O que têm em comum Jane Fonda, Lady Di e, mais recentemente, a jovem actriz Lindsay Lohan? Para além de serem famosas, sofreram de um distúrbio alimentar: a bulimia. Apesar de a obsessão pelo corpo perfeito ser um fenómeno relativamente recente, a verdade é que desde há vários séculos que os médicos fazem relatórios sobre mulheres que jejuavam longos períodos por motivos religiosos ou tinham uma estranha aversão à comida. Mudam-se os tempos, mantêm-se os distúrbios…
‘Todas as doenças de comportamento alimentar têm uma base comum, que é um problema com o corpo’, afirma Susana Leandro, nutricionista da Clínica Harmonia, em Lisboa, adiantando: ‘A preocupação acaba por ser maior devido aos tempos em que vivemos e ao padrão de beleza existente, que dita que se tem de ser magro para se ser bonito. Isso pode levar ao aparecimento de doenças alimentares.’ Esta preocupação leva a que muitas mulheres neguem as suas curvas. São elas quem mais sofre, sobretudo as mais jovens e as adolescentes. Uma obsessão que, no limite, as pode levar à morte.
ANOREXIA NERVOSA
É um transtorno alimentar que faz com que as pessoas fiquem obcecadas em manter ou reduzir o seu peso através de um cálculo muito rígido e reduzido das calorias ingeridas. As anorécticas têm uma visão muito distorcida de si próprias e pensam que precisam de emagrecer, mesmo quando já estão tão magras que a sua saúde corre sério risco. Acham que são avaliadas pela sua imagem, daí andarem aterrorizadas com a ideia de ganharem um único grama. Apesar de muita gente julgar que elas não sentem fome, isso é incorrecto.
É um distúrbio que geralmente começa na adolescência e pode estar ligado ao facto de estas jovens não se sentirem bem num corpo adulto, terem algumas dificuldades em lidar com a sua sexualidade ou mesmo terem sido abusadas sexualmente na infância. Infelizmente, há muita gente que morre na sequência deste transtorno alimentar devido a problemas físicos ou mesmo pelo suicídio. O emagrecimento extremo causa graves problemas de saúde, sendo os mais comuns:
. Tensão arterial muito baixa.
. Má circulação.
. Deterioração óssea.
. Tonturas e desmaios.
. Queda abundante de cabelo.
. Desidratação.
. Funcionamento renal insuficiente.
. Temperatura corporal muito baixa.
. Amenorreia/infertilidade.
. Aumento de pêlos faciais.
BULIMIA NERVOSA
‘Ataques de fome desenfreada de grande quantidade de alimentos’ quase que a poderíamos descrever assim, que pode incluir bolos, chocolates, enlatados ou até mesmo frascos inteiros de maionese. Estes episódios bulímicos são muitas vezes seguidos pela indução do vómito e/ou toma de diuréticos e laxantes, de modo a manter o controlo do peso.
Começam por ser episódios esporádicos semanais (muitas vezes às escondidas) e depois podem evoluir para casos mais graves, em que se provoca o vómito várias vezes ao dia (também secretamente). O peso, esse, quase sempre permanece igual. É por isso uma doença de difícil diagnóstico, onde aparentemente está tudo bem com o doente.
Ao contrário do que acontece com as doentes anorécticas, este distúrbio alimentar atinge maioritariamente as mulheres adultas.
Dentro da bulimia, há ainda quem considere as variantes:
‘VICIADOS EM HIDRATOS DE CARBONO’ (uma tradução livre da designação em inglês carbohydrate cravers). Caracteriza-se pela vontade descontrolada de comer alimentos açucarados ‘fora das refeições e cujos efeitos são descritos como apaziguadores e revitalizantes, representando um terço da quota calórica diária’, explica o psiquiatra Gérard Apfeldorfer no seu livro ‘Como Logo Existo Excesso de Peso e Perturbações do Comportamento Alimentar’.
HIPERFAGIA PRANDIAL. O nome ‘complicado’ aplica-se àqueles que ingerem grandes quantidades de alimentos às refeições. Como se manifesta nas grandes patuscadas, aos olhos dos outros comensais, é facilmente ‘desculpável’ e vista como um excesso alimentar típico de pessoas de grandes apetites. As consequências da bulimia também se reflectem na saúde:
. Cáries dentárias graves.
. Menstruações irregulares.
. Perturbações gástricas e intestinais.
. Problemas renais e cardíacos.
. Aumento de pêlos no rosto e corpo.
. Perdas importantes de minerais.
. Inchaço do rosto e dos dedos.
SINAIS DE ALERTA
Muitas de nós temos amigas ou filhas (os rapazes em menor número) que sofrem destes problemas mas nem desconfiamos. Aqui ficam algumas pistas para detectar alguém com distúrbios alimentares:
. Perda de peso sem causa aparente.
. Desculpas frequentes para não comer ou para tomar refeições isoladamente.
. Prática excessiva de exercício físico.
. Amenorreia nas raparigas/perda de erecção nos rapazes.
. Maior agressividade, irritabilidade e isolamento.
. Afirmar que não tem fome com regularidade.
