O romance de estreia da alemã Elena Fischer tem vindo a ganhar admiradores ferrenhos e com razão. É um livro sobre a adolescência, mas visto de um ângulo quase oposto: a de alguém que, quando a vida está a começar, sente que já perdeu tudo. E no entanto, nunca é um livro derrotista porque Billie se recusa sempre a ‘perder’.
Por uma vez na vida, o título da tradução portuguesa é mais adequado que o original. ‘Paradise Garden’ (Jardim do Paraíso) é mais poético e dá-nos a ideia precisamente de paraíso perdido: que se faz quando a infância é cortada da maneira mais cruel e mais abrupta? Mas digam lá, quantos livros chamados ‘Jardim do Paraíso’ é que vocês conhecem? Pois: para aí imensos.
‘A viagem de Billie’ dá-nos essa ideia de movimento, transformação e busca, tanto exterior como interior, e é disso que todo o livro nos fala.
Então, a história: Billie, de 14 anos, mora com a mãe no 17º andar de um prédio num bairro social. A falta de quase tudo é compensada pelo amor e sobretudo pela imaginação: se não se pode ir à praia veste-se o biquini e apanha-se sol à janela, se não se pode ver o mar olha-se para a autoestrada, se não há dinheiro para férias em Espanha ou Portugal bebe-se copos de sumo com palhinhas cor de rosa.
Um dia – precisamente no dia em que, graças a um prémio, as desejadas férias iam começar – chega a avó da Hungria e o sonho vem por água abaixo. É o fim das férias: mas é também o fim de toda a vida de Billie tal como a conhecera. Num acidente doméstico, a mãe morre. E a filha subitamente orfã decide pegar no escaqueirado carro de família e fazer-se à estrada sozinha, em busca do pai que nunca conheceu e que nem sequer sabe bem onde mora.
Não vos conto mais porque estou sempre a ser acusada de ser spoiler, mas digo-vos já que este é um dos livros mais comoventes que li este ano (e deixem umas horas de parte, porque é, curiosamente, impossível de largar). Contado na primeira pessoa, pela própria voz de Billie, consegue ser ao mesmo tempo poético e realista, brutal e sensível, tristíssimo e esperançoso.
Inteligentemente, a autora não cai na esparrela de fazer, com todo este material negro, um livro pesado, denso e sombrio. Ou por outra: a imaginação, os sonhos e a coragem de Billie trazem-nos pontos de luz que tornam a escuridão mais visível.
Claro que o fim é um bocado previsível (é o chamado ‘estava-se mesmo a ver’) mas o facto de ser previsível para nós mas não para Billie só aumenta a dose de ternura do livro.
Além disso a capa é linda (vocês não sei, mas eu gosto de capas bonitas, e não são assim tão comuns).
Pronto, vão lá ler. Ainda por cima vem aí o inverno, não perdem nada lá fora.
‘A viagem de Billie’ – Elena Fischer, Ed. Singular, E17,75