ALEXANDRA LEITÃO, Professora de Direito, ex governante e deputada

Em que momento percebeu que tinha de ser uma voz ativa pela igualdade de género?
Julgo que só tive consciência disso por volta dos 16 anos. Talvez porque em casa não sentia essa distinção, só no fim do ensino secundário senti que as raparigas e os rapazes não eram tratados da mesma forma, antes de mais pelos seus pares. Mas na verdade é quando me envolvo ativamente na vida política, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que senti mais isso. Em 1990 (data em que entrei para a Faculdade) as coisas eram bem diferentes do que são hoje: não havia a consciência coletiva – que hoje, felizmente, existe – de que a (des)igualdade de género era e ainda é um problema na sociedade portuguesa.

Em que é que o feminismo de hoje é diferente do feminismo dos anos 60-70?
Não sei se nos seus valores e princípios fundamentais é assim tão diferente: igualdade implica, antes como agora, “tratar o igual de forma igual e o diferente de forma diferente de acordo com a medida da diferença”. Mas nos anos 60 os direitos das mulheres, da vida pessoal à vida profissional, eram apenas uma miragem: as mulheres não tinham direitos reprodutivos (os meios anticontracetivos davam os primeiros passos e a interrupção voluntária da gravidez era proibida), poucas mulheres chegavam ao ensino superior, remetendo-se à vida doméstica ou a empregos mal pagos e pouco valorizados. Hoje felizmente a IVG está despenalizada em Portugal, há mais raparigas do que rapazes no ensino superior e as mulheres têm empregos qualificados. Mas atenção: as mulheres ainda têm salários 16 % inferiores em média aos dos homens, só 31% dos gestores de topo nas empresas do PSI 20 são mulheres. Na política, apesar das quotas, há apenas 84 mulheres na Assembleia da República num total de 230 deputados. e nas autarquias ainda é pior (apenas 9% dos presidentes de Câmara Municipal são mulheres: 29 em 308). Portanto, apesar de termos avançado muito, haver mais consciencialização e mais direitos, na essencialidade não julgo que seja assim tão diferente. E ainda há muito caminho a percorrer.

O que ainda mantém as mulheres fora da política?
Bem, há muitas mais mulheres na política do que havia antes. Mas há dois fatores que eu talvez realçasse para explicar a menor presença de mulheres. Por um lado, não há concursos ou provas para acesso a esses lugares (quando há, as coisas são mais igualitárias e dependem menos de fatores alheios à competência). Por outro lado, ainda se exige mais às mulheres ao nível da vida familiar, sobretudo se forem Mães, e isso e muito difícil de conciliar com a vida política.

As mulheres têm de ser duas vezes mais competentes que os homens para serem consideradas para um posto?
Muitas vezes sim. Eu, que sou totalmente a favor das quotas como medida necessária até que se atinja a igualdade plena, costumo dizer (até a algumas jovens que se sentem diminuídas por haver quotas) que não encaro as quotas como um sinal de “fraqueza”. Durante décadas, homens menos competentes tiveram vantagens no acesso à vida pública e política, portanto a igualdade só existe quando uma mulher tenha as mesmas oportunidades, independentemente da sua competência.

As mulheres continuam a ser mais escrutinadas nos seus cargos que os homens?
Sim. Falando na vida política e pública sim. E sobretudo são criticadas por coisas diferentes. Não só pelo que fazem ou dizem, mas também pela aparência, pelo tom de voz, pelo que vestem ou pela forma como se penteiam. Ninguém se lembrará de comentar a indumentária de um homem, por exemplo. Por outro lado, há características que são entendidas como qualidades nos homens e como defeitos nas mulheres. Por exemplo, a assertividade numa mulher é “mau feitio”, num homem é sinal de força. As mulheres também são mais vezes e mais duramente julgadas por aspetos da sua vida privada do que os homens.

Que livro todas as mulheres (e homens) deviam ler?
Aquele que é talvez o meu livro preferido (é muito difícil escolher um, claro): Pais e Filhos’ de Ivan Turguéniev. Mas também A embriaguez da metamorfose’, de Stefan Zweig.

Que livro sobre igualdade de género que mais a marcou?
Novas Cartas Portuguesas‘, de M.ª Isabel Barreno, M.ªTeresa Horta e M.ª Velho da Costa.

Uma artista plástica que admire muito
Paula Rego. Pela coleção de quadros sobre o aborto. São um “murro no estômago”.

A maior conquista das mulheres portuguesas
O direito de voto, a partir de 1931 (embora só após o 25 de abril se tenha consagrado o sufrágio universal e foram abolidas as restrições ao direito de voto baseadas no sexo dos cidadãos). Mais recentemente a despenalização da interrupção voluntária da gravidez em 2007. Uma breve explicação, uma vez que já referi duas vezes a IVG como um marco fundamental: os meios contracetivos e a despenalização da IVG são essenciais para que a mulher seja totalmente dona do seu corpo e da sua vida.

 A conquista que é urgente reclamar
O fim da violência contra as mulheres, sobretudo no ambiente doméstico. Há muito a mudar ainda, incluindo no sistema judicial. E o fim da violência obstétrica.

Uma citação para emoldurar
Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”, de Rosa de Luxemburgo.

Uma mulher inspiradora
Catarina Eufémia, como representante de todas as mulheres que resistem à opressão, em Portugal e no mundo (a minha própria Mãe foi presa política na década de ’60).

A sua maior luta no dia-a-dia
No plano político (que também é pessoal), a luta pelo Estado social nas suas várias dimensões. No plano estritamente pessoal, a felicidade das minhas Filhas continua a ser a minha maior luta.

Tem duas filhas, como lhes incute a luta pela igualdade de género?
As minhas Filhas são criadas num ambiente de igualdade e estão muito mais conscientes da igualdade em todas as suas dimensões do que eu quando tinha a sua idade. Ainda assim, não me canso de lhes dizer que não devem pensar que já se alcançou a igualdade plena. Ainda há muito por fazer.

Uma injustiça que a tenha deixado indignada
A misoginia que vejo crescer em muitos meios, sobretudo na vida política. A maior presença das mulheres tem esse efeito. Mas também ao nível de decisões judiciais por exemplo. Recentemente soubemos pela comunicação social de uma decisão de 1.ª instância que decretou a suspensão provisória de um processo de violência doméstica determinando que o marido levasse a mulher em “passeios lúdicos” durante o período de suspensão (não sei se é verdade, repito apenas o que li na comunicação social e que não vi desmentido).

O que lhe dá esperança num mundo mais igualitário?
As minhas Filhas e os amigos delas, independentemente do género.

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