Capítulo Perfeito. Este é o nome de uma competição de surf que desperta empolgação muito antes de começar. Isto porque ninguém sabe bem quando isso irá acontecer.
Confusos? Ora, passo a explicar: esta prova tem a particularidade de realizar-se no melhor dia de ondas do inverno português. Ou seja, com o mar e o vento a conspirar a favor das ondas tubulares perfeitas. Quer isto dizer que os mais consagrados tuberiders nacionais e internacionais aguardam pela luz verde desde janeiro, sendo que o período de espera estende-se até 9 de março. O alerta é dado com apenas 72 horas de antecedência.
Entre os atletas ansiosos por competir está Francisca “Kika” Veselko, cuja participação marca a estreia do surf feminino no Capítulo Perfeito. Aos 20 anos, a bicampeã nacional (Liga MEO) e ex-campeã mundial júnior (World Surf League) foi um dos três nomes mais votados na categoria Open, entre sete nomeados, para entrar no mar.
Além da questão da representatividade e de reunir a preferência do público, para Kika, o momento também é especial porque estará a jogar em casa. A 10.ª edição do evento decorrerá na Praia de Carcavelos, em Cascais, onde a jovem cresceu.
Enquanto aguarda pela chamada, a surfista falou com a ACTIVA sobre o seu percurso, as expectativas para a prestação histórica e os sonhos que tem por realizar.
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Origens
Nasceste numa família ligada ao surf. Podes falar-nos um pouco sobre o teu background?
Sim, nasci. Tanto a minha mãe como o meu pai são surfistas desde a adolescência e competiram. Eles nunca deixaram de surfar, mesmo depois de terem filhos. Aliás, levavam-nos sempre para a praia e o bichinho começou a surgir naturalmente.
Com que idade e como aprendeste a surfar?
Comecei a surfar por volta dos 6 anos e meio, sete anos. Lembro-me de que foi depois de o meu irmão mais novo nascer e de eu entrar para o primeiro ano. Pedi aos meus pais e eles começaram a levar uma prancha para mim, a empurrar-me nas ondas e a ensinar-me.
Existem diferenças notáveis no estilo de surf entre Portugal e os Estados Unidos?
Acho que existiam, mas estão a dissipar-se, porque o surf e a técnica estão a evoluir muito em Portugal.
Como descreverias a tua evolução como surfista ao longo dos anos?
Fui evoluindo de forma orgânica, porque quando comecei não era nada como sou agora. Tinha treinos duas vezes por semana e surfava com os meus pais aos fins de semana. Depois passei para três treinos; dei por mim a surfar todos os dias e, hoje em dia, tenho rotinas sérias. Aliei o surf ao treino físico e mental, e há um foco sério.
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Ser mulher surfista
Enfrentaste desafios específicos no teu percurso por seres mulher?
Sei que a minha mãe enfrentou, porque foi das primeiras surfistas e teve de lutar para ter lugar no lineup [alinhamento]. Quanto a mim, posso dizer que enfrentei nestes últimos anos outro tipo de desafio, que é conseguir a igualdade nos prize moneys [prémios em dinheiro], patrocínios, etc.
Acreditas que o teu sucesso pode inspirar outras jovens?
Sem dúvida! Acredito que mostro que Portugal já está ao nível mundial, é só acreditar em nós e continuar a trabalhar e a evoluir.
Qual é o teu spot favorito para surfar e porquê?
Adorei surfar em J-Bay, na África do Sul. Apesar do frio e dos tubarões, tem direitas perfeitas compridíssimas.
Qual foi o momento mais memorável que tiveste enquanto surfavas?
Foi, sem dúvida, a onda que fiz depois do toque da buzina, na final da World Surf League, após sagrar-me campeã mundial júnior 2022. Foi uma onda surfada com uma emoção indescritível.
Sentes medo ou stress quando encontras condições adversas? Como lidas com isso?
Às vezes fico com medo de ficar demasiado tempo debaixo de água. Há sempre aquele bichinho, mas vou fazendo ondas e ganhando confiança.
Como equilibras o surf com outros aspetos da tua vida diária?
Organizo-me, apesar de ter uma vida bastante preenchida entre treinos e tudo o que é exigido a um atleta de alto rendimento.
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Capítulo Perfeito
As competições são um aspeto importante da modalidade. Qual foi a sensação de seres escolhida pelo público para participares no Capítulo Perfeito?
Foi excelente! Fiquei bastante contente por ser escolhida e ter esta oportunidade de competir num evento que era apenas masculino e que acompanho há muito anos. Estou cheia de vontade de participar, na praia onde cresci e aprendi a surfar.
O que pensas de iniciativas como esta?
Na minha opinião deveria ser cada vez mais normalizado, porque incentiva as raparigas a treinar. Tubos e ondas tubulares é o que não falta no circuito mundial, como Pipeline, Tehaupoo, etc.
Como te sentes por esta ser a primeira edição com representação feminina?
Sinto-me bastante contente por estar a fazer história, numa praia tão especial para mim, e fazer parte de mais um passo em frente na evolução do surf feminino.
Que expectativas tens para a tua participação no campeonato?
Sair da minha zona de conforto, arriscar, levar como uma oportunidade para treinar a minha técnica em tubos, com um lineup praticamente vazio e competir com os homens.
O facto de não se saber quando decorrerá a prova causa ansiedade ou é uma motivação extra?
É quando for…
Em que medida o apoio ao desporto e, especificamente, à igualdade entre homens e mulheres é importante?
É super importante, porque as exigências estão praticamente iguais e dá mais motivação.
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Futuro
O que te inspira a surfar?
Tenho um bichinho cá dentro… não sei bem explicar, mas inspiram-me as sensações que tenho a surfar; o poder de ser criativa; o estar dentro de água em conexão com o mar; o desafio de querer ser melhor surfista todos os dias; quebrar barreiras na minha evolução; sentir-me livre e por aí fora.
Para ti, o surf é mais do que um desporto?
Sim, é um modo de vida.
Que metas tens para o teu percurso no futuro?
Medalha Olímpica, qualificação para o World Tour e Campeã do Mundo no CT.