
Evanna Lynch: quem não é fanático da saga Harry Potter não reconhece este nome de lado nenhum. Evanna era Luna Lovegood, a personagem mais enigmática e poética do universo de J.K. Rowling, e quando se apresentou para o casting, com 14 anos, foi escolhida porque, segundo o produtor, ‘as outras raparigas representavam Luna. Evanna era Luna’.
De certa maneira, isso é verdade: Evanna tinha esse lado não totalmente integrado de Luna. Por outra, tanto quanto se sabe, Luna nunca passou pelo terror que foi atravessar uma anorexia antes sequer da adolescência.
Mas não entendam mal: ‘O oposto da caça às borboletas’ não é sobre a saga Harry Potter, não é sobre os filmes (embora se fale deles, a seu tempo), não é sobre ser uma atriz-criança. O livro é sobre um processo de aprendizagem, crescimento e auto-aceitação inacreditavelmente duro para alguém tão novo.
A tradição inglesa tem muito este tipo de livro: são livros ‘de memórias’ mas isso não significa que a pessoa tenha 97 anos. As ‘memórias’ podem ser escritas aos 20 (ou 30, como é o caso) e relatarem acontecimentos significativos da vida daquela pessoa.
No caso de Evanna, as suas ‘memórias’ são impossíveis de largar porque, apesar de a maioria das pessoas não ter passado pela experiência da anorexia, Evanna relata a sua luta de forma tão completa, inteligente e bem escrita que qualquer ser humano se prende ao livro. Quem passou por isso vai-se identificar. Quem não passou, sente de facto que está a aprender mais sobre uma experiência-limite e a ser testemunha de um processo de conhecimento e de renascimento.
Isto dito assim talvez soe àqueles manuais de autoajuda tipo ‘eu sobrevivi a este drama’ mas, além de ser o oposto da caça às borboletas, também é o oposto desse tipo de livros. Aqui, Evanna regressa à sua infância e recorda como, na transição de menina para adolescente, a sua vida começou rapidamente a resvalar para uma procura de perfeição que quase a levou à morte.
Fazer desaparecer comida, enganar os adultos vigilantes, aproveitar todas as oportunidades para fazer exercício, pesar-se obsessivamente, tudo isto são etapas conhecidas da anorexia, mas o livro relata muito mais do que isso: aqui somos testemunhos do sofrimento de uma criança no limiar de alguém que ela tem muito medo de ser, e que não consegue libertar-se da prisão do autocontrole.
Ficamos a conhecer também quem a apoiou em todo o processo: a mãe, ela mesma uma ex-anorética, a terapeuta Natasha, a própria Joanne Rowling, que lhe escreveu cartas encorajadoras muito antes de Luna entrar na sua vida, os amigos que foi fazendo em todo o processo. Mas mais do que tudo, somos testemunhas da luta interior de uma rapariga com os seus demónjos e com o que os outros esperavam dela.
Em desespero, a família acabou interná-la naquilo a que ela chama a ‘Prisão dos Anoréticos’, uma instituição de ‘cura’ da anorexia feita segundo métodos brutais, e que constitui a parte mais chocante de todo o livro. “Era exatamente isso que parecia: as enfermeiras tratavam-nos como prisioneiros que tinham de ser castigados repetidamente pelo crime de tentarem ser magros,” conta Evanna.
O livro faz uma análise da forma como é possível ajudar uma pessoa com anorexia, acabando com uma reflexão: “A minha teoria é que não se pode realmente vencer a anorexia. Só se pode abandoná-la.” Claramente, fechar estas pessoas em ‘prisões para anoréticos’ não é a solução mais humana. “Parece-me que a única forma de derrotar a anorexia talvez seja derrotar primeiro a sensação de insignificância.”
Não é um spoiler perceber que a anorexia na sua fase mais perigosa foi finalmente derrotada, mas percebemos também que o fantasma continua lá. De qualquer maneira, este ‘livro de memórias’ tem um final otimista: não se pode prender para sempre a beleza das borboletas, mas isso é uma coisa boa: “Talvez eu consiga viver uma vida mais feliz, ousada, colorida e imprevisível se finalmente ousar abandonar a procura, violenta e paralisante, da perfeição.”
‘O oposto da caça às borboletas’, Evanna Lynch, E15,75, Casa das Letras