O surto de coronavírus está a abalar as indústrias da moda e do calçado de formas sísmicas.
A suspensão de atividades na China, um país importante a nível global não só como um motor de vendas, mas também como um dos principais núcleos de produção, os constrangimentos no fabrico em Itália e, consequentemente, a queda acentuada nas visitas a showrooms e das encomendas estão a ter prejuízos incalculáveis.
Mas, dito isto, há outra questão que se levanta: como é que a pandemia (e as suas consequências sociais) vai afetar aquilo que vestimos?
O mundo da moda parece ser a última coisa em que devíamos pensar durante uma crise global de saúde pública. Mas a observação da mudança de atitudes e estilos de vida num cenário marcado pela instabilidade pode guiar designers, marcas e retalhistas no processo de adaptar as suas abordagens para o resto do ano. É um mal necessário numa altura em que é muito provável que as pessoas reduzam ou mudem drasticamente os seus hábitos de consumo – e em que o fornecimento e o fabrico, provavelmente, serão limitados.
No fundo, a moda é incrivelmente emocional e numa crise da vida real, o público quer sentir algum conforto – um cobertor de segurança metafórico, mas também num sentido literal.
Será que a malha confortável e os populares conjuntos em caxemira vão tornar-se as principais tendências? Os robes e as sweatshirts com capuz vão ganhar um novo apelo? Agora que estamos recolhidos em casa, é possível que as marcas comecem a apostar nos slippers, uma vez que os stilettos e as sandálias de plataforma não têm serventia?
Nos últimos anos, as tendências de moda começaram a mudar dos “booms” de streetwear e athleisure para formas mais profissionais de vestir. As passarelas mais recentes, das coleções de outono/inverno 2020, não viram desfilar vários ténis e sweaters com capuz, mas sim fatos, botas e agasalhos em couro, que, dadas as circunstâncias atuais, não têm a mesma repercussão junto do público.
Apesar de o conforto ter sido um tema predominante há alguns anos, apenas alguns designers lhe deram protagonismo nas propostas para a próxima temporada.
Na Semana da Moda de Paris, perante uma preocupação crescente com a disseminação do coronavírus, Joseph Altuzarra combinou decotes elegantes e silhuetas vintage femininas com malhas suntuosas e slippers em pelo sintético. No contexto de uma crise em curso, a sua coleção ganhou ainda mais relevância.
No que ao calçado diz respeito, a tendência das botas práticas teve um timing perfeito. Esta não será uma era de lantejoulas, tecidos acetinados e outras frivolidades. As solas em borracha podem ser limpas com mais facilidade e as já populares solas grossas dão um mote apocalítico que pode empoderar as mulheres, com a sua silhueta estilo armadura.
Na vida real, as pessoas começam a navegar pelas estratégias de teletrabalho, incluindo reuniões virtuais em diferentes aplicações, e uma das maiores dúvidas de moda prende-se com o que devemos vestir como parte de cima. Como resposta, vem-nos à cabeça um retrato de Phoebe Philo.
Na imagem, registada por David Sims em 2010, a designer cobre a boca com uma camisola de gola alta em malha grossa. Confortável, prática e, ainda assim, profissional, a peça é bem capaz de se tornar uma das mais omnipresentes durante o período de isolamento. O seu design também proporciona uma sensação de proteção, mesmo que seja simbólica.
E, apesar de não as podermos ver durante teleconferências, também é seguro apostar que as sandálias forradas com pelo sintético vão fazer um regresso triunfal. Isto porque, nestas alturas, o conceito do conforto como o derradeiro luxo vai ganhar todo um novo significado.