Irene Vallejo tem esse grande e raro dom que é conseguir ensinar sem parecer que está a ensinar. Se calhar no caso dela, a palavra não é ensinar mas partilhar: em todos os seus livros se nota uma paixão por aquilo que estuda, a antiguidade clássica, e em todos eles se esforça por mostrar-nos como somos, mesmo que não o saibamos, feitos de passado, desse passado, como os antigos gregos e romanos vivem ainda em nós e na era da internet.
No maravilhoso ‘O infinito num junco’ ficámos a conhecer a história do livro e dos seus antepassados, desde os papiros egípcios até aos rolos romanos, das tabuinhas às iluminuras. Em ‘O silvo do arqueiro’, lemos um romance de aventuras com personagens lendárias que se transforma numa homenagem à arte de contar histórias. Em ‘Alguém falou sobre nós, fala do mundo atual à luz da antiguidade clássica.
Neste ‘O futuro recordado’, temos crónicas muito pequenas, de uma página, onde se parte do nosso mundo para os antigos, e onde ficamos a perceber que as nossas preocupações, dilemas e conflitos não são assim tão ‘modernos’ nem tão originais. Aqui se fala da paixão pela velocidade, da importância da beleza quando nos apaixonamos, da morte de alguém que amamos, de estrangeiros, de empatia, de palavras, de carecas, de mal-entendidos, de saúde, de políticos, de confiança, de felicidade,.
Exemplo: “É curioso que a filosofia do prazer e dos afetos se tenha interpretado mal com tanta frequência. Hoje chamamos epicuristas aos amantes do luxo mas Epicuro estava longe de ser um bom vivant espanjador. Usava roupas simples e alimentava-se à base de pã, queijo e azeitonas. Para este antigo apreciador da amizade, não importava o requinte do que comia e bebia, mas sim com quem.”
Neste livro, os antigos têm sempre uma palavra a dizer, uma orientação, uma luz. Lá de tão longe, pela mão e pela sabedoria de Irene Vallejo, eles são invocados para esclarecer, ordenar, explicar o nosso mundo. É curioso, não é?