"Ainda é um tabu tremendo dizer que se é feliz"

Foto Pexels/ Andrea Piacquadio

Segundo o Relatório das Nações Unidas, a Finlândia é o país mais feliz do mundo. Portugal vai a meio da tabela: o maior especialista português em felicidade, o sociólogo Rui Brites, professor e investigador do ISEG, explica o que é ser feliz ‘à portuguesa’ e defende que “os portugueses não são infelizes, são comedidos”.

"Ainda é um tabu tremendo dizer que se é feliz"
O sociólogo Rui Brites, professor e investigador do ISEG, explica o que é ser feliz ‘à portuguesa’
Foto DR

O que torna um povo mais feliz?

Os principais preditores da felicidade de um povo são: padrões materiais de vida, relacionados com o conforto, saúde, educação, relação com a política e satisfação com a governação, relações sociais, 
e segurança física 
e económica.

Afinal não somos um país tão triste como isso. Mas não era suposto sermos o país do fado e da melancolia e dos xailes negros?

Não somos tristes nem sossegados e a nossa história mostra como não somos um povo de ‘brandos costumes’. Quanto à tristeza, somos mais reservados do que os espanhóis, mas menos serenos do que os nórdicos. Esta forma de ser revela-se nas respostas que damos quando questionados: não estamos bem nem mal, estamos sempre mais ou menos. E quando a resposta é graduada numa escala, não nos identificamos com o mínimo nem com o máximo mas sim com a posição moderada.

Se não somos menos felizes, porque 
é que parecemos menos felizes?

Nasci numa aldeia onde a igreja católica tinha um peso impressionante, e ainda me lembro daquele mandamento de que não devemos exteriorizar a nossa alegria porque isso pode ofender quem não esteja tão bem. E nós somos moderados em tudo, incluindo na escala da felicidade. Rimos com a mão à frente da boca. Os mais novos já não são assim, mas os mais novos são 30%, ainda não afetam a escala.

O que mais influencia o nível de felicidade?

A escolaridade. Em Portugal, a média de escolaridade são 8 anos, 5 nas pessoas com mais de 50 anos. Nos países nórdicos e nos países ex-comunistas, a média é de 14. Durante muito tempo achei que a pessoa quanto mais ignorante era mais feliz seria. Mas o que é que estes dados de facto significam? Não é que uma pessoa com estudos seja mais feliz porque tem estudos. Ela é mais feliz porque o nível de escolaridade, regra geral, pressupõe uma melhoria do nível de vida. Ora isso marca muito. O problema é que o nível de educação de um povo demora muito tempo a mudar. Em Portugal ainda mantemos, apesar de tudo, uma grande tradição de vida em família. Por exemplo: nós temos uma percentagem de gente que se diz ‘muito feliz’ maior do que a Dinamarca. Mas como aquilo é tudo calculado em médias, ninguém sabe isso.

O sentido de comunidade não ajuda?

Ajuda. Por exemplo, a região portuguesa mais feliz é o Norte, porque é onde há mais interajuda entre vizinhos. E a mais infeliz é o Algarve, onde as pessoas são tradicionalmente mais isoladas. Por outro lado, os números nem sempre são o que parecem. Em Trás-os-Montes quase não há suicídios. Porquê? Porque essas mortes não são ‘assumidas’, vêm sempre mascaradas de outras coisas. Dantes, uma pessoa que se suicidava não tinha direito a um enterro católico, e até hoje o suicídio é um tabu muito grande. Portanto, não é que as pessoas se matem menos, as causas é que são encobertas.


E o dinheiro, traz ou não traz felicidade?

O dinheiro não traz mais felicidade, mas a falta de dinheiro para viver com um mínimo de conforto causa infelicidade. Isso está bem estudado. Há duas condições essenciais para se ser feliz: querer e poder. Só quem quer ser feliz é que busca a felicidade. Mas nem toda a gente que quer ser feliz pode ser feliz. Por exemplo, na Dinamarca cerca de 64% dos inquiridos no Inquérito Social Europeu diz que o seu rendimento dá para viver confortavelmente, em Portugal apenas cerca de 8% o diz. Isso claro que afeta a nossa vida.


Os nórdicos são mesmo mais felizes?

