Andamos há muito tempo em estado permanente de cansaço. Não falamos do cansaço que tem uma origem física e exige tratamentos médicos específicos (devido a uma anemia, depressão, desequilíbrios hormonais ou infeções, por exemplo), mas daquele que resulta do malabarismo diário de manter várias bolas a rodar no ar ao mesmo tempo, que nos vai sugando energia, paciência e força anímica. E agora, a esta fadiga que quase nos habituámos a considerar como fazendo parte da vida (mas, na verdade, não devia fazer) junta-se aquilo a que os psicólogos chamam ‘fadiga da pandemia.’
Litros de café não são solução, por isso pedimos a três especialistas que nos dessem dicas simples, mas eficazes, para recuperar a energia perdida. Parecem pouca coisa, mas aplicadas todas juntas fazem uma diferença que notará ao fim de algumas semanas.
Uma tempestade perfeita
“Quando falamos de fadiga, estamos a referir-nos a muitas coisas diferentes: falamos de cansaço no sentido estrito, mas também falamos de stresse e de ansiedade”, explica o psicólogo Miguel Tecedeiro. “O ritmo de vida, a intensidade do trabalho, o que nos é pedido ao longo do dia, aumentaram muito nas últimas décadas, portanto logo aí há uma dimensão de cansaço físico. E em cima disso existe um aumento da exigência psicológica, daquilo que temos de alcançar, que temos de cumprir, a rapidez com que temos de fazer as coisas, que cria situações de stresse crónico, permanente, que ele próprio é desgastante e dá origem a uma coisa de que se ouve falar muito desde há uma ou duas décadas, que é o burnout, o esgotamento profissional.”
E como se tudo isso não bastasse para nos deixar de rastos, há um outro fator que é ao mesmo tempo causa e consequência deste stresse todo: o facto de não dormirmos o suficiente. “A maior parte das pessoas hoje em dia vive em privação crónica de sono e o sono é absolutamente vital para a regulação fisiológica e física, para o nosso sentimento de bem-estar, para nos sentirmos descansados, mas também para a regulação e o equilíbrio emocional. A maioria de nós precisa de 8 a 9 horas, são muito raros os que precisam de menos, e se for perguntar às suas leitoras aposto que vai encontrar 6-7 horas de sono. Todos estes fatores, a exigência, o ritmo acelerado, o stresse crónico, a privação de sono… agem de uma forma sinérgica e criam uma tempestade perfeita, que leva a um contexto mais ou menos crónico de cansaço físico e psicológico, que pode ir até aos extremos do burnout.”
Tudo isto… e mais uma pandemia
Todo este quadro se agravou muito nos últimos anos devido à pandemia e tudo o que ela trouxe de disruptivo às nossas vidas: a ansiedade gerada pelo medo da doença, as repercussões económicas, a incerteza em relação a como e quando tudo isto vai acabar, a necessidade de nos isolarmos. “Muitas das estratégias que desenvolvemos para lidar com estas coisas todas e gerir as nossas emoções envolvem o outro, porque nós somos um animal extremamente social e, portanto, muito da nossa regulação emocional passa pelo outro”, explica Miguel Tecedeiro. “Sair para jantar fora, ir beber uns copos com amigos ou receber amigos em casa, estar com a família, ir passear com os miúdos… a pandemia retirou-nos este lado social todo. Deixámos de interagir com pessoas fora da nossa bolha e agora, com o confinamento, ainda por cima estamos limitados a um determinado espaço físico. Portanto tudo o que são coisas de regulação emocional é-nos roubado. E isto tem impacto na nossa vida pessoal e profissional. Antes da pandemia, saíamos de casa para trabalhar e púnhamos para trás as coisas de casa, chegávamos ao trabalho e focávamo-nos no trabalho, no final do dia vínhamos para casa, o trabalho ficava lá para trás e voltávamos a focar-nos na vida familiar. Agora [para quem está em teletrabalho] há uma interligação promíscua: estamos na sala com o computador onde trabalhamos aberto ali a 2 metros, o que torna muito mais difícil separar os momentos de trabalho dos momentos de estar em casa. Porque antes, se estávamos em casa não nos passava pela cabeça ir até ao escritório despachar mais qualquer coisinha, mas agora se estamos na sala começamos a pensar que se calhar podemo-nos sentar ali e despachar mais alguns mails.” E lá se vão mais duas horas de sono que, segundo o psicólogo, é mesmo por onde devemos começar para lutar contra a fadiga.
