Nuno Henriques
Foto: Annie Waterman

Nuno Henriques nasceu em Coz (uma freguesia portuguesa do município de Alcobaça), em 1984. Estudou Pintura – Artes Plásticas na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Terminado o curso, parte para Berlim, onde começou por limpar pratos e acabou como Chef num restaurante de tapas em Neukoln. Enquanto se pedia aos jovens portugueses para emigrarem, ele regressou a Portugal com a sua bicicleta cor-de-rosa e uma vontade enorme de pôr algumas ideias a andar. Foi nessa altura que decidiu resgatar esta tradição que estava moribunda e acabou por criar uma tendência. Assim, começou a trabalhar diária e diretamente com os artesãos e, com eles, criou a Toino Abel.

A Toino Abel é uma marca de malas de junco feitas à mão, através de uma técnica artesanal que se mantém inalterada desde a sua origem. O junco, já seco, é trabalhado num tear para construir uma esteira que depois é cosida à mão, adornada com uma asa de vime, um fecho e uma alça de pele, e, finalmente, uma medalha cerâmica feita à mão com flor de junco gravada.

Numa cesta Toino Abel cabe a natureza; cabe a herança familiar; cabe o design e a investigação; cabe o mundo. E até cabe a poesia, que é aquilo a que soam as palavras de Nuno Henriques quando nos fala com o coração – sem esquecer a razão – de um ofício ancestral.

Uma conversa com um homem que se abre ao mundo e deixa que se espreite a beleza e as histórias da arte da cestaria.

“Creio que as pessoas compram Toino Abel porque é um projeto de missão e se revêm nele.” (Nuno Henriques)

A Toino Abel ressalta os valores mais bonitos, a herança familiar e a tradição. Sente um enorme orgulho no projeto que criou?

Sinto um misto de surpresa e uma enorme gratidão. Fico até um pouco pasmado quando olho a minha oficina em modo “natureza morta” ao fim dia e vejo nela a materialização deste projeto. Ver este “corpo” da oficina desabitado, depois do horário de trabalho, comove-me e surpreende-me até a profundidade que está a tomar. Eu penso já para lá da oficina e começo a pensar em paisagem e do quanto gostava de trazer o junco de volta à nossa aldeia.

Há uma procura cada vez maior pelo artesanal e pelos valores que o envolvem?

Há novas marcas e produtos artesanais, a surgirem todos os dias, mas o mesmo não acontece com o número de artesãos. Quando comecei haviam duas casas produtoras na minha aldeia, que fazia 99,9 por cento de todas as cestas de junco em Portugal. Hoje num raio de 10 quilómetros existem seis casas produtoras, ou seja, três vezes mais. Ajudei a crescer as casas de cestaria existentes e a Toino Abel tornou-se também produtora pelo caminho. Em 2017, começámos a tecer in-house e em 2019 passámos a ter todos os processos feitos in-house. Eu fiz o que podia pelos artesãos locais, mas tínhamos uma exigência na qualidade que não estava a ser respondida e a questão das condições laborais é preponderante para a sobrevivência deste ofício. Como sempre, fui contracorrente e escolhi o caminho mais difícil – que é o que me parece ser o certo. A cestaria tradicional, no modelo de negócio atual, baseado em mão-de-obra precária não tem futuro. O artesanato não vive num outro planeta, os seus trabalhadores têm que estar inseridos no Estado social. Por mais valor cultural que um ofício ancestral possa ter, ou por mais bonito que seja o seu objeto, se o seu fazer não enriquecer a sua comunidade e as pessoas que nela trabalham, então de facto não vale a pena ser preservado.  

A marca Toino Abel é uma homenagem muito bonita ao seu avô. Foi uma decisão fácil escolher o nome da marca?

O nome foi bastante discutido com a Doerte Lange, minha amiga, hoje fundadora da revista The Lissome. Queria um nome que refletisse o lugar de onde as cestas são originais, não só de Portugal mas de um Portugal rural, em particular, e também que refletisse o laço familiar, pelo facto de as cestas serem um negócio dentro da família há várias gerações. Há uma tendência para desacreditar o que fazemos, enquanto País, e talvez por isso muitas marcas portuguesas adotam nomes estrangeiros, franceses ou italianos. Creio que isso está a mudar.  

Atualmente, já não basta fazer como se fazia antigamente, é preciso reinventar. De onde lhe vem a inspiração?

Gosto muito desta ideia de agir sobre uma herança e como nós atualizamos, com códigos atuais, algo com séculos de história. Essa ação no hoje de algo ancestral, fascina-me, e não me interessa fazer igual, ou copiar o que foi feito, mas reinventá-lo. É admirável pensar que todas as gerações até aqui, durante séculos escolheram, receberam e passaram este ofício. Na cestaria de junco essa corrente, que vem pelo menos desde a Idade Média, não se deixou quebrar no tempo atual graças à Toino Abel.

Em todo o processo de dar vida a uma cesta qual é a fase que mais o apaixona?

Claramente o trabalho de tear. Sabe-me pela vida estar ao tear. Também gosto de desenhar, mas isso acontece a um ritmo mais rápido do que conseguimos produzir e acabo por desenhar menos por essa razão.

