
Natural de Lisboa, onde nasceu a 27 de fevereiro de 1987, Inês Fonseca foi distinguida em 2024 com o prémio de Melhor Diretora de Markteing de Espanha, atribuído pelo Grupo Contral de Publicidad, do país vizinho, onde vive e trabalha há 13 anos.
Filha da maestrina, violinista e política Idália Serrão e do guitarrista clássico Silvestre Fonseca, aos 14 anos começou a compor, sendo autora de mais de 40 canções em diferentes idiomas (Português, Inglês e Castelhano). A sua relação com a música reforçou-se ainda mais por influência do padrasto, Carlos Alberto Moniz.
Na edição da ACTIVA de abril, Inês Fonseca falou-nos da sua lista de preferências. Na ocasião, aproveitamos para conversar um pouco com esta jovem mulher que nos inspira e que é um verdadeiro talento nas áreas a que se dedica. Além de ser, literalmente, um doce de pessoa.
Marketing e música: qual a sua maior paixão?
Difícil escolha, ao menos no plano prático! No entanto, e embora me fosse difícil afastar-me do marketing totalmente, penso que a música é algo muito mais intrínseco em mim. Não é só ofício e paixão, é também identidade. Um bom indicador nesta comparação entre as duas disciplinas, é o tipo de cansaço com que fico depois de um dia duro de trabalho em marketing e em música. No primeiro caso, fico derrotada. No segundo, fico cansada mas capaz de fazer tudo. Acho que isto diz muito do efeito vital que a música tem em mim!
Tal como em todas as artes, estudar o clássico dá melhor bases a qualquer artista. Concorda?
Na verdade, não muito. Quer dizer, fazer formação clássica é uma opção e um caminho que requer rigor, trabalho, disciplina, talento, e muito mais. Isto dá efectivamente uma base muito sólida. No entanto, penso que às vezes o mundo clássico peca por ter um certo hermetismo e algum classismo intelectual.
Sinto que é, de certo modo, um atrevimento pensarmos que qualquer caminho (em qualquer faceta da vida) é o único caminho válido.
É uma formação clássica mais digna artisticamente que a do jazz ou a do flamenco? Podemos reduzir a música e as suas bases a uma exploração e génese puramente académicas?
A formação clássica é uma escola excelente e que nos coloca num nível de conhecimento e preparação contundente. Eu pessoalmente devo muito ao estudo clássico, que desenvolvi durante mais de vinte anos. Existem autênticas genialidades no mundo clássico e tenho a grande sorte de ter um grande exemplo em casa, com o meu pai, Silvestre Fonseca.
No entanto, não creio que possamos ancorar-nos nas virtudes do clássico para diminuir as demais abordagens artísticas da formação musical. Conheço e admiro muitos músicos brilhantes, em talento e técnica, que não vieram do mundo clássico.

Como se sentiu ao ser considerada a melhor diretora de marketing de Espanha?
Primeiro, surpreendida. Não estava à espera, e foi muito emocionante. Desde que trabalho em marketing em Espanha, sempre li a CTRL Publicidad, uma publicação de referência, e nunca imaginei que algum dia iam sequer saber quem sou. Muito menos imaginei que um dia seria capa dessa revista (há um ano e meio) e mais tarde ia receber este prémio através dela.
Estes prémios da CTRL Publicidad têm também outra particularidade, além de serem os mais antigos do sector em Espanha, os vencedores são fruto das votações de toda a indústria. Nesse sentido, fiquei duplamente feliz, porque considero que receber um prémio outorgado pelos nossos próprios colegas de profissão, é um grande elogio.
Fiquei também muito orgulhosa de poder receber este prémio como uma espécie de homenagem a toda a gente à minha volta que me ajudou a chegar até aqui, nesta carreira que é fruto de muito mais que o mérito pessoal. Há uma cadência de oportunidades, tempos certos, apostas de alguém por nós, apoio de família, de amigos, de colegas. No meu discurso de agradecimento fiz questão de enfatizar o quão colectivos são os nossos caminhos e agradecer, coisa que acho importante salientar, em tempos tão individualistas.
Por último, e embora tenha celebrado e ficado verdadeiramente feliz, recebi este prémio também com a noção de que nem somos assim tão bons quando temos um prémio, nem tão maus quando não o temos.
Lembro-me sempre do poema “if” do Rudyard Kipling, em que ele fala do triunfo e do fracasso como dois impostores que devemos tratar da mesma maneira.
Acho que é saudável permitirmo-nos lamber as feridas e também celebrar os sucessos – como este prémio.
Mas sempre com essa noção de relatividade.
Lisboa ou Madrid, qual a cidade onde se sente melhor?
Depois de 13 anos em Madrid e (por agora) sem data de regresso, posso dizer que o meu amor por esta cidade foi crescendo. Já é a minha casa também. Aprendi e evolui muito como pessoa e como cidadã em Madrid.
