A entrevista está marcada para as cinco no Ritz de Paris. No corredor do hotel cruzo-me com as jornalistas espanholas, que acabaram de a entrevistar: ”
Es preciosa, muy dulce, te va a encantar!” Já na suíte, antes de a vermos ouvimos-lhe a voz e a gargalhada rouca, vinda da varanda. Ao dar pela nossa presença regressa rapidamente ao quarto, ainda a desligar o telemóvel e já a abrir o sorriso. É belíssima, altíssima apesar das sandálias rasas, braços e pernas longos como lianas deslizando elegantemente até se enrolar no sofá. Depois foram 20 minutos de conversa, não com uma vedeta mas uma mulher normal – tanto quanto é possível considerar ‘normal’ uma mulher com rosto de musa, corpo de deusa e um talento reconhecido recentemente por um Globo de Ouro. Uma mulher de bem consigo e com a vida. E as espanholas tinham razão:
me encantó
.
Porque acha que a Givenchy a escolheu como musa deste perfume?
Alguém sugeriu que, como o conceito do perfume tem a ver com contradições e toda a minha carreira é uma perfeita contradição (
risos)… enfim, não sei, terá de lhes perguntar a eles mas a verdade é que eu tenho uma longa e bem sucedida relação com o grupo LVMH, já trabalhei com eles noutros projectos, acho-os maravilhosos. Além disso tenho uma razão pessoal. Quando eu tinha uns 10 anos, vi o filme Breakfast at Tiffany’s e fiquei fascinada: a beleza trágica, gloriosa e doce
da personagem foi em grande parte responsável pela minha vontade de ser actriz. Saber que Hubert de Givenchy fez o guarda-roupa do filme, e ter agora o privilégio de trabalhar para esta grande casa, foi como fechar um círculo. Foi uma grande honra ser convidada
O que a atraiu no conceito desta fragrância?
Como actriz, gosto da dualidade da personagem, Ange ou Démon, que está presente em muitas mulheres, a começar por mim. Todos temos um lado muito puro… e depois tudo o resto. É um conceito maravilhoso e a realização do filme publicitário foi uma grande aventura criativa. E tive o privilégio de trabalhar novamente com a Mira Nair. Nós fizémos juntas o filme Hysterical Blindness, sobre o ‘pathos’ feminino, que ela dirigiu maravilhosamente. Ganhei com ele um Globo de Ouro, por isso tínhamos uma boa base de partida para este anúncio.
Há um demónio dentro de si?
Não, não acho que haja um demónio dentro de nenhuma pessoa decente. Qualquer pessoa que não mate não tem um demónio dentro dela.
No filme publicitário aparece como dois lados da mesma pessoa, e durante as filmagens esteve a representar para um vazio que, depois, seria preenchido por outra faceta de si própria. Ou seja, estava a contracenar consigo mesma mas em momentos desfazados. Não foi complicado de fazer?
Bem, a grande vantagem de trabalharmos com nós próprios é que podemos realmente contar com a outra actriz! E em termos de timing eu sabia exactamente o que ia ser feito porque era eu própria que o ia fazer a seguir (
risos). Na verdade foi muito divertido.
Quão importante é cuidar da sua saúde emocional para que isso se reflicta na sua aparência?
Mais do que a aparência, isso é importante por aquilo que somos. A saúde emocional é tudo. Saúde emocional, estimulação natural e algum exercício: é essa a chave para a estabilidade na vida.
E o que faz neste momento para atingir essa estabilidade?
Oh, eu sou bastante estável. E neste momento estou muito bem, ansiosa por voltar a trabalhar, porque tirei algum tempo para mim e agora estou a regressar sentindo-me restaurada.
Com uma carreira, dois filhos e um namorado a viver do outro lado do Atlântico, como é que arranja tempo para tudo?
Nos últimos dois anos tenho-me focalizado sobretudo na família. No ano passado fiz um filme chamado Motherhood, que adorei e que vou promover este Outono, e agora estou a fazer uma grande produção, chamada Percy Jackson. Faço o papel de Medusa por isso não tenho de me preocupar em pentear-me de manhã, a minha cabeça está coberta de cobras! (
risos). É um filme divertido de aventuras para adolescentes, com um
casting maravilhoso. Depois não sei bem ainda o que vou fazer. Veremos. Estou à procura de qualquer coisa interessante.
