Mudam-se os tempos, mudam-se as profissões. Mas, acima, de tudo as prioridades.
A era da internet abriu as portas da empregabilidade a novos domínios e encargos. E a blogosfera não é exceção.
Segundo os dados do Netpanel da Markest, estima-se que, só em 2013, os portugueses passaram 1,2 milhões de horas na internet e, de acordo com um inquérito do Eurobarómetro publicado no final de 2013, acedemos à internet principalmente para consultar o e-mail, cerca de 80%, as redes sociais (67%) ou ler jornais online (62%) – sendo que, nestes dois últimos parâmetros de avaliação, o tempo despendido pelos portugueses é superior à média europeia. Mas, e em relação, aos blogs? Os dados são parcos, mas, de acordo com os números da Marktest de 2013, publicados em Setembro de 2014, 1,9 milhões de portugueses consultaram blogs, representando 22,9% da população inquirida, na faixa etária entre os 15 e os 24 anos.
Quatro blogs, quatro histórias diferentes
Há quem lhe chame um fenómeno, mas uma coisa é certa: na última década, a internet foi, literalmente, invadida pelos blogs e a blogosfera cresceu a olhos vistos. Os bloggers opinam, dão sugestões, tiram dúvidas e criam tendências. São seguidos por legiões de leitores, dependendo do número de visitas diárias, e até há já quem tenha criado o seu negócio através da página online, como a Maria Guedes, mais conhecida como “Stylista”.
O nome que intitula o seu blog de moda e lifestyle, criado em Janeiro de 2009, – depois de terminado o aluguer do seu primeiro site (www.mariaguedes.com) mais direccionado à sua atividade profissional de designer -, foi criado “com o objetivo de partilhar – nem sabia muito bem com quem, talvez ninguém – as coisas giras que encontrava e que os olhos menos treinados podiam não identificar” afirma Maria Guedes, também autora do livro “Tanta roupa e nada para vestir”. Um projeto lançado, em Novembro de 2009, bastante falado nos meios de comunicação tradicionais, como a televisão, e que ajudou o “Stylista” a saltar do anonimato para o topo dos blogs mais visitados, em Portugal, atingindo, atualmente, mais de 20.000 mil visitas diárias.
Quem também se encontra no topo da blogosfera é o “Frederica by Vanessa Martins”. O “bebé” da modelo e apresentadora do canal Panda Biggs, Vanessa Martins, nascido há apenas um ano, e para o qual conta com uma equipa de seis profissionais – entre os quais uma jornalista, uma gestora de conteúdos e um informático -, foi criado com a intenção de se destacar no mercado as suas vertentes profissional e comercial, mas, acima de tudo, para trazer para o nosso país uma realidade, até então, pouco explorada: os blogs de famosas.
No último ano, esta realidade mudou drasticamente, em grande parte, devido ao sucesso do blog “Daily Cristina” da apresentadora Cristina Ferreira, – que, segundo os números de Agosto do ranking Netscope da Marktest, atingiu as 399.708 mil visitas – e os portais de caras conhecidas multiplicam-se pela blogosfera, dominando o “lugar virtual”.
Esta é a expressão utilizada por Joana Carreira, quando se refere ao seu “Sketchbook Six”. Inicialmente um diário gráfico físico (sketchbook), no qual guardava cuidadosamente os artigos que a inspiravam, desde recortes de revistas femininas, publicidade, fotografias, bilhetes de viagem e de cinema, e que, há cerca de cinco anos, por ter sentido a necessidade e curiosidade de partilhar com as amigas os seus interesses, decidiu transportar o diário para o mundo online. Uma aventura cibernauta que, nos primeiros tempos, atingia apenas 20 pessoas e que, hoje em dia, lhe garante 5.000 a 6.000 mil visitas diárias.
Um blog de moda e lifestyle em crescimento na blogosfera, quando comparado com o de Maria Guedes, inicialmente também uma anónima como a Joana, mas que iguala o mesmo número de visitas que o “Cinco Quartos de Laranja”. O cantinho de partilhas, emoções e sabores de Isabel Rafael que, apesar de ter um quarto das visitas do blog de moda “Stylista”, e de acordo com as estatísticas do site Blogómetro, é o portal mais visitado no sector da culinária da blogosfera.