No entanto, Lisboa é Lisboa. Pisar o nosso chão, ouvir a nossa língua, chegar à Margem Sul do Tejo (onde tenho o meu apartamento), ver e sentir o mar, e poder viver uma certa quotidianidade com a minha família… não tem preço.
Depois de mais de uma década de diáspora, já aceitei que estou destinada a sentir sempre a falta de alguma cidade. Estando em Madrid, falta-me sempre Lisboa. E um dia, se voltar para Lisboa, faltar-me-á Madrid.
Cantar ao vivo – ainda recentemente deu um espetáculo – dá outra adrenalina?
Depois de mais de 30 anos a cantar e de quase 18 a trabalhar em empresas, onde tenho que fazer muitas apresentações de responsabilidade, posso afirmar que nenhuma adrenalina se compara a cantar ou tocar ao vivo.
Nunca fiquei nervosa por falar numa conferência (coisa que faço muito e adoro) nem por cantar. Mas durante muitos anos, sempre que tocava piano ou guitarra quando cantava, ficava muito nervosa e não desfrutava. Sentia-me vulnerável e quase envergonhada, por ninguém falar muito disto. Sentia que era menos artista. Há dois anos decidi trabalhar ativamente nisto, com a ajuda da minha psicóloga, de colegas músicos e de um coach. Depois de muito trabalho interior perdi os nervos. Ficou só a adrenalina boa: esse sinal de respeito pelo público que nos vem ver, essa deferência pela arte e o querer fazê-la com excelência. E acho que isso é o mais importante: sentirmos adrenalina, e não nervos incapacitantes. Quando somos capazes de os controlar (coisa que já consigo fazer naturalmente há uns anos), realmente o prazer de estar num palco e sentir essa comunhão entre a nossa música e as pessoas é brutal. Não existem paredes, nem mundo à nossa volta; só existe emoção, vôo conjunto e magia. É muito difícil explicar exactamente o que se sente, a quem nunca o sentiu.
A politica ativa nunca a interessou isto é, nunca foi tentada a seguir os passos da sua mãe?
Curiosamente, não é a primeira vez que me perguntam isto. Já tive amigos e colegas de trabalho aqui em Espanha a perguntar-me porque não me dedico à política. Nunca foi uma opção que tenha considerado, confesso.
No entanto, penso que muitas vezes achamos que para sermos cidadãos activos e termos acção política temos que ser políticos, e acho que essa é uma visão reducionista sobre o nosso papel como membros da sociedade.
O mesmo se aplica à crença de que para ajudar os outros temos que trabalhar numa ONG.
Não preciso de ser política para ir com o meu cartaz para a manifestação do Orgulho em Madrid, ou para ir falar a uma escola para incentivar crianças da comunidade cigana a estudar. Não tenho que ser política para lutar pela minha equipa e pelas pessoas em que acredito, e alçar a minha voz com coragem, às vezes com custo pessoal, no trabalho e na vida quando vejo injustiças. Não tenho que trabalhar para uma ONG para pensar sobre como as minhas estratégias nas marcas podem empurrar a sociedade para a frente. Ou para liderar projectos empresariais que procuram uma maior equidade no acesso das mulheres a posições de direcção na indústria criativa.
Podia dar infinitos exemplos, mas o resumo é que acredito que há muito a fazer neste sentido: abraçar este papel activo que podemos e devemos ter todos, em vez de “sacudir a água do capote”. Vejo a política como uma parte fundamental da nossa cidadania, e não tanto como uma disciplina exclusiva da profissão de político. Talvez por isso, não tenha sentido esse chamamento profissional. Mas quem sabe o que o futuro me reserva.

Qual o seu lema preferido de vida?
“Toda a gente está a travar uma batalha sobre a qual nada sabes. Sê amável, sempre.” Li esta frase há mais de 20 anos e senti, no segundo em que a li, que me identificava muito. Sempre me foi natural sorrir, tratar as pessoas com gentileza, mas sempre achei importante ser mais intencional ainda com essa amabilidade. Fazer o esforço de conseguir oferecer essa luz e essa generosidade, mesmo nos dias em que eu própria não esteja bem.
Li num relatório da Comissão Europeia que 21,9% dos portugueses se sentem sós, e esse número não pára de aumentar. Além disso, quantos de nós não vivemos momentos de provação e tivemos dias realmente difíceis, em que tivemos que ir trabalhar e fazer a nossa vida normal, sem ninguém imaginar o que estávamos a viver por dentro.
Quão melhor seria tudo se todos tivéssemos esta frase que citei ao início, em mente. Se realmente estivéssemos disponíveis e atentos. Se nos lembrássemos que todos somos instrumentos de felicidade dos outros.
Eu vivo, trabalho, e existo com este pensamento sempre presente. Considero que é, de tudo o que faço, a minha responsabilidade mais importante: ser gentil e tentar apaziguar de certa forma este lado tão duro das vidas das pessoas com quem me cruzo. Seja um amigo, um colega ou um desconhecido.