Qual é a melhor parte de ser actriz?
A melhor parte é a alegria de representar. É a maior libertação, é tão criativo. Eu acho que tenho uma empatia natural com as pessoas, o que por vezes pode ser um fardo, tenho de ser cuidadosa, mas representar dá-me algo de construtivo para fazer com isso que não seja ser apenas ser um ombro para chorar. A comunicação é muito importante, para mim é o maior problema no mundo de hoje: a falta de empatia e a falta de comunicação. Com boa comunicação, com sentimentos pelo outro, se sentirmos a sua humanidade, é impossível não desenvolver compaixão e compreensão, e vermo-nos a nós próprios no outro. E portanto nos meus milhares de anos de carreira, o que eu adoro é que é esse o meu trabalho: partilhar algo da experiência humana, e fazer com que alguém, algures, se sinta menos só. Nem sempre consigo os papeis cheios de significado que gosto de representar, aliás são cada vez mais raros, mas também adoro comédia, adoro fazer rir, é a forma mais subversiva de comunicação. O cinema, com toda a sua folia e grandeza, tem tido esta função importante de partilha. Às vezes parece que se dá uma atenção desmesurada e disparatada às estrelas de cinema ou aos filmes, mas há algo muito mais profundo atrás disso tudo. É uma forma de comunicar e partilhar a experiência como pessoas. Isso é verdade mesmo numa comédia ligeira, quando rimos juntos essa partilha é ainda maior.
Em termos de beleza, aceita bem os sinais da idade ou luta contra eles?
Ainda não peguei numa faca nem fiz nenhuma luta até agora: já o fiz nos filmes (
riso) mas não no meu rosto. Não sei… Muitas mulheres da minha idade já se queixam de algumas coisas, mas eu sinto-me muito confortável na minha pele. Talvez tenha adquirido algumas rugas, mas também adquiri mais auto-confiança com a idade. Eu era tão atormentada quando era rapariga, e também era tããão insegura… Não me sentia particularmente bem no meu corpo, as pessoas a partir de uma certa altura começaram a dizer que eu era bonita mas até aí diziam que não era, o que era muito confuso. E de qualquer maneira eu não queria basear-me no meu aspecto, queria estabelecer-me como uma pessoa criativa. Portanto, de certa forma, quando eu era mais nova, era um cumprimento dizerem-me que era bonita, ou bonita de uma forma diferente, mas para mim isso era um pouco ameaçador, porque era tão mais importante ter uma grande carreira como actriz, que essas observações eram quase um empecilho… Portanto foi uma certa luta. Mas agora que estou a chegar à minha ‘plenitude’, interessa-me tão pouco que digam que eu sou demasiado isto ou aquilo… Eu sou eu. Tenho tido a oportunidade de fazer tantas coisas interessantes, e lutei por elas, procurei-as, há uma certa dose de confiança que se ganha com isso. Numa entrevista anterior alguém me passou o meu
curriculum e tinha duas páginas! E
eu pensei, céus, eu trabalho duro! Isso e criar duas crianças maravilhosas, tendo passado pelo meu quinhão de desafios e dificuldades e falhas como pessoa, e trabalhar para as melhorar… faz-me sentir um certo orgulho.
Com a idade tem sentido que já não lhe oferecem papéis tão bons?
Ainda não me aconteceu. É engraçado porque quando somos adolescentes dizem-nos: quando tiveres 20 pode ser o fim. E depois quando chegamos aos 20 dizem: os 30? O fim. E por aí fora… Mas a verdade é que a minha vida se tem vindo a tornar cada vez mais interessante e com papéis mais interessantes. É claro que agora o tal ‘fim’ se está a aproximar, mas eu vejo as coisas de uma forma optimista, e estou disposta a aceitar diversos tipos de projectos. Não acho que o meu trabalho tenha sido até agora uma parada de vaidades, aceito toda a espécie de desafios diferentes. A minha carreira não tem sido só a de uma sereia, eu faço mais de sereia no anúncio deste perfume do que na minha vida de actriz. E isso foi-me oferecido vezes sem conta mas eu não quis fazê-lo. Sabia que seria a morte. Mas agora posso fazê-lo e divertir-me com isso, e é até bastante lisonjeiro ser convidada para fazer de sereia.