Um reconhecimento que já valeu a Isabel, professora de profissão, o convite da editora Marcador para o lançamento do seu primeiro livro “Cozinha para dias felizes”, premiado como o melhor livro de uma blogger em Portugal, e, mais recentemente, em Julho, o lançamento do livro “Delicioso Piquenique”. Um caminho trilhado desde 13 de Fevereiro de 2006, com sucessivas participações em programas de televisão e vários workshops organizados pela própria, e que mudou por completo a sua vida: “em Setembro, deste ano, decidi dedicar-me de corpo e alma ao ‘Cinco Quartos de Laranja’ e tirar uma licença sabática” revela Isabel, de sorriso rasgado, mas deixando transparecer o misto de ansiedade e receio que a domina.
E os blogs dão lucro?
As parcerias com as marcas, a publicidade e os posts pagos são as principais formas de rentabilização dos blogs das ntrevistadas. No entanto, nenhuma das quatro arrisca afirmar que a blogosfera é, se encarado como tal, um trabalho fácil. Muito menos avançam com valores.
“O blog é o meu negócio principal e do blog surgem negócios satélites como as parcerias de design com uma linha de jóias com a OMNIA, uma linha de relógios com a Eletta, o livro, as campanhas de publicidade e os mercados. O blog é o mais consistente, mas não necessariamente o mais lucrativo” certifica Maria Guedes. Recorde-se o seu trabalho mais recente, em campanhas de publicidade, para a marca de tintas de cabelo Nutrisse, ao lado da atriz Sara Matos.
“Desengane-se quem pensa que os blogs são uma galinha dos ovos de ouro! Pelo menos, para mim não é, nem nunca foi!” assegura Isabel Rafael, não contendo o riso, pois, na opinião da apaixonada pela culinária criou-se a ideia errada de que é fácil viver-se do blog e que se consegue atingir determinados produtos e luxos, quando essa realidade não é transversal a todos os bloggers, principalmente no sector da culinária – sendo reflexo disso mesmo a diferença no número de visitas entre um blog de comida e um blog de moda. Mas porquê? “Porque o sector da alimentação é um sector onde é mais difícil de investir e não há um retorno imediato. Enquanto no sector da moda, as pessoas compram por impulso, no da culinária o efeito é mais prolongado no tempo e as pessoas só compram determinado produto, quando vão às compras para a casa” justifica Isabel.
“Se dá lucro? No caso da Frederica, dá! Se não, não conseguiria pagar os setes ordenados dos elementos da equipa do blog” afirma Erica Sousa Antunes, gestora de conteúdos do blog ‘Frederica by Vanessa Martins. Inclusive, atualmente, o portal é a principal fonte de rendimento de Vanessa Martins e ao qual alia a sua profissão de modelo com os vários contractos de publicidade estabelecidos pelo blog, como por exemplo, com a marca de roupa Mango ou a marca de automóveis SEAT.
Um projeto que já deu também azo a outros negócios, como o lançamento da sua primeira linha de kimonos, a Limited Edition Folk Line, mas que, segundo Erica Sousa Antunes, exige muito trabalho até chegar ao ponto de ser um blog de sucesso. “O nosso blog demorou cerca de um ano a ser preparado e foi cuidadosamente pensado e ajustado ao panorama nacional. Para se ter um blog de sucesso é essencial analisar e avaliar o mercado, definir quais são as principais saídas e apostar num blog inovador e que se distinga dos que já existem” refere a gestora de conteúdos. “Ao contrário do que as pessoas pessoas pensam, um blog leva muito tempo a ser pensado e preparado… Podem ficar surpreendidos, mas todos os artigos que saem no Frederica, salvo raras excepções, são preparados com um mês de antecedência e previamente agendados” acrescenta.
