A crise, pelos vistos, não é como o sol: quando nasce, não é para todos. Aquilo que, para a maioria das empresas representa uma quebra de lucros, para outras pode significar uma boa oportunidade de negócio. Fruto do espírito visionário, da necessidade de poupança, do desejo de ganhar algum dinheiro rapidamente ou de prioridades de consumo que se mantêm inalteradas, mesmo em épocas de aperto, o certo é que os lucros de alguns sectores da economia ou empresas não se ressentiram.
"Vou pôr as jóias no prego…"
Um pouco por todo o mundo, a crise levou muito boa gente a pegar nas jóias de família e correr para a casa de penhores. Só em 2008, segundo o Correio da Manhã, abriram 80 casas de penhores novas, 60 das quais em Lisboa, Porto e Faro. Em Maio do ano passado, estas lojas já registavam um aumento de clientes na ordem dos 50%, em comparação a 2007, em Lisboa e Porto. Ouro e prata, são alguns dos artigos que tentam negociar, trazidos por gente de todos os estratos sociais. Em troca de um empréstimo de dinheiro, fixado a partir da avaliação do objecto, o cliente deixa lá esse bem depositado durante três meses. Se ao fim desse período não aparecer para pagar o empréstimo, o artigo pode ser vendido. E, segundo a Lusa, são cada vez mais as pessoas que não voltam para recuperar os bens penhorados, devido às dificuldades financeiras.
Mas a tendência é mundial: nos Estados Unidos, a procura destes estabelecimentos também aumentou e, em Inglaterra, a cadeia de casas de penhores Albemarle & Bond anunciou que os seus lucros subiram 19% desde que a crise financeira começou, fazendo os responsáveis pensar em abrir lojas nas principais artérias de comércio das cidades britânicas.
A corrida aos computadores portáteis
Como se explica que em ano de crise, a venda de computadores, sobretudo portáteis, tenha batido recordes de venda em Portugal, ultrapassando a fasquia do milhão e meio de aparelhos vendidos? Talvez a resposta esteja nos preços mais acessíveis: este foi o ano da explosão dos computadores portáteis a menos de €400. Segundo o jornal Diário Económico, quando a crise estalou e o consumo travou a fundo, no terceiro trimestre de 2008, o mercado cresceu 654% no nosso país, graças ao boom de produtos como o computador Magalhães, produzido pela firma nacional J.P. Sá Couto para o programa governamental ‘e-escolinha’. Como diz o aforismo, este ano menos é mesmo mais: segundo declarações de analistas ao mesmo jornal, 75% dos computadores vendidos em 2008 foram portáteis.
A tendência também se manteve no resto da Europa, onde o mercado dos mini-portáteis de baixo custo cresceu mais de 24% entre Julho e Novembro.
Dentadinhas na crise
A crise obriga quem trabalha fora de casa a gastar menos em refeições. A fatia mais apetitosa do lucro vai para as empresas de fast food em detrimento dos restaurantes tradicionais. A Mcdonalds já fez saber que está a resistir muito bem aos desastres financeiros globais: os lucros da marca aumentaram 80% em 2008, nos EUA. As coisas vão tão bem ao ponto das suas acções na Bolsa terem subido 6% em 2008, o ano em que o mercado de acções nos EUA perdeu um terço do seu valor. Em Portugal, as contas também vão muito bem, adianta ainda o semanário Expresso, a quem o director-geral da marca em Portugal afirmou ser o terceiro ano consecutivo em que a marca cresce dois dígitos. Este ano, a Mcdonalds vai mesmo investir na abertura de lojas ou na renovação de outras.
‘ Quem quer ser Bilionário’ ou o elogio do optimismo
Já todos deitamos a palavra ‘crise’ pelos ouvidos. Talvez por isso, se tenha tornado tão importante encontrar exemplos de que há vida para além dela. E o grande vencedor da edição deste ano dos Óscares é o melhor dos exemplos. Com uma dose gigantescamente ternurenta de optimismo, ‘Quem quer ser Bilionário’ conta como um miúdo indiano, pobre e sem instrução, vence as maiores adversidades da vida ao ganhar o prémio máximo num concurso televisivo. O filme do inglês Danny Boyle estava nomeado para 10 Oscares e conquistou oito: Melhor Filme, Realização, Fotografia, Montagem, Mistura de Som, Argumento Adaptado, Canção Original e Banda Sonora. E os lucros já são avassaladores – 176 milhões de dólares até ao final de Fevereiro para um filme que custou uns ‘escassos’ 15 milhões de dólares. O facto de um filme estrangeiro, cheio de actores indianos desconhecidos, parcialmente falado em Hindi, ter conquistado os americanos – de quem se diz não serem fãs de películas legendadas – é em si mesmo uma vitória do optimismo. Em Portugal, levou aos cinemas mais de 140 mil espectadores, só nas primeiras três semanas de exibição.
E há ainda uma vantagem indirecta: o turismo em Bombaim, cidade que lhe serve de cenário, aumentou cerca 25% desde a sua estreia, noticiou o USA Today.
Não vá o diabo tecê-las…
Segundo o jornal Expresso, mais de 3700 empresas portuguesas recorrem a seguros que cobrem o incumprimento de pagamento por parte dos seus clientes atingidos pela crise. Por isso, os seguros de crédito cresceram 14% em 2008, ultrapassando a fasquia dos 73 milhões de euros. O problema é que em época de crise o incumprimento aumenta e as indemnizações pagas pelas seguradoras já superam ligeiramente os prémios de seguro recebidos. Os mediadores que angariam clientes é que saíram a ganhar, uma vez que não correm riscos.