- Forjar curriculum
Comece por criar a sua ‘persona’: quem quer ser? Convém indicar que estudou numa escola com um nome sonante mas não suficientemente conhecida (e estrangeira, escusado será dizer). Não diga que andou em Cambridge, em Princeton, no MIT ou na London School of Economics. Também convém incluir uns títulos sonantes mas que não queiram dizer nada, tipo ‘Associate Fellow of The Graduates’ Academy For Social Growth’ à mistura com outras coisas mais conhecidas mas suficientemente grandes para que ninguém se dê ao trabalho de ligar para alá a perguntar. Não se esqueça de plagiar uma tese de doutoramento. Dá trabalho mas compensa.
2. Criar Blog
Onde postar variados eventos a que compareceu e variados prémios que recebeu (mais uma vez, convém não ser o prémio Nobel, o Prémio Abel ou o Miss Universo). Pode-se aproveitar também para repetir o curriculum, e forjar variadas citações de artigos que, escusado será dizer, nunca existiram (mas não abusar, uma ou duas são suficientes).
3. Tornar-se membro de Associação Influente
Por esta altura, a Confraria do Bacalhau presume-se que já esteja atenta, mas é questão de deixar passar uns meses e deixar esfriar a batata quente. Quando a batata estiver novamente fria, tornar a atacar. Só confrarias gastronómicas há 66, por isso tem muito por onde escolher, mas para não perder tempo convém dedicar-se de alma e coração (e estômago) a apenas uma ou duas. Se for rapaz (ou rapariga) de estômago fraco, dedique-se a um hobby influente, como o golfe. Pode ainda inscrever-se no Clube Naval, tirar umas lições de vela e começar a infiltra-se no meio. A ideia é ser uma coisa descontraída e não ameaçadora, onde possa fazer novos amiguinhos.
4. Definir discurso
Tem de dizer o que toda a gente diz, e, mais importante, o que toda a gente quer ouvir. Note bem: não deverá ser a favor do governo, porque não tem graça nenhuma, ninguém lhe prestará ouvidos e não terá eco como a voz do povo. Para que o povo lhe dê ouvidos, tem de dizer aquilo que o povo quer ouvir, mas engravatado. Se vier dizer que os sacrifícios são muito úteis, a multidão vai pegar no comando e passar imediatamente para a ‘Avenida Brasil’. Um falso profeta que saiba do ofício tem de alimentar (falsas) esperanças. Não se preocupe em dizer nada muito original, quanto mais óbvio for, melhor. O segredo é criar o contraste entre os Grandes Poderes (FMI, OCDE, etc) e os Pequenos Discursos, quer dizer, pôr o povo a exclamar “anda cá ver, Soraia Marisa, até que enfim que vem um Especialista dizer o que eu sempre disse”. Se for preciso, treine ao espelho ou peça à sua avó para o entrevistar.
5. Comprar gravata
Se vai enganar meio mundo (tenha consciência de que haverá sempre outro meio de olho mais aberto), não se esqueça de apurar a ‘máscara’. Se aparecer no telejornal a falar do seu plano para o FMI todo desgoelado e com cara de quem não toma banho desde que Salazar era ministro das finanças, ninguém o levará a sério. Atenção: não apareça ligado a nenhum partido político.
6. Ser cool
Mentir é uma arte: aprenda a fazê-lo bem feito, ou terá tido este trabalho todo para nada. Lembre-se que um burlão é essencialmente um vendedor: venda o seu peixe, qualquer que ele seja. Para isso, tem de descobrir um vazio emocional (como são todos os vazios) do povo, e preenchê-lo (ver alínea 4). Apresente-se sempre como especialista, que é coisa de que os jornais e revistas andam sempre à procura, e largue umas siglas sonantes como FMI ou BCE. Apresente-se como ligado a uma qualquer entidade importante, mas não demasiado ligado (consultor é o ideal, assim uma coisa tipo “eles ligam-me às 4 da manhã quando precisam de tomar qualquer decisão importante mas prezo muito a minha independência”). Atualmente, a ONU já está um bocado vista, por isso pode sempre pegar por outro lado, como por exemplo a OCDE.
7. Planeie com antecedência
Não deixe nada ao acaso: preveja imprevistos, prepare-se para o que não possa correr bem, tenha planos B e C para o caso de ser necessária uma fuga repentina. Tenha um botão de ‘eject’ para usar em caso de emergência. Aliás, lembre-se da frase “é possível enganar muita gente durante muito tempo, mas não é possível enganar toda a gente durante todo o tempo” (ou qualquer coisa do género), ou seja, prepare-se para uma saída de cena rápida e eficiente quando vir que a burla já deu o que tinha a dar.
8. Perceber quando a burla já deu o que tinha a dar
Há objetivos concretos, mas para o caso de o seu único objetivo ser simplesmente o puro prazer de burlar, mesmo assim convém sair antes de começar a chuva de petardos (atenção que burla dá prisão, além de chuva de petardos).
9. Fazer-se convidado para jornais e televisão
Como em tantas outras coisas, só custa a primeira vez. Convém começar por jornais ou revistas da especialidade. Não se esqueça dos sites, porque é importante que o seu nome apareça no Google. Uma vez que tenha dado a primeira entrevista, tudo o resto virá por arrasto e poderá colher os louros do seu árduo trabalho.
10. Enjoy the show
Relaxe. Sorria. Converse. Dê autógrafos no supermercado. Atualize o blog. Amigue sem dó no Facebook. Mande a si próprio cartas endereçadas pela Assembleia da República. Deixe-as esquecidas em cima da caixa do correio para os vizinhos verem. E acima de tudo, nunca esqueça a alínea 8.