Não negoceie o sono
Não há cansaço que resista a uma boa noite de sono: quando dormimos o suficiente e bem, é tudo mais fácil de gerir e enfrentar. Por isso, a primeira coisa que Miguel Tecedeiro recomenda para diminuir a fadiga é gerir os sonos. Nem sempre é fácil ir mais cedo para a cama ou dormir mais uma hora de manhã, mas agora, mais do que nunca, as tais oito horas de sono são fundamentais para não ficar estoirada, ter energia física e mental para manter as bolas todas a girar… e não entrar em parafuso caso alguma delas caia ao chão.
Crie rotinas com mini quebras
Criar rotinas é outra das recomendações do psicólogo. Nestes tempos tão incertos, as rotinas ajudam a lidar com o stresse e a ansiedade. Planeie as linhas gerais dos seus dias e inclua algumas quebras ao longo do dia, com tempos para o trabalho, tempos para a família e tempos para si. “Nós quando estamos a trabalhar fora de casa não estamos o dia todo sentados à secretária. Muitas empresas já começam a recomendar que, a cada hora e meia, por exemplo, a pessoa se levante, vá dar a volta ao quarteirão. Ou vá à varanda apanhar sol: uma das boas práticas na higiene do sono é ter 15 minutos de exposição solar direta.”
A separação entre o mundo do trabalho e o mundo da casa, sobretudo quando o escritório é a mesa da sala, também é muito importante: como diz o psicólogo, “aceitar que quando o dia de trabalho acabou, o dia de trabalho acabou. Temos de ser capazes de gerir essa distância, até porque não sabemos quanto tempo mais isto vai durar”.
Sendo seres sociais, é importante também manter vivas as nossas relações com os amigos e a família (a que está connosco em casa e a que está longe). Hoje temos tecnologia que nos permite não só falar com eles e ouvir a sua voz, mas vê-los. “Podemos ter a família junta à mesa, ou os amigos, mas em sítios diferentes, e nesse sentido é possível partilhar um jantar ou um jogo. Porque o importante não é só a troca de informações, o ‘como é que estás, tens estado bem, tenho saudades’… Não é só isso, é também aquela conversa mole, aquela interação, um diz uma piada, outro diz uma coisa, isso precisa de um bocadinho de tempo e, portanto, podemos sentar-nos à mesa, a família ou os amigos estarem uns de um lado outros do outro, e ter esse momento partilhado.”
Gaste energia para ter energia
O sono, como vimos, é o segredo do universo para evitar que a fadiga se instale de forma crónica, e o exercício e a atividade física ajudam a dormir melhor. Mas não só. Quando estamos cansados, achamos que se fizermos exercício vamos ficar ainda mais cansados. “Mas é exatamente o oposto”, garante o PT Tiago Reis Silva. “Essa fadiga pode ser devida a muitos fatores, mas vamos focar-nos neste momento que estamos a viver: a mudança de rotinas, a ansiedade de não saber o que vai acontecer, tudo isso cria um stresse que, por sua vez, gera uma alteração nos nossos níveis de cortisol, e surge a fadiga. O exercício físico é o principal, e natural, remédio que podemos dar ao nosso corpo para sair desse ciclo, para combater esse stresse e essa fadiga que ele gera. Está até comprovado cientificamente que ele ajuda, numa fase inicial, a combater a depressão. É uma das armas. A nível fisiológico, o exercício dá-nos uma sensação de boa disposição que vem das chamadas hormonas do bem-estar: a serotonina, a dopamina e a endorfina, que é a mais conhecida. Portanto, por mais que a pessoa se sinta cansada, se fizer 15, 20, 30 minutos de caminhada já vai ter essa sensação de energia e bem-estar. O que acontece muitas vezes é que as pessoas acham que têm de treinar, de fazer exercício, pensam: que chatice, vou ter de me despir e vestir a roupa de treino… Sei que isto acontece porque sucede no dia a dia com os meus alunos, dos quais 90% são mulheres. Mas qualquer atividade física liberta essas hormonas. E atividade física pode ser uma caminhada, andar de bicicleta, dançar energicamente…”
Tudo ajuda e tudo junto faz diferença
Mesmo dentro de casa, podemos pôr-nos a mexer, seja treinar ou fazer uma atividade física qualquer. Para o treino, Tiago Reis Silva adverte para os perigos de fazer exercício seguindo um vídeo qualquer no YouTube. “Se a pessoa não sabe treinar, é arriscado, porque se pode lesionar e aí aumenta ainda mais o seu stresse, porque se lesiona. O exercício físico é ótimo, mas pode ser mau se não for feito corretamente. Portanto, o meu conselho é que a pessoa peça ajuda a um profissional certificado que a possa orientar no treino, há coisas que podem ser feitas à distância com orientação. Mas atividade física qualquer pessoa pode fazer e, para uma pessoa sedentária, o simples levantar do sofá e voltar a sentar, umas 3 séries de 20, já conta como atividade física. Mesmo pouco, para essa pessoa já é muito e faz diferença. É fundamental planear um momento do dia, dentro desta sua nova rotina, para treinar ou simplesmente se mexer. Ser o seu momento, em que a pessoa faz o seu exercício físico.”
