O livro chama-se ‘As fúrias de Hitler’ e é o fim do mito de que o terror nazi foi todo cometido por homens. A historiadora americana Wendy Lower passou 20 anos a investigar o papel das mulheres no Holocausto: e o resultado é absolutamente assustador.
Até agora, achávamos que as mulheres alemãs durante o período nazi tinham sido quando muito cúmplices passivas. Tirando um ou outro caso de psicopatia como Irma Grese, guarda em vários campos de concentração que ficou tristemente famosa pelas muitas atrocidades que cometeu, tinhamos a ideia de que as mulheres do Reich tinham sido quando muito ‘assassinas de secretária’, mães de família ou esposas dedicadas de criminosos nazis. Aqui, Wendy Lower prova que foram muito mais do que isso: muitas foram participantes ativas no genocídio.
Estas páginas não são para fracos de espírito. Aqui encontramos enfermeiras que deram injeções letais com a certeza de estarem a cumprir um dever patriótico, rececionistas que decidiam quem devia ser morto, datilógrafas que matavam crianças por puro divertimento, esposas amantíssimas que iam almoçar, matavam alguns judeus que se atravessavam no caminho e seguiam rindo com a sua vida.
E isto é o que se sabe. Muito ainda não se descobriu, ou ficará para sempre no segredo do passado. A investigadora segue a vida de várias destas ‘assassinas’ que não ficaram para a História, e afirma que ainda muitas provas e registos se perderam: “Algum dia saberemos de maneira mais precisa quantas mulheres alemãs se comportaram de forma tão violenta que chegaram ao ponto de matar com injeções letais, armas, cães ferozes e por outros meios?”
Algumas histórias são demasiado violentas. Por exemplo: depois de reunir algumas crianças judias na enfermaria de um gueto, uma das enfermeiras matou algumas no local, apenas para se divertir. E o livro está cheio destes exemplos. Como afirma a autora, “Sempre soubemos, como é evidente, que as mulheres podem ser violentas e mesmo matar, mas sabiamos pouco acerca das circunstâncias e das ideias que transformam as mulheres em perpetradoras de genocídios, dos vários papéis que ocuparam no interior e fora do sistema e das formas de comportamento que adotaram.”
Aqui ficamos a saber quem eram algumas destas mulheres, de onde vinham e porque chegaram a cometer crimes tão horrendos. O mais estranho é que na maioria dos casos eram mulheres ‘normais’, que viram na organização do holocausto uma oportunidade para subir na vida. Mas Wendy Lower analisa mais detalhadamente as razões destas mulheres.
Que lhes aconteceu depois da guerra? A grande maioria não se arrependeu, não mostrou remorsos, negou tudo ou explicou que o fizera ‘por amor à pátria’. Muitas foram amnistiadas. Uma médica responsável por experiências atrozes continuou mesmo a exercer pediatria durante largos anos.
Este é um livro interessantíssimo sobre um tema duríssimo (e, para aqueles que ainda pensam nas mulheres como as guardiãs da paz, um tema ainda tabu). Mas aqui se aprende muito sobre aquilo que as nossas circunstâncias fazem de nós, aquilo de que é feita a alma humana e como é que pessoas absolutamente banais podem chegar a cometer atos tão desumanos. A ler urgentemente, para que nada disto se repita, nem por mulheres nem por homens.
‘As fúrias de Hitler’ (Wendy Lower, Casa das Letras, E18,90)