Semanas antes do Super Bowl 2024 as apostas online já estavam feitas, e eram muitas: conseguirá Taylor Swift (na véspera em Tóquio, onde deu quatro concertos) chegar a tempo? Vai ser pedida em casamento? Vai abraçar a mãe do namorado? Qual a cor do batom que vai usar? Tantas que no site da Forbes conseguimos encontrar uma lista de apostas pronta a imprimir.
Mas não era tanto a maquilhagem que preocupava os que acreditam na rebuscada teoria de conspiração que envolve a mulher do momento: que, a mando do Péntagono, a grande missão da cantautora norte-americana é derrotar Trump nas eleições presidenciais deste ano e que usaria o grande evento para voltar a anunciar o seu apoio a Biden. O seu romance com Travis Kelce, jogador dos Kansas City Chiefs, equipa que acabou por vencer a grande final de futebol americano, seria uma farsa para alcançar aquele objetivo. Horas antes do Super Bowl, Trump praticamente implorou a Swift para não apoiar Biden, dizendo que seria um ato desleal já que teria sido (alegadamente) ele o responsável pela Music Modernization Act, uma atualização das leis de direitos de autor – um assunto caro para a cantora, que perdeu os direitos sobre os seus primeiros seis álbuns, vendo-se obrigada a lançar novas versões para recuperar algum controlo sobre a sua música.
A verdade é que Taylor Swift conseguiu chegar a tempo do Super Bowl mas o único apoio que saiu reforçado foi a Travis Kelce, manifestado sob a forma do mais mediático beijo dos últimos tempos. A cantora apareceu em 12 momentos televisivos, num total de 54 segundos, sempre em campanha pelos Kansas City Chiefs.
Até ao fecho desta edição – (este artigo foi originalmente publicado na ACTIVA de março) -, Taylor Swift ainda não se tinha pronunciado publicamente sobre as próximas presidenciais norte-americanas.
Mas nem sempre Taylor Swift, 34 anos, foi considerada uma ameaça política. No documentário ‘Miss Americana’ (Netflix) há uma cena que marca o ponto de viragem. A cantora está reunida com a sua equipa e anuncia que nas intercalares de 2018 vai apoiar publicamente os candidatos democratas no Tennessee, contra a republicana Marsha Blackburn, a quem mais tarde viria a chamar um “Trump com peruca”. Enfrenta alguma resistência, afinal todos se lembram da crise na carreira das Dixie Chicks, precipitada pelas críticas que o trio country fez a George W. Bush e à Guerra do Iraque num concerto em Londres. “Tenho de estar no lado certo da História!”, contrapõe Taylor à resistência, referindo-se à defesa dos direitos humanos – das mulheres, da comunidade LGBT e das minorias – severamente ameaçados pela candidatura da senadora republicana, que acabaria por ganhar pela mais pequena margem da história recente. Fê-lo num post de Instagram dirigido aos seus 112 milhões de seguidores (hoje são 281) e em 24 horas conseguiu 65 mil novos recenseamentos eleitorais. Taylor Swift já havia usado a voz a favor dos direitos das mulheres depois de ter ganho em tribunal o caso contra um ex-DJ que lhe meteu a mão por baixo da saia quando posavam para uma fotografia em 2013.
Uma miúda normal
Taylor Swift sempre teve uma voz – embora até aqui apartidária – através das letras que começou a escrever com apenas 12 anos. Inspirou-se no country pop de Shania Twain mas foi pelo exemplo de Faith Hill que a família – sabia que ela tem um irmão mais novo, o ator Austin Swift? – se mudou da Pensilvânia para Nashville, capital do Tennessee e considerada cidade berço do country. Com apenas 14 anos, Taylor chegou a Music Row – bairro histórico ligado à indústria da música – e manteve-se obstinada na missão de cantar as suas próprias canções. “Quero dizer o que tenho para dizer.”
E ela sempre teve muito para dizer, as suas músicas são uma espécie de diário cantado, cada página é uma lição de humanidade, um abraço a milhões de pessoas que se identificam e encontram validação para as suas emoções.
