Foto: João Lima

Bem no meio do bulício da Baixa, na Rua da Prata, está uma das quatro lojas das malhas Achega, uma marca portuguesa que existe há mais de 60 anos, e que tem em Antonieta como diretora criativa e designer de moda. Toda a sua família está ligada aos têxteis. Do lado materno, às mantas de Minde, do lado paterno, foi o seu avô José Coelho Achega o fundador da marca de malhas cuja fábrica se localiza naquela freguesia de Alcanena. Contam a Antonieta que foi na fábrica de malhas que aprendeu a andar, entre duas fileiras de caixas que dispunham no chão para amparar os seus primeiros passos, mas as suas memórias mais vividas são ao lado do avô materno, que a levava à zona da Covilhã comprar lã, entregar fio e recolher mantas que as pessoas das aldeias teciam em teares manuais. “Se há coisa que me ficou na memória é o cheiro a lã e as longas horas que passava com o meu avô no carro, com ele a assobiar sempre que fazia um bom negócio. Tínhamos uma relação próxima e eu aprendi muito com ele, desde negociar, à importância das cores e da sua conjugação.” E, no entanto, Antonieta nunca pensou em seguir moda ou uma profissão ligada ao mundo das malhas ou mantas, pelo menos até frequentar o curso de Línguas e Literaturas Modernas. “Eu gostava muito de ler e pareceu-me natural seguir um curso de Letras, mas ainda nem o primeiro ano ia a meio e já sentia que qualquer coisa não estava bem. Um dia cheguei a casa e disse ‘eu não vou seguir este curso’. Foi uma confusão, a minha mãe ficou chocadíssima, o meu pai, calado a princípio, perguntou-me porquê. Quando lhe respondi que queria estudar Moda ficou feliz, mas não o demonstrou, foi perguntar qual era o melhor curso em Lisboa a uma estilista francesa que trabalhava com as malhas Achega na altura e ela recomendou o IADE. A minha mãe barafustou, mas quando lhe disse que ia fazer os dois cursos ao mesmo tempo ficou mais calma. Foram anos loucos que se seguiram, muito trabalho nos dois cursos, mas tenho de agradecer aos meus colegas na faculdade porque me ajudaram muitíssimo ao longo dos anos. Muito estudo e pouco sono, foi assim que consegui concluir os dois cursos. Depois disso fui fazer um estágio em Itália, e consegui-o porque o nosso fornecedor de fio da fábrica era italiano e telefonou para o atelier de moda deles em Milão. Fui para lá durante 3 meses e aprendi tudo o que há para saber do mundo das malhas. Fazíamos os cadernos das tendências das coleções de todo o mundo, dos EUA ao Japão, fui a feiras de moda, fiz os stands, as apresentações para clientes… Gostaram tanto de mim que me convidaram para lá ficar mas o meu pai não achou piada eu ir trabalhar para os outros.” Assim, em 1993, aos 23 anos, Antonieta começa a trabalhar na fábrica das malhas Achega, como designer, e logo no primeiro ano fez valer a sua criatividade. Numa incursão ao sótão, agarrou em restos de fios abandonados e fez jacquards com uma conjugação de cores que vieram para as lojas em saldo. “Venderam-se muito bem, fiquei supercontente”, recorda.

Foto: João Lima

Negócio de família
As malhas Achega começaram pela mão do avô paterno de Antonieta, no final dos anos 50, um homem empreendedor e com olho para o negócio. Ao investir em teares mecânicos, a produção de malhas aumentou exponencialmente e as vendas para as lojas também, mas José e os filhos perceberam que lucrariam mais se tivessem loja própria. Compraram a primeira na Rua dos Fanqueiros, em Lisboa e, aos poucos, toda a produção foi canalizada para ali. “A nossa primeira loja abriu em 1978, tinha eu 8 anos e lembro-me bem da agitação. Ficava sentada num banquinho a ver o entra e sai das pessoas, as conversas, toda aquela alegria… Sentia-me como se estivesse a ver cenas de um filme com o Vasco Santana. Não vendíamos só as malhas, era também as mantas de Minde, roupa interior e pijamas, e até arroz e tomate porque tinha um tio ligado à agricultura. A loja estava sempre cheia, chegámos a ter 10 empregados. No Natal era a loucura, ficávamos a fazer laços para embrulhos até de madrugada. A loja foi um sucesso tal que o meu pai e o meu tio decidiram comprar mais, na Avenida da Igreja, na Rua Augusta, e esta na Rua da Prata. No início dos anos 2000 tínhamos 13, em Lisboa, Coimbra e Leiria, mas depois a indústria têxtil ressentiu-se com a entrada dos produtos chineses no mercado. Eram muito mais baratos, de qualidade muito inferior mas era o que as pessoas queriam, nem têm noção dos produtos químicos nocivos que aquelas peças levam. Muitas pensam que são alérgicas à lã, ficam com borbulhinhas, dores de cabeça, dores de ouvidos, aftas… mas isso deve-se aos químicos que são usados e que não são controlados. Eu sei que vivemos num mundo global e todos temos o direito de lutar pelos nossos produtos, mas devíamos ser mais rigorosos com as escolhas que fazemos.” Antonieta, a irmã e o primo estão hoje à frente do negócio de família, e tal como as gerações anteriores, tiveram de lidar com grandes dificuldades, “somos resilientes, já passámos por várias crises e todas são diferentes. Antes da pandemia, passámos pela crise provocada pelos produtos chineses, depois a de 2008… Mesmo o meu avô passou por muito. Ele tinha uma fábrica no Huambo, Angola, e teve de lá deixar tudo, quando foi a independência. Mas o bom de trabalhar em família é que quando um está em baixo, há sempre alguém que nos anima. Somos muito unidos, gostamos muito do que fazemos, temos um grande amor e dedicação a isto, sabe? Não estou a dizer que estamos sempre de acordo, às vezes há atritos e ficamos zangados, mas não dura muito. Respeitamo-nos muito, o know-how de cada um, por isso sabemos que podemos não estar de acordo mas a vida continua, e vemos as coisas pelo lado positivo.”

