
Estamos habituados a pensar na Margarida Rebelo Pinto como ‘a escritora do amor’. Aliás, ela própria se intitula assim. E gosta. Pormenor: ao contrário do que geralmente também se pensa, ela não é a ‘escritora do amor’ do tipo histórias românticas boy meets girl. Há sempre – ou há cada vez mais – em MRP a noção dos estragos que o amor romântico fez e continua a fazer na vida das mulheres. Principalmente na vida das mulheres. A Margarida não escreve sobre o amor no sentido banal do termo: ela mostra o que ele pode fazer à nossa vida.
E não é bonito de se ver. Este ‘A grande ilusão’ é construído por vários ‘testemunhos’ de homens e mulheres. A palavra testemunhos está muito associada ao jornalismo e à ‘realidade’, mas MRP afirma que todas estas pessoas ou são, ou podiam ser, verdadeiras.
E é verdade. Ou somos assim ou conhecemos pessoas assim. E a palavra solidão rima sempre aqui com ilusão e está presente em todas as páginas. Estamos sozinhas – e sozinhos – porque as coisas não correram como achávamos que iam correr, porque o marido nos abandonou, porque nós abandonámos o marido, porque as redes sociais explodiram e baralharam tudo inclusive o ‘mercado’ relacional, porque continuamos incapazes de nos compreender, porque não valorizamos quem está lá para nós, os amigos, a família, o ‘outro’ tipo de amor, porque não aprendemos a proteger-nos de narcisistas e egoistas.
Como resume uma das personagens, “Pertenço à última geração das princesas Disney, temperada com os ideais de independência que nos foram vendidos pela série ‘O sexo e a cidade’, que nos ensinou que podemos ser ao mesmo tempo coquetes e atrevidas, ambiciosas e românticas, mães atenciosas e directoras de empresas. Citando a mais ingénua das quatro, ‘in the end we all wanted to be rescued’”.
Problema: para a maioria, esse ´salvamento’ nunca chegou. E as mulheres ficaram sozinhas: com elas próprias. “Ninguém nos explicou que temos de ser nós mesmas a salvar-nos das nossas fantasias e ilusões, bem como dos desequilíbrios alheios.”
Isto não é apenas um conjunto de ‘testemunhos’ e histórias de amor e desamor todas interligadas. É também (como foi, à sua maneira, o ‘Sei lá’) o retrato de uma geração, desta vez o retrato dessa geração na meia-idade: cansados, enganados e traídos (enfim, nem todos, mas muitos deles). “Cresci na década prodigiosa, nos míticos anos 80, pertenço à geração que conquistou tudo o que sonhou: bons empregos, carros da empresa, casas confortáveis, férias nas Caraíbas, promoções.”… “O sucesso tornou-nos perfeccionistas, acreditámos que conseguíamos sempre mais e melhor. Vivemos com a crença inabalável de que as coisas podiam sempre melhorar. Até começarem a piorar.”
Claro que isto se passa tudo na classe que a MRP melhor conhece, namely, a dos ‘betos’, os que “não podem dizer aniversário sem ficarem logo com um ataque de pitiríase versicolor.” É cómico porque a própria, que faz parte, consegue ao mesmo tempo essa dupla proeza de fazer parte e de conseguir ter um olhar distanciado, o que calculo que não seja sempre fácil nem cómodo. Mas mesmo que nem não é, nem quer ser, nem se identifica com os ‘betos’ vai encontrar aqui muitos espelhos da sua vida, dos seus sonhos, da sua experiência. Nem todos nos sentimos traídos, nem todos pensamos no que teria sido a nossa vida se tivessemos virado à esquina, nem todos fomos enganados pela Disney. Mas vale a pena perceber melhor que geração é a nossa.
Já agora, se quiserem saber mais, leiam a entrevista que sai na próxima Activa em papel.
‘A grande ilusão’ – Margarida Rebelo Pinto, Alma dos Livros, E17,45