a cair de sono e a cheirar a ténis velhos, você a tentar ter um ar digno, apesar de àquela hora nem sequer saber como é que se chama a sua mãezinha), ele dá-lhe graxa para que você lhe empreste os apontamentos de química, e o mais romântico de que se consegue lembrar é dar-lhe um carolo como prova da sua dedicação. Más notícias: nesta altura do campeonato, é a sua melhor hipótese.
A Desalentada
Tem 25 anos, acabou com o seu último namorado e o Universo acabou na mesma altura. Entre a sua vida e o deserto de Góbi, a única diferença é que o deserto ainda vai tendo uns oásis. O emprego de sonho custa a chegar, um amigo do seu pai (não o Baltazar, que fisgou uma sueca e montou uma empresa de produção de eventos em Estocolmo) arranjou-lhe um lugarito de ‘assistente’ num escritório onde você baralha os números e navega pela net com toda a fúria do cargueiro do ‘Speed 2’.
Par incompatível: O Vasco, que é primo da sua amiga Constança e que conheceu numas férias em Vilamoura. O Vasco tirou Economia na Católica e não pára de falar em casamento. Até parece um par compatível, mas cuidado: o Vasco há-de desatar a comprar lençóis de linho biológico pela net, depois amua porque a loja não tem o serviço Vista Alegre que ele queria, depois a mãezinha dele há-de dizer que o seu vestido é pindérico, e corre o risco de se achar daqui a um ano grávida de gémeos em peregrinação a Santiago de Compostela e sem saber como é que se meteu naquilo.
Par compatível: O irmão mais velho do João Filipe, que você quase nunca via porque sempre que lá ia a casa ele estava nos treinos de horseball ou enfiado no quarto a bater com o lápis na mesa (é dos que ainda usam lápis) e a instalar apps de organização de bibliotecas particulares e a estudar engenharia aeronáutica de headphones postos ao som das guitarradas dos Placebo que ele acha que lhe dá um ar cool, ou os ronronanços do Leonard Cohen, que lhe dá um ar ainda mais cool mas de que ele se envergonha porque acha que é música para meninas e que já ninguém ouve. Voltou a encontrá-lo e descobriu que ele não só tinha um ar cool como era a sua alma gémea. Quando perceber que não existem almas gémeas, já estará casada com ele.
Mas não se preocupe com isso agora.
A Desesperada
Tem 40 anos, e das duas uma: ou está desesperada porque acabou de se separar do Paulo Jorge que a deixou com o Picolito e a Mimi a miarem toda a noite, ou está desesperada porque depois de passar anos em festas de amigos, cruzeiros no Douro (sozinha) e chats onde só lhe apareciam criançolas à procura de noites escaldantes, percebeu que o príncipe encantado só existia na ‘Bela Adormecida’ e, mesmo aí, uma aposta em como era gay.
Par incompatível: Cuidado com os ‘homens do desespero’: não se meta em nada a achar que é só ‘para animar’. Arrisca-se a dar com uma alma que só quer é curtes e copos (como eles próprios dizem). Problema: você também diz que o que quer é curtes e copos, mas as mulheres nunca querem só curtes e copos, portanto, arrisca-se a entrar numa relação em que as duas partes querem coisas diferentes. Cuidado que se quiser filhos o melhor é começar a pensar numa produção independente.
Par compatível: Como dizia o Luís Fernando Veríssimo, “o amor é como a tesourinha das unhas, nunca está onde a gente espera”. Volte a frequentar a casa dos amigos. Vá ao Tinder desenjoar, se fizer a sua onda. Com um bocado de sorte, o irmão do João Filipe, que você deixou escapar aos 25, também se há-de estar a divorciar. O Baltazar já voltou de Estocolmo, ele e mais três filhos suecos, o Lars, a Ingrid, e qual é o outro, o Sven?, todos a falarem como se estivessem num filme do Ingmar Bergman, mas pronto. Azar: continua a não querer mais nada do que ronronar-lhe ao ouvido. Esqueça.
A Carente
Tem 50 anos e um divórcio aos ombros.
