A sua casa pode ser o seu castelo, o seu refúgio, o seu casulo… e também pode estar a into-xicá-la lentamente, sem que dê conta. Este ano, a Organização Mundial de Saúde alertou para os perigos que alguns químicos representam para a saúde humana. O seu efeito negativo faz-se sentir sobretudo a nível do sistema endócrino, nas glândulas e órgãos que regulam o crescimento, metabolismo, reprodução, sono e outras funções vitais. “Os ftalatos, o bisfenol A e o benzeno são, provavelmente, algumas das substâncias mais estudadas relativamente à sua toxicidade. Os dois primeiros porque são muito utilizados em ambiente doméstico, em produtos que os têm na sua composição”, explica-nos Pedro Lopes, que assegura a consulta de clínica geral na Clínica Milénio, em Lisboa. “Estas substâncias disseminam-se muito rapidamente no organismo porque têm uma grande apetência por tecidos onde há muita gordura”, explica o médico. “Há muita facilidade da entrada desses agentes em órgãos como a mama ou o testículo, que têm uma grande composição de lípidos. Interferem com processos metabólicos e celulares e, com o tempo, favorecem a ocorrência de erros na informação que é transmitida de célula para célula, que podem gerar lesões ou um tumor. Mesmo que as doses não sejam tóxicas, a exposição ao longo de anos leva a um efeito cumulativo, que pode ser elevado. Órgãos como os rins, fígado, ossos, também são afetados.” Isso quer dizer que quanto mais massa gorda tivermos, mais toxicidade armazenamos? “Não terá grande diferença para quem tem dois ou três quilos a mais. Mas se falarmos de um doente obeso, muito exposto aos químicos, o risco de acumulação é maior. Há razões muito fortes para perdermos peso, mas essa pode ser mais uma”, observa o médico.
Plásticos perigosos
Neste grupo de agentes perigosos, os ftalatos são dos que mais facilmente podemos encontrar em casa. “São utilizados para tornar os plásticos de PVC mais flexíveis, por isso, todos os produtos feitos neste material são potenciais fontes. Numa casa, eles podem estar no soalho – sobretudo em pavimentos flutuantes –, cortinas de chuveiro em plástico, produtos de cosmética (que o usam como solvente) e em utensílios domésticos diversos. Podem chegar-nos por via inalada (partículas no ar), por contacto com a pele, boca, olhos ou nariz.” Até há fontes insuspeitas, como as cápsulas de alguns medicamentos ou suplementos. “Alguns materiais médicos continham ftalatos – tubos dos cateteres centrais, entubação orotraqueal, dispositivos que até eram usados em recém-
-nascidos. Percebia-se que os bebés prematuros, sujeitos a muitos procedimentos invasivos onde eram usados estes materiais, tinham alterações, como atrasos na puberdade.” Os ftalatos podem afetar o fígado, rins, pulmões e sistema reprodutivo, sobretudo os testículos ainda em desenvolvimento.
O bisfenol A, que também está na lista negra, é outro dos componentes principais do plástico. “As principais fontes de bisfenol A são os plásticos transparentes, como recipientes para conter alimentos e, até há bem pouco tempo, em biberões [em 2011 a produção e comercialização de artigos com este componente foi proibida na UE]. Também se provou que quando aquecemos estes recipientes aumenta a taxa de passagem do químico para alimentos como carne, leite e cozinhados com mais gordura.” As preocupações com o bisfenol A levaram até a Anses, agência francesa para a alimentação e ambiente, a aconselhar grávidas e quem trabalha regularmente com caixas registadoras a ter especial cuidado com a exposição a ele. O papel térmico usado nos talões de caixa contém bisfenol A e quem lida com eles diariamente está mais exposto aos efeitos nocivos, que poderão incluir risco acrescido de cancro de mama, efeitos adversos a nível cerebral, comportamento, metabolismo, obesidade e aparelho reprodutor feminino. Nas grávidas, o risco é especialmente preocupante para o feto em formação e pode implicar alterações na estrutura da glândula mamária da criança, com risco de formação de tumores, anos mais tarde. Duas das fontes de exposição para as quais a Anses alerta são os dispensadores de água que existem em locais públicos ou empresas, feitos de garrafas de policarbonato, e no revestimento de recipientes de conserva. As autoridades francesas decidiram proibir este químico nos recipientes destinados a crianças, já este ano, e para a população em geral, a partir de 2015.
