"Se soubesses o que é a minha vida…"
Abraça-me e tira o casaco, porque faz muito calor, e eu procuro abafar uma vontade irresistível de rir, até porque sei que nunca nos devemos rir de conversas que começam desta maneira – e sobretudo porque também sei que ela tem razão…
"Se soubesses como é bom estar aqui sozinha contigo, e eles todos no futebol!"
Sozinha, enfim, era uma força de expressão, só com enorme boa vontade (ou num qualquer exercício literário…) é que uma pessoa se pode considerar sozinha num sábado à tarde no Colombo.
Ela tinha-os largado no estádio e, com um toque de telemóvel, conseguira comover-me e arrastar-me da tranquilidade de minha casa para um local de que não sou, confesso, grande frequentadora.
E agora ali estamos as duas.
"Largaste-os no estádio?", admiro-me.
"Claro. Não suporto futebol, mas se isso os faz felizes a eles, ainda bem. É da maneira que tenho uns minutos de sossego…"
E lá vai desfiando as correrias das suas manhãs, levantar às sete, acordar toda a gente, tornar a acordar toda a gente porque há sempre um que resiste a sair da cama, e ela sabe que basta um atraso de cinco minutos para a manhã ficar toda engatada.
E depois o pequeno-almoço.
E depois as mochilas, que nunca estão prontas.
E depois os casacos, que nunca estão no sítio.
Sorrio e, em toda a minha inocência, proponho apanharmos o metro, são só três estações até minha casa, que tal passarmos uma tarde tranquila, na conversa, víamos um filme, o jogo ainda agora começou, temos mais que tempo, e…
Ela nem me deixa continuar. Sacode a cabeleira loira e exclama:
"Para casa? Estás a gozar comigo, com certeza… Vamos mas é para as compras!"
E arrasta-me vertiginosamente pelo meio daqueles corredores circulares por onde me perco sempre mas ela não, e vai falando em marcas que eu não conheço mas ela sim.
E entra e escolhe calças e tops e t-shirts e blusões, e enfia-se pelos gabinetes de provas das lojas, e despe-se e veste-se, e torna a despir-se e torna a vestir-se, e chama-me para uma opinião, às vezes só para me dizer "olha como fico gira!" – porque, no meio daquela vertigem toda, ela não perde a cabeça, sabe bem gerir o seu dinheiro, não faz compras inúteis ou extravagantes, mesmo que os saldos a possam provocar.
"O que eu quero é experimentar a roupa!", diz-me, "adoro entrar nos gabinetes para experimentar roupa!"
E depois da roupa é a vez das perfumarias, e abre todos os testers, e cheira, e chocalha, aqui não dá para provar mais do que isso.
De repente abranda.
Fico aliviada, porque, para dizer a verdade, já sinto a cabeça ligeiramente a andar à roda, deve ser daqueles corredores concêntricos, e ela também parece cansada.
"Estou cheia de fome", exclama, "as compras fazem-me sempre fome!"
Enquanto eu estou a pensar onde é que se pode ir lanchar, já ela me arrasta pelas escadas rolantes, "anda que eu sei um sítio óptimo!", e em menos de um minuto estamos abancadas a uma mesa.
Eu – com o meu café curto.
Ela – com três enormes bolas de gelado, de nomes estranhíssimos, que tentam equilibrar-se num cone gigantesco.
Atira-se depois para uma cadeira ao meu lado, olha para a cadeira em frente e suspira:
"Três sacos de compras e um gelado…A isto chamo eu a vida no seu melhor!"
Tenho muita vontade de rir, confesso, mas limito-me a olhar para ela. Acho que nunca na minha vida vi tamanha expressão de bem-aventurança na cara de uma miúda de 13 anos.