
Bem-vindos a bordo. Apertem os cintos de segurança que vamos levantar voo numa das viagens mais extraordinárias das vossas vidas.
Pronto, isto pode parecer-nos um princípio bombástico – e é – mas não mais do que o próprio princípio de ‘A qualquer momento’. Num voo que sai atrasado, há, como em todos os aviões, pessoas de todas as idades e todos os tipos de vida. A hospedeira que faz anos nesse dia e a quem um bebé vomita em cima, a família do bebé que está transtornada com o bebé, um casal em lua de mel, uma influencer lindíssima, um casal de avós, uma enfermeira a planear a reforma – e uma velhota baixinha e banal, a quem ninguém prestou a mínima importância.
É esta senhora que de repente, a meio do voo, se levanta e começa a anunciar a cada passageiro, fila a fila, um por um, como e quando vai morrer. Algum tempos depois de todos saírem desse avião, a primeira morte acontece exatamente nas circunstâncias que a mulher a descreveu, e estão lançadas as bases para o caos: e para um dos livros mais interessantes que podem ler este mês.
Claro que o tema já está mais do que batido em séculos de humanidade em que nos fascinámos com a possibilidade – ou impossibilidade – de adivinhar o futuro, prever a morte ou controlar aquilo que nos acontece. Afinal, a pergunta ‘há destino ou somos nós que o fazemos?’ perde-se na história da humanidade. E a verdade é que, quer se acredite em videntes ou não, todos gostamos pelo menos de brincar com a ideia.
Mas o livro é mais do que uma reflexão filosófica. Liane Moriarty já é bem nossa conhecida desde ‘Pequenas grandes mentiras’. Aqui, está na sua melhor forma. O livro alterna a história daqueles pssageiros que conhecemos dentro do avião com o percurso da própria vidente (com ou sem aspas, como quiserem). Cherry é a personagem mais interessante de todas, e o fio condutor que junta pessoas aparentemente sem ligação alguma.
E a escrita é tão humana, tão bem apanhada, tão verdadeira, que damos por nós a ‘reconhecer’ muitas destas personagens da nossa própria vida: ou somos assim, ou já tivemos um dia assim, ou conhecemos pessoas assim. E seguimos o pânico geral à medida que os passageiros ‘informados’ da sua morte vão vivendo a sua vida tentando driblar o destino.
Claro que o tema da previsão funciona sempre, e apesar de o livro ser enorme e com milhões (enfim, muitas) de personagens, aceleramos páginas fora à velocidade da luz só para ver se aquelas pessoas vão mesmo morrer como a vidente (com ou sem aspas) previu. Aliás, dei por mim muitas vezes a saltar parágrafos e a pensar ‘deixa-me ver como é que isto acaba mas qualquer dia hei de cá voltar e ler este livro como deve ser’.
Pronto, para não vos dar um dos meus muitos spoilers, não vos vou falar mais do que acontece. Como algumas pessoas me disseram que tinham ficado desapontadas com o fim, lá speedei a toda a brida até chegar ao dito. Mas o fim é perfeito (achei eu, na minha humilde opinião) porque remete para aquele que é o verdadeiro tema do livro: perceber que o nosso tempo na Terra é limitado, parar para pensar no que queremos e no que somos, dar valor a quem nos ama, trabalhar para vencer as nossas limitações, e viver cada dia como se fosse o úlitmo, mesmo sem nenhuma vidente (com ou sem aspas) a predizer o futuro. E dizem vocês, dah,isso não é nada original, já li milhões de ‘frases inspiradoras’ de influencers a dizer exatamente isso e mais ou menos 45 livros sobre esse tema. Pois já. Mas confiem em mim, vão gostar deste.
‘A qualquer momento’ – Liane Moriarty, Asa, E21,50