. Opiniões muito críticas em relação à imagem e à forma.
. Utilização de laxantes ou diuréticos.
. Ausências prolongadas para ir à casa de banho após todas as refeições.
SOB CONTROLO
Perder peso traz controlo, e com ele um reforço da autoconfiança, não sendo por isso de estranhar que grande parte dos casos registados de distúrbios alimentares sejam de pessoas profissionalmente bem-sucedidas, competitivas e exigentes consigo próprias, como estudantes aplicadas ou empresárias. Porque é que isto sucede? São perfeccionistas, tanto em relação à sua vida como ao seu corpo. Como os seus objectivos estão num patamar muito elevado, difícil de atingir, isso gera insegurança, que só é colmatada com a sua capacidade extraordinária em controlar aquilo que comem. Manter o peso dá-lhes a sensação de poder, e com este triunfo sentem-se ‘especiais’ e diferentes de todas as outras pessoas que não conseguem resistir às tentações gastronómicas. É a doce sensação de vitória e de superioridade.
LENTA RECUPERAÇÃO
Ter um distúrbio alimentar faz com que a pessoa fique vulnerável. As ocasiões sociais em que tenha de comer são evitadas a todo o custo, sendo por isso doenças solitárias e depressivas, difíceis de detectar, em que se vive fechada sobre si mesma, acabando por afastar amigos e família. ‘Os sintomas nem sempre são muito óbvios, e a pessoa pode andar assim durante anos’, refere Susana Leandro.
Existem duas grandes dificuldades no tratamento destas doenças: a demora em procurar ajuda profissional e a rejeição do tratamento. Muitas vezes, para além da incapacidade em saber lidar com este tipo de problema, a família não está psicologicamente preparada para prestar auxílio. ‘Ter o apoio da família é fundamental. Compreensão e ajuda são muito importantes, mas podem não ser suficientes, e aí tem de haver acompanhamento de uma equipa de especialistas’, refere Susana Leandro.
As doenças alimentares não são fáceis de tratar. Não se fica com uma doença alimentar porque ‘se quer’ e não se sai dela quando se entende. Leva meses ou mesmo anos, sempre a ser acompanhada, e não há garantias que consiga ultrapassá-la. ‘É difícil haver 100% de cura. O doente tem de sentir que já não precisa de estar preocupado com o peso ou com a comida que ingere, e isso, a maior parte das vezes, não acontece. Se houver um controlo mental e se o doente conseguir limitar-se em termos de pensamento e de escolhas alimentares, talvez se consiga curar.’
ONDE PEDIR AJUDA
Se conhece alguém com este problema, tenha uma conversa séria com ela e dê-lhe a conhecer os locais onde poderá obter ajuda especializada.
. Hospital de Santa Maria, Lisboa: Consulta de Doenças do Comportamento Alimentar.
. Hospital da Universidade de Coimbra: Consulta de Distúrbios Alimentares, do Serviço de Psiquiatria.
. Hospital de S. João, Porto: Consulta de Doenças do Comportamento Alimentar, do Serviço de Psiquiatria.
. Hospital de Crianças Maria Pia, Porto: Consulta de Pedopsiquiatria.
. Hospital de S. Marcos, Braga: Consulta de Doenças do Comportamento Alimentar.
ORTO-QUÊ?
Preocuparmo-nos com aquilo que comemos é óptimo e a maioria de nós devia ter mais cuidado com aquilo que põe no prato. No entanto, há quem leve esta preocupação a extremos. Porque o número de pessoas que se tornaram maníacos da alimentação saudável está a aumentar, um médico americano, Steve Bratman, criou o termo ortorexia para designar este novo distúrbio alimentar. Trata-se de uma obsessão patológica por ingerir apenas comida livre de pesticidas, herbicidas e ingredientes transgénicos. À semelhança das outras doenças alimentares, afecta mais o sexo feminino, mas atinge sobretudo as mulheres dos 18 aos 45 anos. Uma ortoréxica, tal como a anoréctica, é uma perfeccionista e obcecada com o controlo do seu peso, mas, ao contrário desta, a sua preocupação centra-se na qualidade dos alimentos.
. São pessoas que passam o dia inteiro a pensar naquilo que vão comer às refeições no próprio dia e nos seguintes.
. O prazer de comer é relegado para segundo plano (assim como todos os outros aspectos da sua vida numa fase mais avançada da doença).
. As suas conversas giram à volta da alimentação.
. Por vezes, a ortorexia antecede uma anorexia nervosa.
CRIANÇAS COM A MANIA DAS DIETAS Segundo um estudo realizado pela Universidade de Leeds, no Reino Unido, uma em cada cinco meninas com nove anos de idade faz dieta porque os colegas na escola fazem troça do seu aspecto físico. O investigador do estudo, Andrew Hill, alerta para o risco de estas crianças serem potenciais vítimas de perturbações alimentares e até mesmo de doenças mais graves, como a anorexia e a bulimia. Saltar refeições ou reduzir drasticamente a quantidade de comida ingerida durante o dia são alguns dos comportamentos identificados nestas crianças, que revelam já ter uma preocupação excessiva com a imagem.