Andar 20 anos para ouvir uma banda ao vivo pela primeira vez, ir ao Optimus Alive e ser brindada com três horas de música é um presente para qualquer fã. Foi o que aconteceu no passado sábado 14 de julho do Passeio Marítimo de Algés, um verdadeiro festim de músicas que percorreram os mais de 30 anos de discografia da banda liderada por Robert Smith.
Olha-se em volta e há pelo menos duas gerações (e meia) de fiéis à espera da celebração. Eyeliner preto nos olhos de rapazes e raparigas dos 50 e tal – sim, fica lá sempre o miúdo urbano depressivo sonhador e sentimental – aos frescos 15/16, prova viva de que, se há bandas com repertório que faz sentido em qualquer década e cala fundo em qualquer peito, esta é uma delas. Ao lado, atrás, ouvem-se as dúvidas sobre o estado vocal (mas também estético – “está mais gordo?”, “ainda usará aquele cabelo?”) de Robert Smith. Também se ouve falar muito espanhol e inglês, uma constante, aliás, a todos os dias deste festival que tem merecido destaque nos media internacionais.
O concerto começa com pontualidade britânica e corações ao alto, ditados pela cândida e romântica ‘Plainsong’, seguida de cinco hinos absolutos para conquistar a audiência: ‘Pictures of You’, ‘Lullaby’ (com o publico a entoar em uníssono “Spiderman is having you for dinner tonight”), ‘High’, ‘The End of the World’ e ‘Lovesong’, a puxar pelas gargantas e sentimento. Lá mais para o meio, as alegres ‘In Between Days’ e ‘Just Like Heaven’, a contrastar com a beleza melancólica de ‘Trust’ ou ‘Want’.
O momento alto viria com milhares de almas a cantarem talvez a mais conhecida (e radiofónica) ‘Friday I’m in Love’, como se a vida fosse uma eterna sexta-feira pós-expediente. Antes dos encores, tempo para recordar as velhinhas ‘Play for Today’, ‘A Forest’ ou ‘Primary’, linhas de baixo ainda a puxar o pezinho para a dança desengonçada, logo seguidas ‘One Hundred Years’ e ‘Desintegration’, duas das mais amadas pelos fãs hardcore. E já íamos com duas horas de música.
Robert Smith ainda voltaria ao palco três vezes, primeiro, para cantar ‘The Same Deep Water As You’, depois, para um segundo encore que arrebatou completamente o público resistente, de onde constaram alguns dos temas mais solares como ‘Caterpillar’, ‘The Lovecats’, ‘Close to Me’, ‘Why Can’t I Be You’ e o eterno ‘Boys don’t Cry’ (outro momento efusivo de cantoria coletiva).
Smith, que nem é dos frontman mais comunicativos, tímido como sempre mas bem-disposto, mostrou-se mais falador na reta final do concerto –“Agora querem uma rápida ou uma lenta?”, “Já não tocamos esta há muito tempo. Se nos enganarmos cantem alto por cima.” E para quem tinha dúvidas: sim, a voz dele continua em excelente forma aos 53 anos. Na sua guitarra podia ler-se “2012: Citizens not subjects” (2012: Cidadãos, não súbditos), uma mensagem claramente política.
A generosidade dos The Cure não deixou os fãs indiferentes que, perto das três da manhã, ainda pediam mais. A banda respondeu com duas das suas músicas mais antigas, ‘Saturday Night’ e ‘Killing an Arab’ (1979). “E agora é que acabou mesmo”, rematou Smith.
Sim, podemos estar 20 anos para ouvir pela primeira vez ao vivo uma das bandas que nos salvou (metaforicamente) a vida em incontáveis tardes e noites adolescentes, mas poucas responderiam com três horas emotivas e a mesma entrega dos The Cure.
Confira alguns momentos do espetáculo: