Knightsbrige, Londres. A fachada é de 1830, de traça vitoriana. Lá dentro, o cenário nada tem de conservador. Roland Emmerich, realizador de ascendência germânica, urdiu uma verdadeira rebelião interior. Para tal, apelou à intervenção criativa de John Teall, designer da Flux Interiors. “Foi um desafio absoluto”, lembra Teall, reduzindo a conversa inicial com Emmerich à seguinte frase: “Dá-me um interior que dê um pontapé na moral e faça com que os vizinhos mais coscuvilheiros tenham vontade de chamar a polícia.” Era mesmo o que Teall queria ouvir: “Para mim, a decoração de interiores não é puxar o saco a mulheres de futebolistas… é, sobretudo, uma passagem de energia criativa e artística.” Trabalhar com Emmerich foi, segundo Teall, “uma experiência compensadora”.“O Roland tem uma mente aberta fantástica”, elogia o designer de interiores.
Como seria de esperar de um realizador como Emmerich, expressões políticas e propagandísticas dão o mote à decoração, em grande parte devido a uma viagem a Xangai, onde o realizador encheu a mala de estatuetas kitsch, de Mao a Lenine. Tudo começou com um cartaz de propaganda comunista: “Pintámos toda uma parede a partir deste poster. Gostámos tanto, que decidimos fazer o mesmo noutra e depois noutra e noutra…”A abundância de ‘estrelas vermelhas’, cenários de batalhas políticas e imagens de ditadores (podemos sentar-nos num confortável sofá sobre a cabeça de Saddam ou Stalin) vai para além da inteligência visual. “Não podemos viver com a mente direcionada num único sentido. É por isso que normalmente não gosto do humor no design – depois de olharmos o objeto, a anedota acaba-se numa fração de segundo. O humor só funciona quando se processa algo em ti; quando te agarra, te revolve, desarma e te consegue alimentaro pensamento”, defende o cineasta.
O duplo objetivo de Emmerich e Teall foi o de criar uma casa que, por um lado, fosse convidativa, relaxante e agradável de estar. Por outro, deveria estar apetrechada com temas que tivessem um profundo significado, capaz de inspirar e suscitar reflexões e conversas. É por isso que na casa de banho adjacente ao quarto inglês com um toque de realeza se encontra uma sequência subliminar mostrando Camilla, Duquesa da Cornualha, a ser ‘regada’ por um pénis mitológico. É também por isso que se pode passar a noite na companhia do presidente iraniano Ahmadinejad, fotomanipulado de modo a parecer uma pin-up, a presidir sobre a mesa-de-cabeceira lateral, enquanto um despertador em metal, de contornos fálicos, se evidencia na outra cabeceira. E é também por isso que na sala é mais do que provável perdermo-nos na contemplação das mesas especialmente desenhadas por John Teall, uma para albergar uma maqueta com miniaturas do cenário do homicídio de Kennedy, outra a retratar a infame traição no banco traseiro de um carro protagonizada por Hugh Grant. Outra das mesas é uma réplica da prisão Abu-Ghraib. Após um olhar mais preciso, conseguem vislumbrar-se cenas de tortura que ali tiveram lugar. “A arte a duas dimensões nunca é funcional”, diz Teall, mas se a integrarmos numa mesa onde pousamos o café e a torrada torna-se tridimensional, estimulante e funcional. Uma casa verdaderamente irreverente que, só por si, dá um filme.