Sem medo de expor as suas fragilidades, admite que cada namorado que teve se reverá em algumas das suas canções – caso de Harry Styles, protagonista do tema ‘I knew you were trouble’. Aliás, a sua confessa falta de jeito para o amor reforça a sua narrativa de anti-herói. Assim se justifica o sucesso que teve logo com o primeiro e homónimo álbum (2006), que trouxe uma camada mais jovem para o country: Taylor Swift era uma simples aluna do secundário, uma adolescente a cantar sobre a adolescência, e sentia-se perfeitamente feliz nesse papel.
Ser simultaneamente estrela e melhor amiga dos fãs é um equilíbrio difícil, mas Taylor consegue-o de forma natural. A estrela que tem como ídolo a própria mãe nunca se esquece de agradecer e partilhar os louros com os milhões de Swifties (como são conhecidos os seus seguidores), corresponsáveis por todos os recordes que a cantora já bateu e continua a bater: a mais jovem, a primeira mulher, única artista, os mais variados feitos, ultrapassando desafios e desbloqueando novos níveis de consagração, como se a carreira um jogo de vídeo se tratasse. Dois dos mais recentes: Taylor Swift terminou o ano passado com o título de ‘Personalidade do Ano’ da TIME – a primeira das Artes e a quarta nascida nos últimos 50 anos –, pela sua influência e capacidade de “transcender fronteiras e ser uma fonte de luz”; e começou 2024 como a primeira artista a vencer pela quarta vez o Grammy de Álbum do Ano.
o regresso
Ao longo de tantas conquistas, Taylor pode não ter perdido a humildade, mas é natural que tenha perdido alguma da ingenuidade e talvez só aparente fragilidade potenciada pelos caracóis, olhos azuis e pele de porcelana. Faz parte do crescimento, mas é também reflexo de uma indústria competitiva e muitas vezes desumana.
A sua tenacidade foi posta à prova logo em 2008, por aquele que se viria a revelar o seu maior arqui-inimigo. Quando, aos 19 anos, subiu ao palco para receber o MTV Best Video Award (a primeira artista country a consegui-lo), o seu discurso de aceitação foi abruptamente interrompido por Kanye West, que se apoderou do microfone para afirmar que era Beyoncé quem merecia ganhar a distinção. “As pessoas começaram todas a assobiar. Agora sei que era para o Kanye, mas na altura achava que era para mim.”
Este seria o primeiro capítulo de uma guerrilha – com alguns cessar-fogos pontuais – que se prolonga até hoje: consta que neste último Super Bowl, o rapper (que já anunciou o seu apoio a Trump) tinha comprado lugares próximos aos de Taylor Swift e assim apanhar boleia da sua visibilidade, mas que com um único telefonema a artista conseguiu expulsá-lo do evento. Há um incidente em particular, de 2016, que podia ter marcado o fim da carreira de Swift, mas que acabou por materializar na perfeição a expressão ‘o que não nos mata, torna-nos mais fortes’. Tudo porque Kanye West meteu Taylor Swift ao barulho na letra de ‘Famous’, chamando-a de ‘cabra’, alegando que, numa conversa telefónica, a artista lhe tinha dado autorização expressa para isso. O diz que disse culminou com um vídeo do telefonema manipulado e partilhado nas redes sociais por Kim Kardashian, então mulher do rapper, para provar as alegações de West (quatro anos mais tarde, a verdade foi reposta quando o vídeo original, não editado, foi revelado misteriosamente).
Pela primeira vez na sua carreira, Taylor viu a sua credibilidade ser posta em causa, naquele que foi um golpe certeiro na sua popularidade e, por consequência, na sua autoestima e confiança. “Deitou-me abaixo psicologicamente e levou-me para um sítio onde nunca tinha estado antes. Mudei-me para um país estrangeiro. Não saí da minha casa alugada durante um ano. Tinha medo de atender telefonemas. Afastei a maior parte das pessoas da minha vida porque não confiava em ninguém”, desabafou à TIME.