Às vezes, estes questionários internacionais sobre a felicidade não são assim tão fiáveis, porque comparam povos com referências absolutamente diferentes. Por exemplo, tudo o que é questionado do pouco ao muito, os nórdicos respondem sempre no extremo direito da escala. Os portugueses nunca saem do centro. Então achamos que os outros são mais felizes. Não são! Eu conheço a Europa toda, e não é possível dizer que um finlandês é mais feliz que um português. Claro que um dos fatores que mais conta para a felicidade de um povo é a confiança nas instituições e nos políticos. Ora como nós, portugueses, não confiamos, isso cria-nos uma sensação de desproteção muito grande, coisa que não acontece nos nórdicos. Portanto, não somos menos felizes, somos é mais resignados. Dizer que se é feliz ainda é um tabu tremendo

O que é preciso para aumentar o nível de felicidade de um povo? Ou estamos eternamente condenados a um 6?

Vamos ser um 6 muito tempo, porque isso é um valor de estrutura. Tudo o que é cultural demora muito tempo a passar. Mas lembre-se do que falámos há bocado: esse 6 não quer dizer que sejamos efetivamente felizes a 6, mas que no nosso pudor só admitimos, só debitamos, só aceitamos esse 6. Não somos felizes a 6, somos resignados a 6. O que eu fazia para aumentar a perceção dos portugueses sobre a sua felicidade? Aumentava-lhes o rendimento disponível e o grau de escolaridade. Essa é a base.

Qual é o país mais feliz do mundo?

É a Finlândia, que este ano ultrapassou a Noruega no relatório da Felicidade Mundial das Nações Unidas. Portugal sobe 12 lugares e está em 77 entre 156 países. Mas tenho muitas dúvidas que um somali pense nas mesmas coisas que um português quando é questionado sobre a sua qualidade de vida. Então o que é que o Índice compara? Compara a resposta dos inquiridos em contextos profundamente desiguais e, por conseguinte, incomparáveis. É o problema dos rankings que, como se sabe, não são objetivos mas permitem comparações que dão jeito. Os coeficientes estatísticos têm uma ‘história’ e sem conhecer o seu contexto não têm qualquer validade.

Uma pessoa mais nova é mais feliz?

Não há razão nenhuma para que uma pessoa com 60 anos se sinta mais infeliz do que uma pessoa de 30. Mas existem as chamadas ‘curvas da felicidade’. O pico mínimo é aos 50 anos, e depois daí a pessoa volta a ser feliz novamente. Mas isto é o que acontece em Portugal: sobe até aos 60 e depois cai abruptamente. Não é que as pessoas adoeçam de repente, a mudança é psicológica: as pessoas percebem de repente que mais dia menos dia vão precisar de apoio médico e não têm dinheiro. Portanto, sentem-se mais desprotegidas e o seu nível de perceção de felicidade baixa.


Os livros que ensinam a ser feliz ajudam?

São mais uma desajuda. Porque eles propagandeiam isto: se tu és feliz ou infeliz, a culpa é só tua. Quem acreditar naquilo fica prostrado a achar que nunca vai conseguir nada na vida e ainda por cima a culpa é sua! São apenas um chorrilho de lugares-comuns. O primeiro estudo que foi feito sobre a felicidade, nos anos 60, chegou a esta conclusão brilhante: as pessoas mais felizes são jovens, bonitas, ricas, e com saúde. Ora eu precisava de algum estudo para chegar a essa conclusão?

Porque é que a felicidade está na moda?

Porque quando o material falha, a gente agarra-se ao imaterial. Sempre foi assim. É o ‘pobrete mas alegrete’ do tempo do Salazar. Criou-se o Dia Mundial da Felicidade com base num discurso do rei do Butão em que ele terá dito: ‘O PIB não serve para indicar a felicidade de um povo, porque o Butão não tem PIB e é o país mais feliz do mundo’. E a partir daí começou-se a papaguear uma coisa que ninguém foi ver se era verdade. Ninguém perguntou aos butanenses se eram felizes ou infelizes. Mas tenho a certeza disto: qualquer europeu seria profundamente infeliz no Butão.

É preciso amar para ser feliz?

Não, mas ajuda. A paixão é a suspensão da razão, a pessoa apaixonada é sempre irracionalmente feliz (risos). Isto não dura, mas a longo prazo as pessoas que vivem com alguém sentem-se mais apoiadas, principalmente em países como Portugal, Grécia, Itália… Nos países nórdicos isso não é tão claro, porque as diferenças entre sexos se esbateram e as pessoas não estão tão dependentes umas das outras.

E o seu segredo para ser feliz, qual é?

Tenho a profissão que sempre quis, tenho uma filha e netas fabulosas, tenho os melhores amigos do mundo e não tenho angústias. Nem o meu fim me mete medo, porque valeu a pena ter vivido tudo isto.

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