Qual é a sua família? Escolha já, e descubra que há muito pior que a sua!
– A lua-de-mel antes da lua-de-mel
Vão abraçadinhos a dizer ‘ai que lindo que vai ser, eu e o meu Zé Manel’.
Problema: a não ser aproveitar os atributos do Zé Manel, geralmente não há muito para fazer. No primeiro dia já se deu a volta à ilha dez vezes e se fotografou dez nativos cada qual com o seu colar de flores ao pescoço, no segundo fez-se uma massagem a dois numa cubata com tinas de pedra cheias de pétalas de rosa (onde o Zé Manel se fartou de espirrar porque é alérgico às rosas), no terceiro já se apanhou um escaldão, no quarto já estão um bocado fartos do jacuzi e com a pele às gretas como o Alentejo em tempo de seca, no quinto chove, e a partir daí chove initerruptamente durante o resto da semana, e mesmo os atributos do Zé Manel parece que perderam encanto à sombra e além disso ele deu em dizer que está derreado (é das rosas). A não ser que alguém tenha levado um baralho de cartas, o que é pouco provável, o Zé Manel vai começar a ressacar a Sport TV, você manda sms até ao patrão, mas as férias acabam no momento em que começam ambos a pensar que se estão a aborrecer ligeiramente.
Como sobreviver: Nunca vá para nenhum sítio em que a única fonte de diversão seja o Zé Manel. Pelo menos, leve um livro.
– Bebé a bordo
Depois do Joãozinho nascer, nunca mais houve descanso para ninguém: era o horário das mamadas, os biberons, os avós a entrar e a sair, toda a quererem ver o bebé e o bebé com cara de anjinho, a bater as pestanas e a fazer um sorriso com covinhas ao colo da tia Marta, e toda a gente a chilrear ‘ai tão sossegadinho’, e assim que as visitas desapareciam o tipo desatava a uivar como se fosse explodir. Achou que nas férias pelo menos iam ter algum sossego.
Problema: o que está mal antes das férias tem uma enorme propensão para piorar durante as ditas. Você descobre que anda mais derreada do que em casa: quando vão à praia parece que vão emigrar para um país distante onde não há as necessidades básicas para sobreviver. O seu Carlos Jorge não mexe uma palha para a ajudar a carregar os sacos, você descobre uma fobia repentina à areia e passa a tarde a aspirar o carro enquanto o Carlos Jorge e o Joãozinho dormem a sesta, o Carlos Jorge passa o tempo a olhar para o horizonte e a ligar à mãezinha para saber os resultados do Benfica, e é um alívio quando voltam para casa. Claro que também há aqueles casos em que o bebé dorme e come o tempo todo e vocês conseguem finalmente falar de outras coisas que não do Joãozinho. Mas dos casais felizes não reza a história…
Como sobreviver: Passe uns dias com o Joãozinho, e depois rife-o para casa da avó Amélia (supõe-se que ela já criou pelo menos um filho e não o deixou morrer, e não vai ser por causa de uma semana que o Joãozinho vai adquirir stresse pós-traumático por abandono materno) e passe uns dias só com o Carlos Jorge. É que mesmo para quem é pai, é muito irritante passar as férias a falar ininterruptamente de bebés.
– Traz um amigo também
Enquanto foi só o Joãozinho, a coisa ainda se fazia. Mas de repente, o Joãozinho já acha uma seca ir atrelado aos paizinhos, e para consolar a criança de ser filho único lá concordam em levar também o Tiago e o Rodrigo. Ao princípio até parecia boa ideia: os três entretinham-se uns aos outros a jogar futebol sem descanso ou debruçados sobre os gameboys como se não houvesse amanhã. De repente, zangam-se todos porque o Rodrigo fez batota e o Tiago fez panelinha com ele, depois o Rodrigo lembra-se de dizer que em casa dele nunca ninguém come bróculos e a partir daí mais ninguém come nada que tenha estado sequer perto de qualquer coisa vagamente verde. Depois o Tiago diz que em casa dele ninguém se deita antes da meia-noite e de qualquer maneira estão de férias, e quando você já está a contemplar a hipótese de espetar uma galheta em cada um dos três, lembra-de que pelo menos dois deles não são seus (uma boa notícia a longo mas não a curto prazo) e que não há nada que possa fazer. No próximo verão, vai mas é pôr o Joãozinho num campo de concentração. Desculpem, de férias.
Como sobreviver: Comece logo por estabelecer as regras da casa: não interessa que não sejam as deles. Enquanto estão consigo, você é que manda, e não há cá democracia para ninguém. Não convém ser demasiado Estado Novo: apesar de tudo, estão de férias. Claro que isto não é desculpa para sair para a praia ao meio-dia…
– Lá vem o clã
A verdade é que também não sabe se aguentava o seu António durante 15 dias naquela pasmaceira, mas tinham de levar também a sogra? O sogro? O tio Júlio? A tia Alzira? O Luís e a Ana? Os filhos do Luís e da Ana, que são três, todos adolescentes, empertigados e opinativos, um bocado iguais à sua sogra mas com sessenta anos a menos? É suposto ser muito divertido ir em clã, é suposto haver sempre com quem falar e ser uma alegria pegada.