Cobra, foi o que lhe chamaram nas redes sociais, mas cobra foi também a imagem que usou para assinalar o seu regresso, com o álbum Reputation, em 2017. Há uma Taylor Swift antes e depois do ‘renascimento’. A artista assumiu ter voltado muito menos refém da aprovação e validação, aprendendo a lidar melhor com o constante escrutínio do público – a sua resistência é agora novamente posta à prova, com Kanye West a mencioná-la numa nova música, ‘Carnival’. É hoje uma mulher muito mais confiante, até com a sua imagem: para trás ficou um corpo escanzelado e faminto para dar lugar a formas mais reais e saudáveis. “Antes, bastava olhar para fotos minhas em que aparecia com uma barriguinha para parar de comer.”
Efeito ‘Swiffer’
De rainha do country a deusa do pop, fazer um perfil de Taylor Swift é perdermo-nos em números, num mundo dominado por métricas. Todos os dias há novas contas feitas às proezas da artista que até domina o espaço analógico: o álbum 1989 (Taylor’s Version) foi o vinil mais vendido em 2023! Mas voltamos ao mais recente Super Bowl para dizer que esta edição voltou a quebrar recordes de audiência, com uma média de 123,4 milhões de espetadores através das plataformas da CBS – 58,8 milhões mulheres, um aumento de 9% relativamente ao ano passado. Não foi só o Super Bowl mais visto, foi a transmissão mais vista desde que o homem pisou a Lua em 1969. As razões são multifatoriais, mas Taylor terá certamente contribuído para isso, assim como tem vindo a contribuir para o aumento da popularidade do futebol americano desde que começou a namorar com o atleta dos Kansas City Chiefs, especialmente entre as faixas femininas mais jovens.
O impacto de Taylor Swift é um fenómeno já com direito a nome próprio: Efeito Swift, que, numa nota humorística, podia ser usado numa campanha publicitária como Efeito ‘Swiffer’, já que a artista mobiliza pessoas e dinheiro tão eficazmente quanto uma mopa movimenta partículas de pó.
Por onde passa provoca um pequeno “boom económico” e há governantes que se desdobram em diligências para conseguir que o furacão Taylor passe pelas suas cidades – ou melhor o terramoto, já que os seus concertos até atividade sísmica já provocaram. Por onde quer que passe, deixa a sua marca: há ruas, bairros e sanduíches com o seu nome e em Santa Clara, na Califórnia, até ganhou o título de presidente de câmara honorária.
A estreia de Taylor em Portugal está marcada para os dias 24 e 25 de maio. Será um Estádio da Luz lotado a acolher a sua mais recente digressão. Mais um recorde: em 2023, a The Eras Tour – uma viagem por todos os seus álbuns e ‘eras musicais’ – foi a primeira da história a atingir a marca dos mil milhões de dólares em receitas de bilheteira, mais do dobro do que a Renaissance World Tour, de Beyoncé. Com uma fortuna avaliada em 1,1 mil milhões de dólares, é a primeira música a integrar a lista de bilionários da Forbes apenas com ganhos provenientes das suas canções e performances.
Se não conseguiu bilhetes para os concertos em Lisboa – o preço variava entre 62,50 e 539 euros (pacote VIP) – pode sempre ver o filme-concerto da digressão, que vai estar disponível na Disney+ a partir de 15 de março. O mesmo que já passou nas salas de cinema de todo o mundo (mas com extras) e que bateu todos os recordes de bilheteira para filmes do género.
Sucumbirá Lisboa ao Efeito Swift? Segundo a eDreams, a digressão europeia fez disparar as pesquisas de viagens nos destinos com concertos agendados, mas Lisboa registou um aumento menor da procura – segundo a plataforma de viagens, poderá ter a ver com a menor lotação dos concertos. Vamos esperar para ver se, no fim, não ficaremos com um Pastel de Swiftelém. Antes isso do que um sismo.
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