Para além destes factores, a gestora de conteúdos, também produtora da RTP, cumpre ainda uma regra de ouro e do seu lado tem um grande aliado. “Obviamente que uma carteira de contactos como a da Vanessa, facilita no acesso e no contacto com as marcas que se associam ao Frederica, no entanto nem todas as marcas que nos contactam se ajustam ao nosso blog. É fundamental estabelecer uma relação de cordialidade e fidelidade com as marcas às quais estamos associadas” lembra. Em todo o caso, não esconde que uma percentagem significativa das avultadas visitas do “Frederica by Vanessa Martins” se deve ao domínio à qual está associada: o sapo.pt. Um domínio que integra os serviços de e-mail, pesquisa, blogs, fotos, vídeos, tempo e mapas e que, de acordo com os dados da Marktest, de Novembro de 2014, se encontra em quinto lugar no top dos 10 domínios mais vistos, em Portugal, totalizando 220.662.000 milhões de visitas, e liderado pelo google.pt com 752.110.000 milhões de visitas.
Em situação idêntica encontra-se a “Stylista” associada ao portal clix.pt e a quem encarrega a parte comercial com os anunciantes, apenas se envolvendo nos pedidos de post patrocinados para avaliar a pertinência e criar os conteúdos.
Situações diferentes têm o “Sketchbook Six” e o “Cinco Quartos de Laranja”. Joana Carreira ainda não se associou a nenhum portal e conta com o auxílio das agência de comunicação para o intercâmbio com as marcas e o acesso aos press releases dos eventos.No no caso da blogger Isabel Rafael, hoje em dia contactada por diversas marcas, só estabelece acordos com aquelas com que se identifica, sendo que o contacto ainda é estabelecido por via dos meios tradicionais: “Ainda não senti a necessidade de me associar a um domínio como o sapo.pt, não sei até que me ponto será vantajoso, como tal as marcas entram em contacto comigo por email ou pelo facebook e logo acordamos” diz. Um passo que espera dar com calma e prudência, duas características que a definem, mas que não descarta, pois tem a noção de que é um factor impulsionador de muitas visitas e de contactos promissores.
Será que há mercado para tantos blogs?
“Só os melhores sobreviverão” responde sem medos Maria Guedes. “Os melhores não são necessariamente os que têm mais visibilidade, há blogs de nicho muito interessantes. Os que têm mais audiência terão sempre lucro garantido” completa.
Uma opinião partilhada por Isabel Rafael, que acrescenta: “Houve uma mudança, houve um novo olhar por parte das marcas em relação aos blogs… Se calhar, viram aqui uma forma de publicidade, uma forma de fazer chegar às pessoas uma mensagem que é diferente”. E que tem atraído milhares de novos bloggers, em busca de alcançarem a ilusão, criada por bloggers da velha guarda, de que é fácil viver-se da blogosfera, rápido atingir-se o sucesso e que não requer muito tempo de dedicação e preparação dos artigos.
“O blog como profissão é um risco diário, é viver com a possibilidade de um dia ter tudo e no outro nada, é todos os dias acordar com esta imprevisibilidade que por um lado é assustadora e por outro um motor cheio de adrenalina que nos move” alerta a Stylista, dona de uma experiência com mais de cinco anos na blogosfera e no mundo da comunicação.
É inevitável afirmar: os blogs dominam os novos meios de comunicação, tendo como aliados as redes sociais, e, ao contrário do que poderia ser expectável, as oportunidades e a própria publicidade acompanharam o crescimento exponencial da blogosfera. Contudo, todas as bloggers salientam que só os melhores sobreviverão e conseguirão competir pelo seu lugar num mercado, cada vez mais cheio. Mas, quais são os factores que distinguem o ou os melhores blogs?
“Honestidade”, na opinião de Isabel. “Verdade” complementa Isabel. “Autenticidade é factor mais crítico do sucesso” acrescenta a designer Maria Guedes. E “Profissionalismo” atesta a Frederica. No entanto, há um factor comum a todas: a diferenciação. Um blog que se destaque pelo seu carisma e personalidade e ao qual alia o trabalho e a inteligência na abordagem dos conteúdos, muitas vezes, replicados por milhares de outros blogs, em Portugal e no estrangeiro. Este é o caminho e o conselho dado pelas quatros bloggers a quem ambiciona entrar neste meio.
Para o futuro, não prometem facilidades, mas, cada uma à sua maneira, deseja que este fenómeno, ainda em crescimento, estabilize, traga concorrência saudável, novos talentos, novas oportunidades, mas, acima de tudo, que se assemelhe à realidade do estrangeiro, na qual as bloggers assumem papéis de referência, tantos para os consumidores quanto para as marcas, nas várias plataformas de comunicação.