Grande parte dos ingleses – e de todos nós – não se lembram de outro rei à frente do Reino Unido. Isabel II foi a monarca britânica que viveu e reinou durante mais tempo (e o seu reinado foi o maior de sempre – somente ultrapassado por Luís XIV de França, que reinou durante 72 anos). E no entanto, quando nasceu tinha à sua frente um pacato destino como apenas mais um elemento da família real, porque o pai não era o herdeiro direto do trono. Se o tio David se tivesse mantido no trono e tido filhos, Isabel devia ter sido o Archie dessa altura: uma menina rica com dinheiro e liberdade para viver como queria.

Se viveu como queria ou não, nunca saberemos. À data do seu nascimento, em 1926, o rei era o avô, George VI, um homem severo, um pai frio e um rei distante do seu povo, a quem sucedeu o filho, Eduardo VIII, totalmente diferente, tão diferente que, poucos meses depois de assumir a coroa em 1936, abdicou dela para casar com Wallis Simpson. Como não tinha filhos, quem subiu ao trono foi o irmão, George VI, e tornou-se claro que a sua filha mais velha ia ser a futura rainha. Desde os dez anos que se preparou para reinar: o que, parece, não significou muito. Não foi à escola nem à universidade, cresceu muito protegida, teve aulas de História Constitucional, e acompanhava os pais em algumas visitas. Ou seja, aprendeu a ser rainha por observação. E o que a observação lhe mostrou foi que não podia dar um passo em falso: toda a sua vida, como afirmou no seu primeiro e famoso discurso, seria posta ao serviço do povo e da grande família imperial a que todos pertenciam. Cunpriu a promessa até à sua morte.

Quando o pai morreu em 1952, Isabel tinha 25 anos. Conta-se que durante a cerimónia da coroação a coroa era tão pesada que a jovem rainha tinha de levantar a folha do discurso para a ler, porque se baixasse a cabeça corria o risto de partir o pescoço…

O peso da coroa havia de se tornar metafórico, além de (ocasionalmente) real. Na altura, Isabel, já era casada (com Filipe da Grécia, de quem ainda era prima) e com dois filhos. Havia de ser tornar a monarca inglesa que reinou mais anos, empossando ao todo 15 primeiros ministros: de Winston Churchill a Liz Truss. Embora a rainha se tenha tornado conhecida por nunca desvendar muito da sua vida privada – e isto incluía a relação com os seus PM – chegou a dizer que Churchill ‘era muito divertido’ – sabe-se que se dava melhor com uns do que com outros. A relação com Thatcher foi sempre formal, com John Major partilhou crises como a Guerra do Golfo, o incêndio no palácio e o divórcio do Príncipe Carlos e com David Cameron foi sempre amigável (além disso eram primos afastados).

Mas entre Churchill e Truss, o Reino Unido mudou muito. Isabel herdou uma Inglaterra saída da Segunda Guerra, uma Europa em escombros e nevoeiro, e deixou um universo novamente ameaçado pela guerra mas feito de outro tipo de realidades. Num mundo de ‘reality shows’ e redes sociais, onde tudo se mostra e tudo se sabe, a rainha soube manter a dignidade, a sensatez, a calma, e mesmo um mistério que explica porque é que todos os súbditos a adoram.

O seu longo reinado não foi calmo: foi feito de crises e tumultos, guerras públicas e familiares. Assistiu à Segunda Guerra, à Guerra das Maldivas, à Guerra do Golfo, foi a primeira rainha britânica a visitar a Austrália, a Nova Zelândia e a Rússia (é a chefe de Estado mais viajada de toda a História), viu grandes mudanças políticas, como os problemas na Irlanda do Norte, a descolonização da África, a adesão do Reino Unido às Comunidades Européias e o Brexit. Em família, assistiu ao divórcio do príncipe herdeiro, Carlos (ao contrário do que se possa pensar, não foi o primeiro: se descontarmos Henrique VIII, já mais recentemente a própria irmã da rainha, a princesa Margarida, se divorciou de Peter Townsend em 77) e à ‘fuga’ do casal Harry e Meghan.

Não dava entrevistas, não falava de si própria, não defendia opiniões políticas e pouco se soube dos seus gostos e das suas atividades. O que se sabe sem sombra de dúvida: que adorava cavalos e cães – terá tido mais de 30 Corgis durante o seu reinado – e apoiava mais de 6000 organizações.

Não foi sempre absolutamente consensual: nos anos 80, o descontentamento com a família real atingiu o pico, mas até isso Isabel ultrapassou. A Princesa Diana colocou a monarquia tradicional em confronto com uma nova maneira de reinar, onde à família real se exigia mais proximidade, mais afeto e menos distância, de acordo com uma sociedade que precisava de se sentir mais compreendida. Isabel foi inicialmente resistente a uma outra forma de reinar. Quando Diana morreu, em 1997, muitos criticaram à rainha ter demorado cinco dias a dizer algumas palavras de pesar, e ter demorado tanto para se juntar ao luto nacional que abalou o mundo inteiro. Mas até isso lhe desculparam quando a ouviram dizer: ‘Estou aqui a falar-vos como vossa rainha mas também como avó’. Porque até as rainhas aprendem, e Isabel II foi sempre capaz disso.

Agora que nos despedimos dela, também, de certa maneira, nos despedimos do século XX. E recordamos como foi sempre respeitada e amada pela sua capacidade de se tornar aquilo que uma rainha deve ser antes de mais: um símbolo de união entre todos os seus súbditos, promovendo a paz e o entendimento. Era rainha dos britânicos, mas hoje Isabel é também, um pouco, rainha de todos nós.

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