É difícil conjugar o seu papel de mãe com a carreira?
… É muito difícil, tudo é difícil, mas ninguém disse que ia ser fácil, temos que fazer com que resulte. Os meus filhos são o que tenho de mais precioso na vida e ser mãe ou pai é um desafio. E ser uma mãe sózinha é extremamente difícil. Mas vale cada minuto.
Neste momento vive entre Londres e Nova Iorque?
Não. Vou a Londres de visita quando posso [Uma está noiva do financeiro francês Arpad Busson, que vive na capital inglesa], mas os meus filhos vão à escola em Nova Iorque, eu vivo em Nova Iorque, não vivo em dois sítios, é impossível com duas crianças pequenas.
Costuma fazer as suas próprias compras de supermercado?
Sempre que posso, adoro ir ao supermercado, até porque adoro cozinhar e quem gosta de cozinhar gosta de ir ao supermercado, não tem tanta graça cozinhar com coisas que outra pessoa escolheu.
Nunca vemos fotografias suas tipo
paparazzi com os seus filhos. Como é que consegue isso?
Eu nunca prostitui os meus filhos para a imprensa. As pessoas têm diferentes percepções disto mas eu, se pudesse, nem sequer aparecia na passadeira vermelha com o meu namorado, mas às vezes é impossível. Para mim essas fotos passam a imagem de que se está a vender a vida pessoal, e eu evitei-o o mais que pude ao longo de toda a minha carreira. Por isso apareço muito raramente em revistas como a People ou a Star. Ocasionalmente não consigo fugir dos
paparazzi, mas sinto que me tem sido dada alguma gentileza nessa área. Por mais que se queira demonizar a imprensa, a verdade é que comigo têm mostrado algum respeito.
Li que há uns anos não gostava do seu corpo mas que agora já ultrapassou isso…
Bem, todas as mulheres se sentem infelizes com o seu corpo depois de dar à luz porque parece que já não é o seu corpo (
risos) mas o de outra pessoa, tipo Invasion of The Body Snatchers (
riso). De repente eu já não era eu, era uma mãe, portanto há muito para ultrapassar. É que ninguém nos diz… Eu li algures que, biologicamente, uma mulher nunca mais é a mesma depois de ter um filho, mesmo quando o bebé já está cá fora e entramos no nosso ciclo de vida outra vez, a química de uma mulher fica permanentemente alterada. E ninguém me disse isso! (
risos). Esqueça a barriga, onde é que estou ‘eu’? Depois há toda a mudança de vida e a vulnerabilidade da maternidade: de que é que o bebé precisa? E a nossa mãe diz-nos o oposto do que nós queremos fazer, sempre (
risos). Mas a verdade é que é uma jornada incrível, e entre as minhas amigas eu fui mãe muito cedo, mas queria taaanto ter um bebé! Além disso trabalho desde os 16 anos, portanto quando cheguei aos 25 já me sentia quase velha: já tinha visto e feito tudo, achava eu, portanto estava um bocado farta de mim e desesperada para ter uma família, desesperada para ter um filho. Precisava dele, embora isso possa paracer um pouco doentio.
E agora que essa instabilidade e insegurança já passou, em que é que a maternidade a mudou como pessoa?
Continua a mudar. Eu tenho uma comunicação fantástica com os meus filhos, trabalho muito nisso. E não é fácil. Especialmente quando se vem de uma família onde não se fazem perguntas, ninguém se intromete, não se força e se dá a cada pessoa o seu espaço. Tive de mudar para aprender a falar de coisas de que nunca falara antes, porque a minha filha já tem 11 anos e, céus, as raparigas de 11 anos! (
risos). 11 anos hoje eram os 13 de quando eu era miúda. Mas ela é maravilhosa. Tenho muita confiança nos minhos filhos e focalizo-me sobretudo na honestidade. Sempre lhes disse: façam o que fizerem, a pior coisa que podem fazer é mentir sobre isso. E resultou muito bem durante este 11 anos (
risos).