“O artesanato não vive num outro planeta, os seus trabalhadores têm que estar inseridos no Estado social. Se o seu fazer não enriquecer a sua comunidade e as pessoas que nela trabalham, então de facto não vale a pena ser preservado”, lembra Nuno Henriques

O que cabe dentro de uma cesta Toino Abel?

Hoje, uns óculos de sol e um livro de poesia. Talvez traga um pouco de areia na volta.

Todos as vossas cestas têm um nome. Quem é que as batiza?

Em 2017, quando passámos a tecer in-house quisemos fazer uma coleção desenhada pela designer de moda Sara Miller, em que cada cesta foi batizada com o nome de uma pessoa que estava envolvida na produção, como a Alice que tece, a Paula que cose ou o Luís que coloca as asas e tentámos encaixar cada padrão com a personalidade de cada pessoa. Durante a pandemia desenhei, eu, uma coleção chamada 10+2, celebrando os nossos 12 anos de existência (com dois anos de pandemia), em que cada mala é um número. Na oficina demos por nós a chamar nomes a essas malas e isso fez com que haja, por exemplo, a Cesta n.º10 Praia, que é uma das minhas preferidas e um sucesso comercial. Agora estou interessado nas cores do céu, para fazer uma coleção numa técnica de tingimento diferente, por imersão. Já lançámos a Aurora e a Pôr-do-Sol, que tiveram imenso sucesso, e vamos lançar no início de 2023 a Ocaso.

Que memórias transporta uma cesta Toino Abel?

Quem faz cestaria percebe que é algo que vem de um lugar muito antigo. A tapeçaria, que é a nossa tecnologia principal, e sobretudo os nossos teares face aos tradicionais, já têm algo de mais sofisticado mas ainda assim sente-se que é algo primordial. A forma que tomou, dá uma identidade única à nossa região.

Quais são os valores da sua marca de que nunca abdica?

Trabalho manual. Acho que é uma boa medida para os problemas de hoje. Nós não usamos energia, que não a humana, no processo de tecelagem. Isso faz com que mesmo que o negócio cresça, há um limite da capacidade de produção, à escala humana, e esse crescimento acaba por enriquecer a nossa própria comunidade.

A longa lista de espera para ter uma cesta não desmoraliza quem quer comprar?

Sim, receio que perdemos algumas vendas por esse motivo. Este ano conseguimos colocar mais uma pessoa. Acontece que a curva de aprendizagem é lenta e é suportada exclusivamente por nós. Creio que na primavera do próximo ano esse investimento já trará resultados e conseguiremos responder mais rápido.  

A Toino Abel é uma marca de cestas de junco feitas à mão, através de uma técnica artesanal que se mantém inalterada desde a sua origem.

O Nuno usa alguma das cestas que cria?

Sim, uso muito umas cestas grandes da nossa coleção de 2016 com rosas rosa para ir ao mercado. É das minhas coisas preferidas aqui, ir ao mercado tradicional em Alcobaça, e escolher produtos sazonais e locais. Gostava muito de poder oferecer cestos maiores para o dia-a-dia, mas ainda nos é muito caro produzir ao que acresce o problema do envio.

Os cestos deixaram de estar associados exclusivamente à época estival e, atualmente, já é possível ver uma mulher cheia de estilo a usar um sobretudo e uma cesta como mala. Sente que o seu trabalho enquanto artesão contribuiu para isso?

Eu creio que a Toino Abel é um exemplo de que é possível resgatar uma técnica ancestral artesanal, não só em Portugal mas no mundo. Creio que as pessoas compram Toino Abel porque é um projeto de missão e se revêm nele. Isso transmite uma confiança qualquer que seja a época do ano.

Quando descobre alguém a usar uma cesta Toino Abel o que é que sente?

Borboletas na barriga?

Qual foi a maior e melhor surpresa que teve neste processo de ver as cestas Toino Abel a chegarem ao mundo inteiro?

Encontrei agora uma colega das Belas Artes, que não via há muito tempo, e enquanto trocávamos palavras ao que nos tinha acontecido nestes últimos anos, ela disse que encontrou as cestas Toino Abel em Hiroshima, no Japão. Mas este ano, talvez a maior surpresa, foi a de saber que o nosso país também consegue absorver parte da nossa oferta e quer apoiar a transformação social e o salto em qualidade que estamos a dar.

Desenhadas para serem funcionais e bonitas em qualquer lugar, as cestas Toino Abel podem ser compradas na loja online (www.toinoabel.com) e em algumas lojas selecionadas espalhadas pelo mundo.

Que cuidados devemos ter para que as nossas cestas tenham uma vida mais longa?

As cestas são feitas num material muito no seu estado primário, e por isso reagem muito ao ambiente onde estão. É bom ouvi-las. No verão talvez precisem de ser hidratadas quando começam a ficar leves. Na Toino Abel todas as cestas incluem um guia de como cuidar. Para problemas mais complicados, como um fio (de teia) se partir, é importante reparar o mais depressa possível. Nós pensamos a construção para ser o mais simples de reparar em qualquer parte do mundo. Por isso, abandonámos os rivetes [uma espécie de botão-mola] e cosemos as partes de pele, o que nos dá quatro vezes mais trabalho. Oferecemos dois anos de garantia e somos bastante acessíveis no que toca a reparações.

Diga-nos três mulheres que o inspirem pelo seu estilo?

Agnes Varda, Anna Jotta e Catarina Portas. Sou fã incondicional de cada uma delas.

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