A dualidade, a contradição de um tecido mais espesso e mais firme, dos colarinhos rígidos, de um corte severo feito para as linhas deles contra as formas mais frágeis e curvilíneas do corpo feminino faz um contraste que, bem usado, é admirável e intriga. Recordemos a fórmula de Brigitte Bardot e Audrey Hepburn, dando-se-lhe um nó à cintura (um favorito pessoal meu); Marilyn Monroe em Os Inadaptados; Greta Garbo, que se dizia possuir seiscentas camisas e suspeito que nem todas seriam de senhora; Louise Brooks, Marlene Dietrich, Katharine Hepburn ou Uma Thurman em Pulp Fiction.
A oxford shirt, a camisa de flanela ou a camisa branca de qualquer tipo
ganha assim o romântico ou picante nome de “boyfriend shirt” (li há dias que para um homem, a sua camisa a ser usada pela mulher que ama é uma bandeira de vitória estendida sobre território conquistado) , mesmo que nada ande mais longe da verdade. Muitas vezes, a boyfriend shirt que fica tão elegante nos streetstyles da vida, com o mistério da androginia somado à hipotética história de romance, nada teve de romanesco.
Frequentemente é a “brother shirt”, a “daddy´s shirt”: tesourinho doméstico, estava pendurada em casa porque porque sim: ou porque se ofereceu ao pai ou ao irmão e lá ficou esquecida, ou porque andava perdida nos armários e era um desperdício não fazer nada dela, Christian Dior homme, Yves Saint Laurent ou vintage do tempo da Maria Cachucha cujo padrão vem mesmo a calhar para as tendências do momento.
Algumas exigem uma visita à costureira para tirar a largura em excesso se forem mesmo grandes e reajustar os punhos (ou em certos modelos, para descortinar o que fazer quanto aos botões de punho); outras há que um simples cinto/colete/pullover por cima resolve; noutras ainda não se faz nada além de duas voltas de styling e já está. Não se esqueçam também as sem-história: comprou-se porque era bonita, a marca boa e o preço convidativo, para usar no melhor modo “não te rales”, maria-rapaz de saltos altos.
É certo que por vezes se faz o mesmo com sobretudos ou blazers mandados ajustar; mas isso dá mais trabalho e a metáfora, fora o bolso interior, vai dar ao mesmo a não ser que queiramos argumentar que uma carteira posta dentro do bolso é simbolicamente um colete anti balas que tenta proteger os seu grandes corações cheios de basófia contra as flechas do Cupido. Por isso fiquemo-nos pela alegoria da camisa, que é uma armadura por si só.