“Sejam bem-vindos. Sou a vossa camareira. Entro nos vossos quartos e conheço os vossos segredos.”
E sejam bem vindos à ‘Camareira’ (Nita Prose, Ed. Presença), um dos livros mais originais dos últimos tempos, principalmente devido à sua narradora. O leitor começa a pensar que isto vai ser só uma história de crime contada por uma empregada de quarto de um hotel (em Portugal não usamos muito a palavra camareira, embora esteja absolutamente correta). Ah e tal, é giro, é diferente. Mas não está à espera de uma Molly Maid tão estranha como (à sua revelia) divertida.
Molly conta-nos todo o seu quotidiano, e cedo percebemos que vemos o mundo por um par de olhos muito diferente. A ‘camareira’ tem 25 anos, problemas de comunicação e socialização, e até há pouco tempo vivia com a avó, que a criou e sempre foi a sua ‘tradução’ do mundo, o seu apoio, a sua única companhia, o seu amor maior. Mas quando a avó morre, Molly fica absolutamente sozinha e perdida entre sinais que não entende, sem conseguir decifrar aquilo que a rodeia.
Dona de um coração tão grande como é pequeno o seu jeito para entender o mundo, refugia-se nas regras seguras da limpeza e do hotel, fazendo camas, limpando casas de banho, puxando o lustro aos móveis, dando luta diária aos germes e à desarrumação e lidando corajosamente com uma vida solitária.
Quase toda a gente a troça pelas costas, com algumas bondosas exceções, como o mexicano Juan Manuel, que labuta nas cozinhas, Mr. Preston, o rececionista, e Giselle, uma hóspede rica mas infeliz que a toma como sua confidente. Fora isso, ninguém sabe que ela existe.
Molly faz todos os dias o mesmo percurso de casa para o hotel e do hotel para casa, onde ainda mantém o quarto da avó intocado e todas as coisas da velha senhora: os bules e chávenas, a televisão antiga, os naperons antiquados, o hábito de assistir a reposições do detetive Columbo (um ‘outcast’ como ela). Molly pensa como a avó, fala como a avó, e mantém uma moralidade incorrupta. Está habituada a ser invisível, mas isso muda de um dia para o outro quando descobre um hóspede, o horrível Mr. Black, marido de Giselle, morto na cama. E a camareira, que encontrou o corpo, é a primeira suspeita.
A história torna-se de leitura compulsiva à medida que seguimos Molly na sua senda da verdade. Teoricamente, o livro é um policial, mas a história acaba por ser apenas um pretexto para vermos a mente e o pensamento de Molly em ação, uma narradora tão adorável como incomum, ao mesmo tempo divertida e comovente. Está tão bem escrito que, quando Molly nos conta o que acontece, nós percebemos o que realmente se passou, mas ela não. E até se perdoam algumas incongruências e atitudes que uma pessoa como Molly nunca teria.
Enfim, como (apesar de tudo) é um policial, não falta a reviravolta final, que, tal como a protagonista, consegue ser ao mesmo tempo surpreendente e óbvia. Por isso leiam mesmo até ao fim. É um conselho de amiga.
‘A Camareira’ – Nita Prose – Ed. Presença, E18,90