Helena Sacadura Cabral: “Se sentires orgulho e gosto em ser mulher, as dificuldades tornam-se mais suaves”
Apaga 89 velas daqui a duas semanas mas o que se lê no cartão do cidadão em muito pouco se reflete no espelho de Helena. Quase nove décadas de história contam-se agora no livro “Pensar Olhar, Viver”. Trata-se de uma viagem por crónicas de vários temas, pensamentos, dissertações, conselhos e ensinamentos resultado do conhecimento, experiência e reflexão na vida da economista.
De gargalhada fácil, a mãe de Paulo e Miguel Portas não teve uma vida fácil. Fez questão de se reinventar e de nunca se entregar “ao menos bom” que a vida lhe foi oferecendo. Sobreviveu ao divórcio do grande amor da sua vida, à morte de um filho e continua grata à vida por tudo o que recebeu.
Vou começar pelo fim. “Pensar, Olhar, Viver” é uma espécie de “apanhado” de toda a sua vida. O que viu, ouviu, percecionou…e concluiu. No fundo, fez “uma tese do doutoramento” do caminho percorrido por Helena Sacadura Cabral. É isso?
É exatamente isso. Percebeu muito bem o que eu queria transmitir!
Dedica o livro aos seus filhos. Existe a ideia de que eles são, em determinados aspetos, o “prolongamento” dos pais. Sente que os seus a “prolongaram” de alguma forma? Em quê?
Costumo dizer, a brincar, que eles saem ao pai e atiram à mãe. Mas ambos têm bastante dessa mistura que lhes deu vida. Paixão pelo que fazem, amor profundo pela família, sentido do compromisso. E meu, muito meu, a alegria de viver. O Miguel que abandonou a prática religiosa, mas recebeu todos os sacramentos, nunca deixou de atuar de acordo com os princípios em que foi educado.
Geralmente, dá-se muito mais atenção ao que a vida nos tira e não fazemos o mesmo ao que nos dá. A vida deu-lhe muito?
A vida deu-me muito de alegria e de dor. Mas fazendo o cálculo do custo/ benefício o saldo é positivo. E eu sou muito grata à vida por ter esse saldo!
“Há olhares que acalmam”…e há outros que não se esquecem. Mantém vivos os olhares mais especiais?
Claro que sim. Não esqueço nenhum deles. Fazem parte do meu tesouro. E alguns encontram-se espalhados pela minha casa.!
Os japoneses acreditam que todas as pessoas nascem com uma ligação – uma espécie de “fio”- a outra pessoa. Por mais voltas que a vida dê, e se entrelaça, essa corda vai acabar por unir as duas pessoas. Acredita em almas gémeas?
Gémeas verdadeiras, não. Mas que há algures, alguém que seria o meu complemento, sim. Até porque o encontrei. Nem todos têm essa sorte!
Tem raízes alentejanas e beirãs e, apesar de sempre se ter sentido mais do sul, agora começa a revelar traços mais da Beira. Que características são essas que emergem agora?
Uma resiliência a toda a prova, um gosto de silêncio e simplicidade, um apreço pelos espaços menores e uma coragem muito beirã, que eu não supunha ter, e que vem da minha família paterna.
Escreveu cinco livros de receitas mas nenhum de culinária. Ainda assim, é uma boa cozinheira. Conquistou alguém pelo palato?
Conquistei sim. Mas não terá sido só pelo palato…
Qual é a sua especialidade?
Pezinhos de coentrada, caril e cozido à portuguesa.
É um bom garfo? A que iguaria não resiste?
Sou. A um bom Tiramisu, feito com todos os ingredientes, mas usando o nosso licor. É melhor que o italiano!
O que é incapaz de comer?
É muito difícil responder. Mas tudo o que sejam bichos pequenos que se comem na China, nunca quis experimentar.
“Muito riso, feliz juízo”. O que é que a faz dar uma boa gargalhada?
Os meus “azares”, uma piada inteligente, e uma companhia alegre e feliz.
Consegue eleger a melhor piada de sempre?
Qualquer do Herman me faz rir.