Problema: é uma confusão que ninguém se entende: ao segundo dia já ninguém sabe dos miúdos, a sogra torce um pulso porque não está habituada a escadas em caracol, o sogro quer por força ir ao festival da cerveja quanto toda a gente preferia continuar na praia, a Ana descobre que o Luís anda a mandar sms suspeitos a uma colega de trabalho e faz-lhe uma cena em plena piscina, o tio Júlio apanha uma indigestão de percebes e a tia Alzira passa o tempo a resmungar que a casa é suja e fria e que se tivessem ido para Celourico tinham ficado muito mais bem instalados. E por que é que, se não lhe falha a vista, você é a única a trabalhar? Por que é que toda a gente deixa as toalhas no chão? Por que é que ninguém sacode a areia antes de entrar em casa? Por que é que falta leite mas toda a gente espera que você vá ao supermercado? Por que é que não está a conseguir sequer ler três páginas do livro que trouxe? Por que é que até as melgas só lhe picam a si? E por que é que no verão as miúdas se embeiçam por rapazes tão idiotas e pulguentos? Terão os neurónios deslassados? Mistérios…
Como sobreviver: Estabeleça logo de início quem é que faz o quê, e não faça nem mais uma unha do que ficou estabelecido. Se já sabe que eles não vão cumprir, vá de férias com outra companhia.
– O perigo é a profissão deles
Ficarem sentadinhos debaixo de um coqueiro a beber daiquiris durante 15 dias não é para eles, a não ser que o coqueiro fale alguma língua exótica e fique para aí na Malásia, ou que estejam em risco de serem bombardeados/raptados/atacados por um tigre. Férias servem para ‘expandir horizontes’. E quando falam em expandir horizontes, não estão a brincar nem a falar em sentido figurado: levam a coisa até às últimas consequências, seja lá isso o que for, porque os horizontes deles ficam sempre muito para lá dos horizontes normais. Vão muito mais longe do que calcorrear a Muralha da China ou ver berberes no Toubkal: são daqueles que se gabam de ver ‘aquilo que os turistas geralmente não vêem’. Têm um desprezo inato por ‘turistas’, essa gentinha que só sabe andar em manada a olhar para o que lhes mandam, ao contrário deles que são Espíritos Livres. Em comum com os turistas têm a máquina fotográfica. Tiram milhares de fotografias para provar que estiveram mesmo onde dizem que estiveram, a não ser quando "aqui não temos fotos porque a máquina foi roubada quando o nosso jipe foi abalroado por uma milícia nativa que queria levar a Maria Antónia para uma rede de escravas brancas". Curiosamente, um aventureiro costuma estar casado com uma aventureira igual, que é o que lhes vale. Imaginem convencer uma pessoa normal a ir passear-se para o meio das milícias.
Como sobreviver: Se vai de férias com um aventureiro, é para assumir a aventura. Dizer: "Ai ó Ricardito, vai lá tu tirar fotografias à favela, que eu fico aqui na esplanada a beber água de coco" só funciona se não se importar de passar 15 dias a desabafar com a água de coco, que não costuma ter muita conversa. Mas se tem um aventureiro a cargo, assegure pelo menos as precauções mínimas: seguro, protector solar, cartão de crédito, carregador de telemóvel, barritas de cereais, garrafa de água e lenços de papel. Os homens nunca se lembram de nada e depois nós é que temos de os tirar de apertos.
– Os sem dinheiro
Férias nem sempre querem dizer Maldivas, Caraíbas ou mesmo Praia da Rocha. Há quem fique em casa, sim. É o mesmo que ficar no inferno, e geralmente é igualmente escaldante. Escaldante no próprio sentido da palavra: a casa parece uma sauna sueca, com a variante pouco exótica de não ser nem sauna nem sueca. Toda a gente foi de férias menos nós, ou pelo menos é o que parece, o telemóvel não toca uma única vez, na televisão só dão repetições de repetições, ficamos a tarde inteira a ver o ‘Parque Jurássico’ 1, 2 e 34, e a noite a ver a Dra, como é que ela se chama, aquela loira da ‘Anatomia de Grey’ enfiada num vestido vermelho no chão da casa de banho a chorar pelo Denny, que já vimos morrer mais ou menos umas 18 vezes, por junto. Podíamos fazer fantásticos programas em família, mas geralmente está cada um para seu lado: a mãe trabalha (as mães trabalham sempre) ou então entretém-se a arrastar móveis corredor fora até às 3 da manhã, para desespero dos vizinhos. O pai vai para o café beber umas cervejolas com os amigos, o filho desaparece durante o dia todo e ninguém sabe onde anda (melhor nem pensar nisso) e a filha fecha-se no quarto a escrever poesias deprimidas, a mandar sms às amigas, que não lhe respondem, a ouvir a Amy Winehouse dizer que está de volta à reabilitação, e a olhar para a fotografia do Vasco, que nem sabe que ela existe e está nesse momento a fazer surfe na Austrália. Podia-se aproveitar para arranjar a máquina de lavar, comprar um aspirador novo, forrar a despensa, emoldurar a fotografia do George Clooney ou escrever aquele romance fantástico sobre um duende malvado e uma rainha que vem salvar o mundo, mas nem para isso há alento.
Como sobreviver: Mesmo sem dinheiro, não tem de ficar fechada em casa. Mesmo sem companhia, não tem de ficar abandonada: calce uns ténis e vá descobrir os jardins da cidade. Leve um livro e sente-se a apanhar sol. Afinal, está de férias.
Ideias para manter a calma
– Não se aborreça se não tiver mesmo de ser. Seja ecológica: poupe as (suas) energias!
– Não queira a perfeição: está de férias, ninguém se importa se andar um bocado mais amarrotada ou se as crianças não tomam banho há dois dias.
– Não vá de férias com gente que não conhece bem ou que já sabe que têm ‘ritmos’ diferentes dos seus.
– Seja o que for que aconteça, lembre-se: não dura sempre!