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Formada em história, produtora e apresentadora de televisão, a inglesa Daisy Goodwin apaixonou-se pelo mundo das grandes casas senhoriais inglesas e das herdeiras americanas do século passado que casavam com duques ingleses e, graças ao seu dinheiro, resgatavam as propriedades falidas. ‘A Última Duquesa’ (Esfera dos Livros) é a história de Cora Cash e do que acontece quando ‘dinheiro novo’ encontra ‘dinheiro velho’. Daisy esteve em Lisboa, e falou com a Activa sobre herdeiras, espartilhos e estrelas pop.

– Porque decidiu escrever esta história?

– Trabalhei em televisão há 20 anos mas sempre quis escrever um romance. Um dia fui ao palácio de Blenheim, onde viveu Consuelo Vanderbilt, uma herdeira americana que foi forçada pela mãe a casar com um duque inglês. Há um quadro enorme que mostra Consuelo de um lado e o marido muito afastado do outro, e pensei que não podia haver comentário mais apropriado ao estado daquele casamento e a todos os problemas que tinham. Então pensei que aquilo era um cenário fantástico para um romance.

– Cora foi inspirada em Consuelo Vanderbilt?

– De certa maneira sim, mas Cora tinha problemas diferentes de Consuelo, que nunca amou o marido e começou a ser-lhe infiel muito cedo. Esse é outro tipo de história. O problema de Cora era saber se era amada por ela própria ou pelo seu dinheiro, Consuelo sabia perfeitamente que o duque só queria o dinheiro dela. Cora é mais romântica do que Consuelo e o duque é mais simpático, há aqui uma história de amor e ela sente-se traída. Queria que eles tivessem uma relação verdadeira, embora nunca soubesse muito bem como é que iria terminar, nem eu. Mas quando cheguei ao fim percebi como é que tinha de acabar.

– Havia mesmo um choque de culturas entre a América e Inglaterra?

– Sim, e isso via-se em coisas do quotidiano. Cora queria instalar casas de banho e ficava chocada por serem precisos litros de água carregada por criadas para se tomar um simples banho… Quando vemos as séries com mansões inglesas nunca pensamos que eram geladas, não tinham casas de banho e precisavam de um batalhão de criados tratados como escravos para subsistirem. Mas há uma diferença engraçada entre ricas e pobres. Cora acha a sociedade inglesa demasiado emproada, mas para a criada, Bertha, que é negra, vir para a Inglaterra é uma libertação, porque lá não havia segregação, não havia leis que proibiam o casamento inter-racial. Como os negros eram menos habituais, eram vistos como exóticos…  A rainha Vitória tinha uma afilhada nigeriana, por exemplo. E Bertha, como criada de senhora, tinha um certo status que não tinha na América. Se escrever uma sequela, Bertha vai ter uma nova vida.

– E vai haver uma sequela?

– Talvez, ainda não sei. Mas Bertha vai ter definitivamente um papel.

– O que é que une Cora e Ivo?

– Acima de tudo, o facto de terem mães dominadoras, quer a mãe de Cora quer a Dupla Duquesa, que devo confessar é a minha personagem preferida.

– O que distinguia as ricas americanas das ricas inglesas?

– Bem, as americanas vestiam-se melhor do que as inglesas. E eram de facto mais ricas. E não tinham nenhuma paciência para as convenções, embora ao mesmo tempo se sentissem fascinadas com tudo aquilo. E não percebiam porque é que não podiam ter tudo. Para as inglesas, não era uma questão do dinheiro que se tinha, era uma questão da antiguidade do título, isso é que dava prestígio. Dinheiro ‘velho’ valia mais que dinheiro ‘novo’, e por isso desprezavam as americanas.

– As mansões americanas também eram diferentes das inglesas?

– Fui a Newport, em Rhode Island, onde há ruas cheias de casas enormes. Em Inglaterra, cada uma delas estaria rodeada do seu parque, convenientemente resguardada dos olhares públicos. Na América, interessa é estar no meio das outras casas, para se poder ver bem que é tão grande ou maior que a casa dos vizinhos. E ainda se nota essa diferença entre a riqueza nos dois países. Na América há mais ostentação.

