A fundadora do Dark Sky olhou para as estrelas e viu nelas uma via para unir os concelhos do Alqueva em torno de um objetivo sustentável comum. Licenciada em Gestão e Planeamento em Turismo pelo Universidade de Aveiro, Apolónia Rodrigues fundou a marca Dark Sky, “uma marca registada com proteção para o território da União Europeia e um conceito que promove o desenvolvimento de destinos com base no recurso céu noturno protegido e no nosso conceito de astroturismo definido como ATT-Astrotourism”. Já o Dark Sky Alqueva é o primeiro destino desenvolvido sob esse conceito: “É um trabalho que nasceu em 2007 em seis municípios em torno do Lago Alqueva e que hoje integra onze municípios e território espanhol, abrangendo uma área superior a 10 mil km2.”
Como surgiu a ideia?
Da conjugação da experiência na criação da Genuineland – Turismo de Aldeia, do interesse em conseguir colocar em prática o modelo integrado de desenvolvimento sustentável de destinos que fui desenvolvendo na sequência da minha participação no Tourism Sustainability Group da DG GROW, e das tendências futuras da procura turística, elemento de especialização.
O Alqueva enfrentava um potencial de crescimento muito para além da sua capacidade de carga despoletado pela criação do Grande Lago de Alqueva. Esta novidade acentuou o desejo de contrapor, em ritmo acelerado, a perda de população e de atividade económica. Assim, a par da agricultura intensiva, o Alqueva passou a ser sinónimo de projetos de grande dimensão, maioritariamente em estilo resort, e que na verdade poderiam ter alterado a identidade da região.
Foi neste cenário que o Dark Sky Alqueva surgiu como alternativa à massificação e com o objetivo de juntar os concelhos de Alqueva em torno de um desenvolvimento sustentável, compatível com a sensibilidade do sistema lacustre que se estava a criar e capaz de assimilar as mudanças de uma forma coerente e temporalmente aceite. O recurso comum e diferenciador, capaz de levar este destino aos quatro cantos do mundo, era o seu céu noturno escuro.
Mas a preservação da qualidade do céu noturno até 2007 não resultou de uma preocupação com este recurso mas sim da perda de população e dispersão dos povoados, que levaram a uma menor proliferação da iluminação pública. Ou seja, a existência de um céu noturno de qualidade está associado na região a algo negativo, neste caso à perda de população. Mas também resulta da dispersão de povoados, comum nesta região e que no litoral não acontece. No litoral é fácil vermos que o crescimento urbano foi realizado em linha e isso resulta em grandes manchas urbanas e centenas de quilómetros quase sem interrupção de iluminação pública.
Assim, o conceito nasceu e foi criado para responder à necessidade de implementar uma estratégia integrada e com foco no desenvolvimento sustentável, com um elemento diferenciador que a distinguisse de outros destinos, sendo que esse elemento diferenciador, neste caso a proteção do céu noturno, seria o ‘trigger’ da estratégia de sustentabilidade de longo prazo.
O que caracteriza o turismo sustentável?
De uma forma simples, o turismo sustentável é aquele que permite introduzir e desenvolver a atividade turística num determinado território preservando o ambiente, respeitando e valorizando a componente social e garantindo o máximo de mais-valias económicas. Esta é a forma simples de transmitir porque implementar turismo sustentável num destino é algo muito complexo por muitos motivos, desde a dispersão de competências, existência de ciclos políticos de quatro anos que podem levar a mudança de orientações de médio e longo prazo e preferência por projetos de curto prazo, a interesses contrários, por exemplo entre os lobbies da construção, da exploração de recursos naturais, da energia, do turismo, entre outros. Encontrar um equilíbrio entre todos este interesses sempre com o foco na preservação do território a médio e longo prazo é um dos maiores desafios.
Os feitos de que mais se orgulha?
Sem dúvida a maior conquista foi ter conseguido implementar o Dark Sky Alqueva. Quem me acompanhou desde o início conhece os obstáculos que surgiram mês após mês, ano após ano, e que limitaram sempre os resultados e atrasaram em muito a sua implementação. Tive de recorrer a todos os voluntários disponíveis, entre amigos, família, colegas, que dentro das suas áreas poderiam contribuir com conhecimento, seja na área de Astronomia, seja na investigação em Turismo, seja na logística, aos quais se foram juntando alguns peritos, e lá foi possível vencer os primeiros anos e chegar à certificação Starlight Tourism Destination, em abril de 2011. Como conseguimos ser os primeiros a obter esta certificação, atribuída pela Fundação Starlight, a visibilidade obtida ajudou mas o caminho desde essa altura não foi, definitivamente, fácil.
Os maiores desafios de ser mulher empreendedora em Portugal?
Os desafios que sinto devem ser transversais a todas as mulheres, mas hoje sinto que o facto de ser mulher foi mais um obstáculo. Cheguei a ouvir que poderia chegar até determinado patamar mas que a partir daí teria de “abdicar” do projeto, e aqui, além de mulher, coloca-se também o facto de ser apartidária, dado que a partir de determinado nível existe uma percepção que tudo gira em torno da política.
O maior reconhecimento que já recebeu?
Chegar a 2019 e ver o nosso projeto ganhar o Europe’s Responsible Tourism Award dos World Travel Awards e continuar a receber os votos do público para manter este prémio, incluindo o alcance do World’s Responsible Tourism Award. Dos mais de 50 prémios, 99% foram internacionais. O reconhecimento internacional ajuda a consolidar a nossa reputação.
Além do Observatório, são várias as atividades turísticas certificadas pela Reserva Dark Sky Alqueva, enquadradas numa rota que inclui restaurantes e alojamento.