O coach recomenda que a atividade física escolhida seja feita durante pelo menos 15 minutos seguidos, mas pode ser a qualquer hora do dia. “O importante é ser regular. O corpo adapta-se, há pessoas para quem é mais fácil de manhã, outras que preferem ao final do dia… No caso das minhas alunas que são mães, por exemplo, sei que no final do dia já estão exaustas e a probabilidade de irem para o sofá e não fazerem o treino é mais alta, portanto o meu conselho é treinarem logo de manhã, ainda com os miúdos a dormir. Levanta-se, faz 15, 20, 30 minutos de exercício e começa o dia com outra energia e até com mais paciência. A nível motivacional sentem: ok, já consegui fazer uma coisa nessa minha nova rotina, está feito. E a nível fisiológico, a endorfina, a dopamina e a serotonina vão fazer o seu efeito e dar aquela sensação de felicidade, a pessoa sente-se mais bem-disposta e com mais energia, e isso prolonga-se pelo dia fora. O exercício físico é um grande aliado do bem-estar e combate diretamente essa fadiga.”
O que comemos também conta
Sabemos, por experiência, que há alimentos que digerimos mal e nos deixam letárgicos, e que um snack com açúcar nos dá uma falsa sensação de energia para a seguir nos deixar de rastos. Mas há outras razões para evitar os alimentos processados industrialmente e os açúcares refinados, como explica Daniela Seabra, nutricionista com uma certificação em nutrição funcional. “Nos alimentos processados, a qualidade das gorduras está alterada. Ora as gorduras fazem parte das membranas das nossas células. E a qualidade dessa membrana influencia a forma como o nosso organismo funciona, porque é através dela que a informação entra e sai. Costuma-se dizer, a brincar, que quanto mais estaladiças as gorduras, mais estaladiças as células. E não havendo flexibilidade, a membrana perde fluidez, por exemplo a nível cerebral, os neurotransmissores custam mais a passar. Uma alimentação rica em alimentos processados está associada a uma maior incidência de depressão, por exemplo.”
A sua recomendação: comer comida ‘verdadeira’ e fazer uma alimentação variada e o mais colorida possível. E para fazer um snack a meio da manhã ou da tarde, pense fora da caixa… de bolachas. “As pessoas às vezes estão muito limitadas no que põem em cima de uma tosta, ficam-se pelos queijos, fiambres, mas uma coisa que é ótima para o cérebro são os antioxidantes, e a maior parte das pessoas tem um baixo aporte de antioxidantes e mesmo de legumes no geral. Uma forma de contornarmos isso é pormos legumes no lanche. Como? Barrando as tostas com pasta de azeitona, por exemplo, ou com pesto ou molho de tomate. Também costumo sugerir que façam pastas de legumes como a couve roxa ou o espinafre, que se podem comer crus, juntem um pouco de azeite, ervas aromáticas, especiarias, uns pinhões ou nozes, umas azeitonas, fazem uma pasta com a varinha mágica e barram generosamente em cima do pão, para uma tosta com uma gordura boa e inúmeros nutrientes e antioxidantes. Isso dá energia e não crasha a seguir. É só puxar pela imaginação.”