Sismóloga na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Susana Custódio ensina-nos o que é um sismo e como nos podemos proteger. 

Vamos começar pelo que mais nos assusta: é mesmo verdade que Lisboa está em risco de sofrer um sismo como o que aconteceu em Marrocos em pouco tempo?

Se me pergunta se Lisboa está em risco de sofrer um acidente deste estilo, sim, está. Se é em pouco tempo ou não, isso não sabemos.

Há a possibilidade de prever?

Quando normalmente se fala em previsão sísmica, as pessoas pensam logo numa coisa tipo bola de cristal: ‘vai acontecer isto no dia tal à hora tal’, ora isso é completamente impossível de prever dada a complexidade do nosso planeta, em que há muitas variáveis em jogo. As nossas previsões são apenas uma probabilidade, como uma espécie de boletim meteorológico. Só que o boletim meterológico neste momento é bastante acertado. Na maioria das vezes vai estar certo. O que se passa neste caso é que a observação por satélite ajuda imenso e conhecemos melhor tanto os processos dominantes na atmosfera como as condições atuais. Mas nós não temos este tipo de ajuda e observações diretas para o interior da Terra. Temos algum conhecimento mas é ainda rudimentar.

Então no caso dos terramotos, que tipo de previsões se pode fazer?

O tipo de previsões mais comum é aquele a que chamamos ‘time independent’, que não têm uma dimensão temporal. Por exemplo, quando observamos um sistema ao longo de muito tempo, mesmo que não se saiba o que vai acontecer no dia seguinte, temos uma visão geral do sistema. Mesmo sem satélites, sabemos que faz mais calor no equador do que nos polos. Em sismologia, sabemos como é que as falhas se comportam a longo prazo. E se conseguirmos mapear as falhas, sabemos que certas regiões são mais perigosas. Mas isto a muito longo termo.

Portanto, não nos vai dar tempo para fugir…

Provavelmente não, mas dá-nos tempos para nos preparar-nos com antecedência para algo que pode acontecer. Aquilo que dizem os meus colegas de engenharia sísmica é que em Portugal há uma boa regulamentaçao de construção anti-sísmica, mas que depois na prática isto não é fiscalizado. Portanto nós nunca sabemos muito bem como é a qualidade das construções. O que falta fazer é um mapeamento da construção, e informação para que as pessoas quando vão comprar casa saberem com o que contam. Se temos uma certificação energética, também devíamos ter uma certificação a nível da qualidade de construção da casa.

A minha casa começa a tremer, o que é que eu faço?

Eu diria que depende, lá está, do tipo de casa. No mundo desenvolvido, uma casa está desenhada para resistir aos sismos. No Japão, quando houve aquele sismo grande de Tohoku em 2011, apesar de ter sido um sismo de magnitude elevadíssima, quase não houve colapso de edifícios em Tóquio. Portanto, quando os prédios estão bem desenhados, o que temos de fazer é abrigar-nos dentro de casa, protegendo-nos de coisas que possam cair e magoar-nos. O conselho geral é proteger-nos debaixo de uma mesa robusta. A recomendação é identificarmos os sítios, em casa, no trabalho ou dentro de portas, onde nos abrigarmos. Claro que se estivermos num país do terceiro mundo ou onde a construção seja má, como foi o caso de Marrocos, onde as construções não resistem, temos de pensar de maneira diferente. Se estiver numa cidade com ruas estreitas e casas de um lado e de outro, fugir também pode não ser a melhor opção… Se estiver na rua, procure um espaço aberto, e se estiver a conduzir, páre o carro.

Tenho uma tia que tem um saquinho de terramotos debaixo da cama, onde tem um rádio a pilhas, uma garrafa de água, uma lata de comida… Isso justifica-se?

Na verdade é exatamente isso que devemos fazer. Dentro do saco deve ter água e conservas, uma manta, roupa quente, um rádio e pilhas, um canivete e uma lanterna, um kit de higiene, e um kit de primeiros socorros. E debaixo da cama até é um bom sítio para guardar o saco (risos) no caso de se ser apanhado durante a noite e até há quem tenha um par de sapatos fácil de calçar. Além deste kit, é importante ter um plano de emergência, traçado com a ajuda dos nossos familiares e amigos, com um ponto de contacto alternativo, por exemplo. Toda a gente deve ainda saber como desligar a água, a luz e o gás.

Já foi apanhada por um sismo?

Já. No primeiro que senti, demorei até perceber o que estava a acontecer. E isso acontece com a maioria das pessoas. Quando nunca passámos por isso, ao princípio não identificamos os sinais. Parece o som do metro, ou de um solavanco, uma espécie de travagem de um elevador, ou o som de um camião na estrada. Mas os sismos que já vivi eram pequenos, e quando nos apercebemos, já passaram. Portanto, é importante fazer simulacros para nos treinarmos a ter uma reação correta rapidamente.

Como é que se interessou pela sismologia?

Sou licenciada em engenharia física tecnológica. No final da licenciatura fiz Erasmus na Dinamarca, onde havia várias cadeiras em física da Terra. Sempre me interessei pelo nosso planeta, gosto muito de trabalho de campo, e no quinto ano acabei por fazer a tese sobre o vulcão do Fogo. Depois doutorei-me em sismologia na Califórnia, e embora eu goste muito de geologia, a minha área é a física da Terra, que acabou por ser um cruzamento dos temas que me interessam.

Qual foi o maior sismo registado?

Foi um sismo no Chile, em 1960, com uma magnitude de 9,5, que se calcula que até tenha sido calculada por baixo, porque não havia nessa altura os instrumentos que temos hoje. Mas também não pode ter sido muito mais, porque a dimensão do nosos planeta põe um limite à dimensão que os sismos podem atingir.

No nosso país foi o de 1755?

Acredita-se que sim, embora não saibamos ainda hoje qual foi a falha que o gerou, porque temos informação limitada. Aliás, o nosso terramoto de 1755 é o sismo de maior magnitude no registo sísmico histórico da Europa. Foi um sismo que deixou marcas muito grandes a todos os níveis, mas temos de pensar para além dele, até porque existem várias perguntas em aberto sobre o nosso território. Há muito ainda por compreender.

Que questões ainda temos em aberto?

Em sismologia há muito ainda por compreender. Temos 3 tipos de registos sísmicos: o instrumental, mais recente, com registos mais confiáveis mas muito limitado no tempo – cobre os últimos cem anos. Depois temos o registo histórico: sabemos onde aconteceram os sismos maiores e que estragos causaram. Mas se foram no mar, não sabemos exatamente onde aconteceram e como foram. Para trás disto, temos o registo geológico, em que fazemos o mapeamento das falhas em terra e no mar, que recua milhares de anos. O registo instrumental em Portugal diz-nos onde é que estão a acontecer os sismos mais pequenos, mas isto em geral não coincide com a sismicidade histórica nem com as falhas mapeadas, por isso ainda não conseguimos ter uma imagem integrada da forma como interagem as informações dadas por estes três registos. E ainda há falhas por mapear e sismos históricos por estudar melhor. 

O que está a acontecer em Portugal?

Temos duas placas a colidirem a sul do Algarve mas é uma aproximação muito lenta. Os sismos grandes acontecem espaçados no tempo. Estes processos de acumulação de tensão são cíclicos mas não são periódicos. Temos intervalos de tempo em que o planeta tem menos atividade sísmica e depois um período com sismos de maior magnitude. Infelizmente ainda não temos uma forma de prever quando é que podemos esperar um sismo de maior magnitude a curto prazo.

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