Tamara Alves era o nome ao qual respondia presente nos bancos da Escola das Caldas da Rainha ou da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, onde fez o mestrado em Práticas Artísticas Contemporâneas. Mas na rua, onde dá corpo às mensagens em que acredita, é conhecida apenas por Tamara. Já ganhou espaço no meio dos homens, mas ainda não encontra explicação para a quase ausência da mulher na street art. Na Regata de Portugal oito artistas foram convidados para dar vida aos contentores que são a casa dos patrocinadores da primeira edição do evento e Tamara escolheu as cores e as formas do contentor da Olá que esteve exposto nas Amoreiras, onde conversámos sobre este desafio e o seu percurso.
Consegue explicar este contentor?
Ás vezes é difícil conseguir conciliar uma marca que já tem uma imagem definida e o meu próprio estilo. O cone de gelados com as flores que diz “olá amor” é o que representa a fusão perfeita da Olá com os meus trabalhos. O tigre é do meu universo e tinha que estar presente para que quem visse este trabalho ao longe percebesse que é meu. Os barquinhos de papel ligam o universo infantil, muito associado aos gelados, à Regata de Portugal.
É fácil desenvolver um projeto com tantas predefinições ou são mais fáceis as paredes em branco?
As paredes em branco também são complicadas porque quando a liberdade é total o artista tem uma grande luta interior para conseguir encontrar o caminho. Com uma marca que já está muito definida também pode não ser fácil e eu demorei muito tempo para saber o que ia fazer porque queria que o resultado final fosse muito “Olá”, mas também não queria perder a minha identidade no processo.
A formação em Artes Plásticas nas Caldas da Rainha, o Mestrado em Práticas Artísticas Contemporâneas e todo o seu processo criativo baseado na pesquisa constante e no estudo não é muito habitual na arte de rua. Não era mais lógico ter seguido o caminho das galerias?
Enquanto artista é-nos ensinado que temos que trabalhar para uma galeria e entrar no circuito é muito difícil. A rua é uma forma de mostrar o trabalho sem a aprovação do galerista, é uma galeria a céu aberto onde o artista tem uma exposição para milhares de pessoas que ali passam diariamente. Também sabia que tinha uma arte mais suja, pouco comercial e mais ilustrativa, que não se adaptava ao meio tradicional.
A mensagem que um artista quer passar é fundamental na arte de rua?
Todo o tipo de arte que se apresenta na rua tem o seu próprio manifesto, tem que ter a sua mensagem porque os artistas não fazem as coisas à toa. A arte também serve para despertar as pessoas, para promover uma inquietação, não consigo conceber a arte como uma coisa simplesmente decorativa, embora haja artistas que seguem esse caminho. Quem vai para a rua quer que o seu trabalho seja visto e a rua, como demonstraram os murais de abril, tem um grande poder que deve ser aproveitado.
Quais são as suas mensagens?
As minhas mensagens vão muito ao encontro da natureza do nosso corpo. Saber amar, saber dormir, saber chorar. Tento pintar da forma mais literal possível, sem medos, assumindo os nus, as feridas, as cicatrizes de uma forma não violenta, mas tentando realçar sensações fortes. Acho que há muita gente que ao tentar adormecer sentimentos que são considerados menos bons acaba por afetar tudo o resto.
Como é que caracteriza o seu trabalho?
O meu trabalho é visceral.
Diz que o seu pensamento é povoado por imagens. Que imagem vê quando pensa na palavra “visceral”?
Vejo cor e muitos corações.
Como é que se inspira?
Normalmente vou à literatura buscar palavras de autores de que gosto e a partir daí tento perceber se as imagens em que penso se ligam às palavras. Também faço muitas pesquisas na internet e fotografo amigos.
Já teve alguns trabalhos próximos das crianças e este contentor, uma vez mais, parece feito a pensar nos mais novos. É uma artista infantil?
Sim. A criança dentro de nós tem que vir sempre ao de cima.
Essa infantilidade está relacionada com o facto de ser mulher?
O facto de eu ser mulher influencia tudo, mas enquanto artista não penso se sou mulher ou se sou outra coisa qualquer, limito-me a criar. O universo infantil não está relacionado com o meu género, está relacionado com as características do ser humano que o levam a sonhar e a querer eternizar a criança que há dentro de cada um.
É a única mulher neste grupo de oito artistas. Os homens são melhores na arte de rua?
Não terá a ver com qualidade. Se fosse há uns anos o papel da mulher poderia suscitar algum tipo de dúvida sobre se ela seria capaz ou não de fazer um trabalho deste tipo. Porque o grafitti era uma arte mais agressiva e marginal e nunca se colocava a mulher nesse papel, apesar de elas existirem. Atualmente não consigo explicar.