– Apesar daquela animação toda das festas e dos vestidos, não era uma altura muito boa para ser mulher, pois não? Mesmo as mais ricas nunca eram livres.

– Sim, isso é completamente verdade. Mesmo Cora, que tem todo o dinheiro do mundo, nunca é completamente livre. Quando se casa deixa de estar dominada pela mãe mas passa a estar dominada pelo marido e pelas convenções…

– E pelos vestidos…

– Sim sim. Eu própria experimentei um dos corpetes daquele tempo, e é insuportável. Não nos podemos mexer, não nos podemos dobrar, não podemos respirar… Não estavam numa gaiola dourada, como se costuma dizer, estavam numa gaiola a sério. Tinham uma vida muito dolorosa, na maior parte do tempo. E as regras de etiqueta eram absolutamente ridículas. Elas tinham poder nos seus domínios, mas não mais do que isso. Quem disser, ‘Eu gostava de ter vivido naquele tempo’, não sabe o que está a dizer. Já para não falar nas criadas…

– Por que é que temos um fascínio tão grande por aquele tempo?

– A casa de campo, aquelas grandes mansões inglesas que vemos nas séries, são um microcosmos, são como um romance policial, sabe-se onde tudo acontece e qual é o lugar que cada pessoa ocupa. E é um pouco um mundo perdido. Em Inglaterra, nos fins de semana as pessoas vão olhar para estas casas e tentam imaginar as pessoas que moravam lá dentro. Claro que ‘glamourizamos’ esse tempo e essas casas, mas temos de nos lembrar de que eram locais violentíssimos para viver.

– Como é que o livro foi  recebido em Inglaterra e nos Estados Unidos?

– Gostaram do livro nos dois países. Em Inglaterra foi um bestseller, mas eu sou bastante conhecida lá graças aos programas de televisão. Fiquei muito contente por também ter corrido bem nos Estados Unidos. Acho que ficaram satisfeitos por Cora ser uma personagem ativa e inteligente.

– O mundo dela era assim tão diferente do nosso?

– Em muitas coisas sim, mas o mais engraçado a propósito de Cora é que o estilo de vida dela não era assim tão diferente das celebridades de hoje. Havia os fotógrafos que andavam atrás dela, as colunas de mexericos que escreviam sobre ela, as pessoas que queriam saber tudo sobre ela, os criados que eram subornados para dizerem coisas sobre ela, não era assim tão diferente das Rhiannas de hoje. Fiquei surpreendida com a dimensão do fenómeno já nessa altura. Havia canções sobre as herdeiras americanas e tudo, eram famosíssimas.

– O que é que está a escrever agora?

– Estou a escrever um romance baseado na vida da imperatriz austríaca Sissi. Situa-se na altura em que ela vem a Inglaterra, já quase com 40 anos, para caçar. Ainda é bela, e destacaram um capitão para a acompanhar nas caçadas. Tudo isto é verdade, e achei que daria uma história fantástica. Mas não quero torná-la demasiado desumana, embora se saiba que era absolutamente neurótica, alguém obcecado com a sua aparência.

– Vai dar-lhe um final feliz, como o de Cora?

– Ainda não sei. Mas acho que hoje em dia precisamos de livros que nos ajudem a sonhar, que nos tirem um pouco deste mundo em que vivemos. E talvez as pessoas pensem, a propósito da história de Cora, que o dinheiro não é o mais importante…

– Ainda é produtora de televisão?

– Sim, faço programas a que geralmente se chama autoajuda, mas que basicamente pretendem ajudar as pessoas a viver melhor. Faço o tipo de programa que gostaria de ver.

– Como consegue educar duas filhas?

– Uma delas já está na universidade, está a formar-se em literatura, a outra tem 12 anos e gosta muito de dar opiniões sobre tudo…

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