“As pessoas mudam, o amor às vezes dói, os amigos somem-se e as coisas dão errado”. Como se lida com estas deceções?
Partindo do zero, da data em que as coisas acontecem e tentando descobrir as “culpas” que poderemos ter tido nesses acontecimentos. A partir daí tentar mudar o nosso comportamento, para sermos pessoas melhores. E acreditar que nada acontece por acaso!
Criar grandes expectativas em relação às coisas pode revelar-se menos bom. Mas como se faz para não deixar que esse sentimento cresça?
Não descurando a prática de certos comportamentos, procurando exercitar o desenvolvimento pessoal e usando o mindfulness como forma de meditação.
A vida deu-lhe tudo o que esperou dela?
Não. Mas tentei adaptar-me bem ao que ela me deu.
Gosta da ironia e assume usá-la bastantes vezes. Considera-se, por tanto, uma pessoa irónica? Ou isso é diferente?
Irónica no sentido lato, sim. Mas julgo que nunca magoei ninguém. A ironia que desfaz o outro, é maldade.
A propósito da terceira idade escreveu: “Existem muitas razões para mudar de vida e tentar mais uma vez, mesmo após perdas profundas”. Na sua vida, como foi “sair do casulo”? A terceira idade trouxe-lhe “ação”?
Levei a vida inteira a vencer obstáculos e a dar graças a Deus, por isso.
Até aos 45 anos o meu objetivo maior era família e carreira. Eu, como pessoa, contava pouco. A partir daí, com os filhos crescidos e encaminhados, entendi que era chegada a vez de pensar em mim. E então, sim, comecei uma espécie de nova vida que me trouxe até aqui.
O savoir se retirer, de Aznavour, traduz-se num “sonhar sim, mas com bom senso? Ou seja, os sonhos não são todos, para todas as idades…?
Poderão ser para todas as idades, desde que sejam possíveis. Ser mãe aos 60 anos não é possível. Mas adotar um filho, é. Portanto, sonhar é para todas as idades, e é bom. Todavia, convém, como diz, saber adaptar os sonhos. É tão natural que julgo que ninguém pensa nisso.
Nos momentos de introspeção, de “conversas” com Deus ou com o Universo, o que agradece?
Tudo o que tenho e, muito especialmente, estar viva e com boa cabeça.
É mais difícil ser-se fiel ou manter a confiança?
É mais difícil manter a confiança.
É mais difícil confiar ou acreditar?
É mais difícil confiar.
A nível profissional, sentiu o apelo da vocação? Nunca teve dúvidas?
Senti que queria ter acesso a uma vida profissional. E, depois da escolha da Economia, senti que tinha feito uma boa escolha.
Conciliar a casa, os filhos e a profissão foi fácil? Em algum momento, sentiu que usava “uma capa de super-mulher” para voar de um lado para o outro e “apagar todos os fogos”?
Não conseguia ter tempo para esse tipo de pensamentos. Era a minha vida e eu devia aceitá-la e cumpri-la, sem perder tempo com comparações inúteis. As mulheres no campo fazem ainda mais do que eu fiz. Sou muito pragmática.
É fácil ser mulher em Portugal?
Se sentires orgulho e gosto em ser mulher, as dificuldades tornam-se mais suaves.
O que é que gostava que, daqui a 50 anos, se dissesse da autora de “Pensar, Olhar, Viver”?
Aqui jaz alguém que viveu de bem com a vida!
Por fim, pedia-lhe três conselhos para as mulheres de hoje (mães, filhas, profissionais, amigas, mulheres, namoradas…).
Confiança nas suas capacidades.
Aceitar a dor, mas aproveitar todas as alegrias.
Viver os sonhos que sonhou, sabendo que é preciso lutar por eles.
Helena Sacadura Cabral: “Se sentires orgulho e gosto em ser mulher, as dificuldades tornam-se mais suaves”
Helena Sacadura Cabral: “Se sentires orgulho e gosto em ser mulher, as dificuldades tornam-se mais suaves”
Helena Sacadura Cabral: “Se sentires orgulho e gosto em ser mulher, as dificuldades tornam-se mais suaves”