Foto: João Lima

Contato direto
Quando lhe pergunto o que as malhas Achega têm de seu, Antonieta nem hesita, “os padrões, a forma como as cores são misturadas, os botões, as fivelas, as montras, as histórias que as coleções nos mostram e os desfiles contam. Vendemos sobretudo cá em Portugal, nas nossas lojas, embora recentemente tenhamos iniciado uma parceria com uma cliente em França, mas temos clientes dos 4 cantos do mundo, dos EUA ao Japão, entram na loja e compram bastante. E são fiéis. Há uma senhora brasileira que me telefona todos os anos a avisar que está a chegar, e uma francesa que viaja muito e sempre que troca de aviões aqui em Lisboa vem de táxi do aeroporto até à loja, faz as compras e volta”, ri-se. “Se calhar, se tivesse aqui peças menos clássicas, criadas por mim, não vendíamos tão bem, não sei, não é algo que eu pense muito. Temos uma ótima relação com os clientes e gosto de estar nas lojas a atender. Faço assim uma pequena prospeção de mercado, se vejo que as pessoas pedem mais de uma cor que de outra, ligo para a fábrica a pedir para produzirem nesta ou naquela cor.” Para se manter a par das tendências, Antonieta compra revistas, vai a feiras, consulta a internet que é um mundo de informação. Lá em casa também as duas filhas adolescentes vão seguindo o que a moda dita mas sem pressão para continuarem com o negócio familiar, “não quero impor nada, elas escolherão para o seu futuro o que quiserem, mas sei que gostam muito mais de moda do que eu gostava na idade delas. Vamos pensando no futuro com cautela, esperança e muito amor pelo nosso produto, porque temos muito orgulho nele. Antes da pandemia lançámos uma linha em caxemira que voou das prateleiras. As nossas peças são tão boas como as de uma conhecida marca de luxo italiana, só que as deles têm mais uns zeros, as nossas são acessíveis. Tenho pena que os produtos portugueses não sejam mais conhecidos lá fora, como os espanhóis ou italianos. Em termos de qualidade não ficamos atrás, pelo contrário, o que é nacional é mesmo bom, tem é de ser mais divulgado”.

Palavras-chave

Relacionados

Mais no portal

Mais Notícias

Os benefícios para a saúde do dióspiro

Os benefícios para a saúde do dióspiro

Celebrar o Natal com magia e elegância

Celebrar o Natal com magia e elegância

Maria Dominguez e Ângelo Rodrigues brilham num desfile de noivos em Braga

Maria Dominguez e Ângelo Rodrigues brilham num desfile de noivos em Braga

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

San Ginés: O que é que estes churros têm?

San Ginés: O que é que estes churros têm?

Em

Em "Senhora do Mar" Alex agride Joana em tribunal

Realizado o primeiro voo supersónico civil desde o fim do Concorde

Realizado o primeiro voo supersónico civil desde o fim do Concorde

Fashion Clinic Home: novo espaço em Lisboa

Fashion Clinic Home: novo espaço em Lisboa

Kate resgata joias da princesa Diana e de Isabel II para o Dia do Armistício

Kate resgata joias da princesa Diana e de Isabel II para o Dia do Armistício

Quem tinha mais poderes antes do 25 de Abril: o Presidente da República ou o Presidente do Conselho?

Quem tinha mais poderes antes do 25 de Abril: o Presidente da República ou o Presidente do Conselho?