E o que fará se ela quiser ser actriz?
Oh, não sei, vejo-o no horizonte mas tento não pensar nisso. A vida de uma actriz não é nada fácil. Quando se está perto de alguém que teve uma carreira de sucesso, primeiro que tudo nunca se tem ideia dos tempos difíceis que ela passou, quantas vezes teve de lutar, quantas vezes foi criticada. E eu sei bem do que falo porque faço isto há 23 anos. Portanto preocupa-me. Tenho um irmão mais novo que adora representar e já tem feito algumas coisas. É um professor de ioga brilhante, e foi muito difícil vê-lo entrar neste meio, porque o que quer que eu dissesse ele não acreditava. São precisos muito talentos para ser um actor, e é preciso ser um pouco masoquista porque somos deitados abaixo inúmeras vezes e depois temos de nos levantar e é embaraçoso… Não é fácil. Nada é fácil, é verdade, mas é uma coisa que eu não desejaria a ninguém porque é preciso ter um carácter que aguente ‘levar pancada’ e ao mesmo tempo ser uma pessoa muito vulnerável senão não se consegue fazer um bom trabalho. Como é que se conciliam as duas coisas?
E se recomeçasse a sua vida seria novamente actriz?
Não sei. Mas eu nunca olho para trás, só para a frente.
Ao vê-la com a Mira ontem à noite, no jantar de lançamento do perfume, gostava de saber se para si é diferente trabalhar para um director homem ou mulher…
Eu só fiz um filme, e este anúncio, com uma directora mulher, em mais de 30 filmes. É chocante! Mas adorei trabalhar com a Mira.
O Quentin Tarantino disse várias vezes que a considera a sua musa. O que pensa disso?
Sinto-me honrada, claro. Mas acho graça que quando um director trabalha com um actor é uma colaboração e quando é com uma actriz ela é uma musa (
risos). Adoro o Tarantino e acho que fizemos trabalhos espantosos juntos, acho que é bom para ele quando trabalhamos juntos porque eu trago uma certa dose de ‘coração’ à situação, e discuto com ele e ele discute comigo. Mas tivemos uma excelente colaboração.
Voltando ao perfume, os aromas são importantes para si? Calculo que sim, já que gosta de cozinhar…
São muito importantes, e acho que os sentidos do gosto e do olfacto devem sempre ser combinados. A ausência de aroma mata o gosto.
Qual é a sua memória olfactiva mais antiga?
Humm… provavelmente quando queimam coisas na Índia. Sabe como na Índia estão sempre a queimar coisas…? Esse cheiro, quando o sinto, leva-me para trás no tempo.
Quais são os produtos de beleza sem os quais não vive?
Eu mudo muito de produtos porque estou sempre à procura de novidades. Mas sou grande fã dos pós minerais, que são mágicos! Pego num pincel com o pó, esfrego na cara toda e estou pronta. Fora do trabalho não uso muita maquilhagem e em casa nunca ando maquilhada.
O que é que faz para se manter em forma?
Não o suficiente, talvez devesse ir fazendo uns exercícios enquanto estou aqui a ser entrevistada (
risos), tenho tão pouco tempo… Um dos meus grandes votos para este próximo Outono é arranjar tempo para mim, uma hora e meia por dia, mesmo que seja para não fazer nada, ou para ir às compras. Estou sempre a fazer milhentas coisas ao mesmo tempo mas lá no fundo está sempre uma vozinha a dizer: faz exercício, e eu: oh, agora não tenho tempo (
risos).
Neste momento da sua vida, com dois filhos e uma carreira de mais de 20 anos, quando olha para o espelho o que vê?
Frankesteeein…! (
risos). Vejo a mesma miúda de sempre a olhar de volta para mim.