Teve de dividir filhos e as pratas (os DVDs que já não via há 30 anos foram para o lixo). Teve de lutar pelo Sebastião, porque o seu ex também o queria. Mas ficou com o vinil do álbum ‘Revolver’ dos Beatles. O Sebastião dorme com a cabeça na sua almofada, passa a noite a ladrar e acha que é o homem da casa.
Par incompatível: Qualquer pessoa com um divórcio igualmente traumático.
Quem está recentemente divorciado não tem alma para andar a construir novas relações, eles nem têm alma para pendurarem o casaco quando chegam a casa, quanto mais para se apaixonarem. Só têm alma para desabafarem os seus desgostos, e como você também precisa de colo, vão-se chocar dois divórcios, duas carências e quatro pessoas. Ah, e esqueça os romances com rapazes de 30 só para fazer ciúmes ao seu ex (ele não está nem aí) ou para se sentir 20 anos mais nova.
Correm sempre mal, principalmente porque os rapazes de 20 nunca ouviram falar da ‘África Minha’ e não se pode ter romance decente com alguém que nunca viu a ‘África Minha’. Se ele se chama Fábio e o filme preferido dele é ‘O Maneta de Ferro contra a Guilhotina Voadora’, parta para outro. De preferência, outro mais velhinho. E mais culto.
Par compatível: Aquele que a ama em segredo há anos, à espera que você finalmente visse a Luz e desse um chuto no Luís Miguel. Tristemente, você acha-o um choninhas, e nem sequer sabe que ele existe. Investigue bem. Não se esqueça de olhar por baixo da secretária.
A Impaciente
SITUAÇÃO: Tem 60 anos. Está sozinha há mais tempo do que leva a aprender mandarim. Mil caracteres de solidão por dia. Há tanto tempo que até já nem liga. Parece que já nada de interessante vai acontecer. Passa o serão no sofá a ler ‘600 Receitas com Piri-Piri’. Os homens da sua idade são uns chatos cheios de mazelas e com uma conversa que não lembra ao careca. São picuinhas,quezilentos, mal humorados,vestem-se mal e sinceramente antes as receitas com piri-piri, coisa a que eles são alérgicos porque têm azia a tudo. Desde que se reformou que perdeu completamente o contacto com os colegas, parece que se tornou invisível, que morreu ou que emigrou, uma pessoa em Portuga deixa de trabalhar e desaparece totalmente do radar.
Só fala com vizinhos e família, que não lhe ligam muito porque nunca se liga muito à família a não ser que tenham 2 anos ou 94. A sua filha quer que você ature as crianças no fim-de-semana enquanto ela vai em segunda lua-de-mel com o marido para o Marmoris Hotel.
Par incompatível: A sua filha, que só quer o seu bem, a sua felicidade, e mais um par de braços para manietar o Salvador, o Tomás e o Sebastião (o filho, não o cão), arranjou um jantar a quatro com ela e o marido e mais um amigo do marido. Problema: O tal amigo não tem gracinha nenhuma. Diz que as lulas lhe dão azia (lá está). Os dentes dele gritam por um aparelho desde os 14 anos (que já foi há mais ou menos 124). Os abdominais dele gritam por um ginásio desde que ele tinha 18 (que já foi há 116). Ele continua surdo. Metafórica e verdadeiramente. Cheira mal da boca. E ainda há quem ache que podia ser o homem da sua vida. Dahh.
Par compatível: Como diziam no Canal Odisseia, ‘Abra Sua Mente’. Se Sua Mente não está definitivamente virada para os encantos dos velhinhos nem dos rapazes da sua idade nem dos tipos com divórcios traumáticos às costas, pode ser que um dia destes descubra que aquele seu colega que se oferece para lhe tirar fotocópias pode ser o homem da sua vida. Ah, e é verdade: o Baltazar agora é que deve estar no ponto, quando nenhum de vocês está interessado em nada mais sério (é verdade que já fez 80, mas continua charmoso e a beber conhaque com ar de gato, se os gatos bebessem conhaque).