Salgueiro Maia, o herói a contragosto

Salgueiro Maia, o herói a contragosto

Como proteger as praias? Com ciência e natureza

Como proteger as praias? Com ciência e natureza

Fosso salarial continua a agravar-se: a partir de hoje, as mulheres em Portugal estão a trabalhar de graça

Fosso salarial continua a agravar-se: a partir de hoje, as mulheres em Portugal estão a trabalhar de graça

25 peças para receber a primavera em casa

25 peças para receber a primavera em casa

É outono e as trufas brancas já estão na mesa

É outono e as trufas brancas já estão na mesa

Carlos Silva e Sancho Ramalho vencem Campeonato de Portugal de Novas Energias – PRIO

Carlos Silva e Sancho Ramalho vencem Campeonato de Portugal de Novas Energias – PRIO

Sofia Ribeiro responde Ljubomir Stanisic:

Sofia Ribeiro responde Ljubomir Stanisic: "Não lhe admito que fale assim comigo"

Os livros da VISÃO Júnior: Ideias para ler nas tarde de outono

Os livros da VISÃO Júnior: Ideias para ler nas tarde de outono

Quer dinamizar a comunicação da sua empresa em 2025? Use este Calendário de Marketing e Redes Sociais

Quer dinamizar a comunicação da sua empresa em 2025? Use este Calendário de Marketing e Redes Sociais

Donald Trump é o novo presidente dos Estados Unidos da América

Donald Trump é o novo presidente dos Estados Unidos da América

E-Rally Alentejo Central: as melhores imagens da equipa PRIO - Exame Informática - Peugeot

E-Rally Alentejo Central: as melhores imagens da equipa PRIO - Exame Informática - Peugeot

Pigmentarium: perfumaria de nicho inspirada na herança cultural da República Checa

Pigmentarium: perfumaria de nicho inspirada na herança cultural da República Checa

Palacete Severo: O novo boutique hotel do Porto junta arte e gastronomia

Palacete Severo: O novo boutique hotel do Porto junta arte e gastronomia

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Uma looonga soneca

Uma looonga soneca

Decifrado o mecanismo responsável pelo efeito ioiô que atormenta quem faz dieta

Decifrado o mecanismo responsável pelo efeito ioiô que atormenta quem faz dieta

Multimilionários produzem mais carbono em 1h30 do que pessoa

Multimilionários produzem mais carbono em 1h30 do que pessoa "comum" numa vida

Na CARAS desta semana, Cláudia Vieira: “O João é o pilar necessário na minha vida”

Na CARAS desta semana, Cláudia Vieira: “O João é o pilar necessário na minha vida”

O Pêra-Manca ainda é especial?

O Pêra-Manca ainda é especial?

Mario Brunello:

Mario Brunello: "Uma montanha não se conquista, não é nossa quando subimos ao cume. Na música acontece o mesmo"

15 candeeiros de teto que são verdadeiras esculturas de luz

15 candeeiros de teto que são verdadeiras esculturas de luz

Ele criou o Google Earth, liderou o Google Maps e explica-nos como está a construir os mapas do futuro

Ele criou o Google Earth, liderou o Google Maps e explica-nos como está a construir os mapas do futuro

Sapatos coloridos com franjas e botas vintage. A Maray leva a sua irreverência ao bairro de Alvalade

Sapatos coloridos com franjas e botas vintage. A Maray leva a sua irreverência ao bairro de Alvalade

Os cobertores pesados têm mesmo impacto na qualidade do sono e na saúde mental? Nova investigação diz que sim

Os cobertores pesados têm mesmo impacto na qualidade do sono e na saúde mental? Nova investigação diz que sim

Xiaomi, Sony, Bose e Nothing à prova: Os melhores auriculares sem fios dos €60 aos €250

Xiaomi, Sony, Bose e Nothing à prova: Os melhores auriculares sem fios dos €60 aos €250

Halle Berry desfila para Elie Saab com o vestido que usou nos Óscares de 2002

Halle Berry desfila para Elie Saab com o vestido que usou nos Óscares de 2002

Arnaldo Antunes:

Arnaldo Antunes: "Na poesia parece que a palavra cria uma opacidade, coisifica o que está apontando"

Individuais de Suter e McCall no MAAT

Individuais de Suter e McCall no MAAT

"Daqui a uns anos, vamos olhar para trás e rir da ideia dos miúdos todos terem telemóveis na escola"

Aí estão as COP. E não podiam vir em pior altura

Aí estão as COP. E não podiam vir em pior altura

Em “A Promessa”: o regresso triunfal de Miguel sem cadeira de rodas

Em “A Promessa”: o regresso triunfal de Miguel sem cadeira de rodas

Interiores: é uma casa portuguesa

Interiores: é uma casa portuguesa

Ford Mustang Mach-E com BlueCruise: Conduzir (em Portugal) sem tocar no volante

Ford Mustang Mach-E com BlueCruise: Conduzir (em Portugal) sem tocar no volante

Baile da Bolsa

Baile da Bolsa

INESC TEC anuncia primeiro centro de excelência para investigação e engenharia no mar

INESC TEC anuncia primeiro centro de excelência para investigação e engenharia no mar

Parceria TIN/Público

A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites