Amante de moda e apaixonada pelo simples ato de sair de casa com um look no qual se sentisse 100% ela mesma, Nuala Phillips, editora na Vogue espanhola, deu-se conta que, afinal, essa percentagem não estava completamente correta. Isto porque, durante as duas semanas de isolamento que já cumpriu, recheadas de dias de fato de treino, se apercebeu que, no dia-a-dia, pré-quarentena, aquilo que vestia não era somente para si mesma.
“A roupa e a nossa forma de vestir são uma carta de apresentação. Uma forma de linguagem que nos relaciona ou classifica dentro da sociedade. Quando vamos a um casamento, sair à noite ou tomar um café, selecionamos a roupa em concordância com o que nos ensinaram ser adequado a esse momento“, resume a psicóloga Maite Prieto.
Ou seja, é claro que, maioritariamente, nos vestimos da forma que gostamos. A questão é que há uma percentagem do nosso estilo que não é só nossa. Cada peça de roupa está associada a um determinado significado e vesti-la passa uma mensagem. “O ser humano é mamífero, a manada é parte do seu ser. Vestir-se de uma forma ou de outra é um modo de dialogar com a sociedade“, acrescenta a psicóloga.
Posto isto, durante o período de quarentena, o sentimento é de alguma liberdade. Quando não há ninguém a ver, como é que nos vestimos? Como afirma a autora, agora “criamos as nossas próprias leis: comemos quando temos fome, dançamos quando queremos danças e também nos vestimos como nos apetece. Agora, de verdade“.
Mas, afinal, porque é que nos sentimos melhor quando nos arranjamos e vestimos algo que não o pijama ou um fato de treino?
A resposta é simples: aquilo que nos ensinaram estar “certo ou errado” continua presente nas nossas mentes. “Muitos de nós selecionam a roupa à procura de repetir ou evitar reações passadas. Tudo isto são peças de um puzzle que vai formando a nossa imagem pessoal e a nossa autoestima“, clarifica Maite. Posto isto, ao nos vestirmos normalmente, mesmo estando em casa, fazemo-lo para um “público imaginário” ou, hoje em dia, para o das redes sociais, de modo a recriar a essência daquilo que já nos fez sentir bem.
Uma coisa é certa: é difícil sermos 100% nós quando estão outras pessoas a ver – esta é uma tarefa que requer romper com todas as convenções sociais e demora muito tempo a ser alcançada. Todos criamos, no dia-a-dia, uma certa performance que não desaparece totalmente quando ficamos fechados em casa. Daí nos sentirmos melhor com uma roupa que consideramos “mais bonita” e não “de casa”.
Porém, esta quarentena pode servir, precisamente, para nos conhecermos melhor – experimentar diferentes roupas, desde as mais descontraídas às mais sofisticadas, e perceber o que realmente nos faz sentir bem. O vestido justo? A camisa oversized? Os ténis? Os saltos alto? Muito provavelmente, ganhará coragem para fazer aquela seleção de roupa e reduzirá o volume do conteúdo do seu roupeiro. “Se conseguirmos ultrapassar este primeiro momento de angústia que é o de se encontrar consigo mesmo, podemos sair reforçados desta situação“, remata Prieto.