“Não podemos dizer que o aumento dos casos de cancro ou de infertilidade tem apenas a ver com a exposição a estas substâncias, até porque os artigos compostos por elas não estão nas nossas vidas há tantos anos assim que nos permita uma perspetiva epidemiológica sobre elas”, observa Pedro Lopes, adiantando: “A UE e a Food and Drug Administration, nos Estados Unidos, têm regras muito apertadas de qualidade. Todas as evidências científicas que vão aparecendo quanto à toxicidade de algumas substâncias são imediatamente transpostas para uma diretiva ou recomendação, os produtos são retirados ou a sua produção modificada. Por isso, não devemos olhar para estas questões com alarmismo, mas antes sermos consumidores exigentes.”
Purifique a sua casa
Podemos estar rodeados de químicos nocivos sem nos apercebermos. A acrescentar à lista de perigos domésticos, há ainda fungos e bactérias que também afetam a saúde. Mas, com alguns cuidados básicos, podemos minimizar os efeitos da exposição, como explica Pedro Lopes.
– Abra as janelas e areje bem a casa durante alguns minutos por dia.
– Limpe superfícies de uso comum, sobretudo mesas e bancadas da cozinha, após cada uso.
– Não aqueça alimentos em plásticos que não são apropriados para uso no micro-ondas. “O vidro e a cerâmica são, à partida, muito mais inócuos – não se conhecem efeitos tóxicos do uso destes materiais.”
– Cuidado com o ar condicionado! “Os sistemas de aquecimento e ar condicionado têm, normalmente, tubos de plástico que, quando aquecidos, libertam benzeno. Se o ar condicionado liga automaticamente quando entramos no carro, basta que a temperatura ultrapasse os 16ºC para que se liberte benzeno a partir das tubagens. Este ar tem 40 vezes mais benzeno do que o máximo que deveríamos inalar. Quando entramos no carro, devemos abrir as janelas primeiro, deixar o ar condicionado funcionar durante um ou dois minutos para o ar sair da viatura. Devemos fazer o mesmo em casa, embora a superfície seja maior. São partículas particularmente tóxicas para o pulmão e para os ossos (onde causam tumores). Basta lembrarmo-nos da relação de causalidade já estabelecida entre o benzeno presente no cigarro.”
– Evite os ambientadores: “Há sempre um ambientador inoportuno que nos borrifa, em qualquer espaço, muitas vezes sem darmos conta. Essas partículas são habitualmente agressivas e irritantes para a árvore respiratória. As alergias são doenças inflamatórias. Se o organismo está permanentemente a reagir a agentes externos, temos uma inflamação de base um pouco mais elevada e qualquer estímulo adicional agrava os sintomas, sobretudo para quem sofre de asma, rinite alérgica e outras alergias respiratórias.”
– Mantenha uma higiene redobrada com colchões, sofás, almofadas, cortinados, tapetes. “São o tecido adiposo das nossas casas”, diz Pedro Lopes. O médico recomenda uma higienização frequente e rigorosa de todos os tecidos domésticos. “Se permitimos animais de estimação, crianças a comer e outras situações no sofá em tecido, e não o limpamos, ele e todos os tecidos para baixo vão ser um meio de cultura ótimo para fungos e bactérias. Os fungos libertam para o ar substâncias que podem ser agressivas para o sistema respiratório ou que podem desencadear reações cutâneas na pele. Os cortinados são uma fonte de ácaros e fungos (em casas com mais humidade) e esquecemo-nos muitas vezes de os limpar com a frequência devida.”
– Limpe bem equipamentos elétricos desligados há muito tempo. “É muito comum as pessoas ligarem termoventiladores no início do inverno sem os limparem bem. Esse aquecimento das tubagens dos equipamentos e a expulsão do pó e dos agentes agressivos que vivem dentro deles são prejudiciais. Os aparelhos devem ser bem limpos antes da primeira utilização, mesmo que o tenha feito antes de o arrumar.”
– Prefira detergentes líquidos: “A simples mudança de detergente de roupa pode desencadear uma alergia cutânea. Os enxaguamentos dos programas ‘eco’ das máquinas de lavar roupa poupam água, mas se usar um sabão em pó pode dar-se a acumulação de resíduos de detergente. Os detergentes líquidos são mais solúveis na água e é mais fácil que o enxaguamento seja feito de forma adequada.”
– Use cosméticos sem ftalatos, dermatologicamente testados. Foram banidos dos cosméticos produzidos na União Europeia, mas podem ser encontrados em outros, produzidos fora da UE. “É preciso ter o cuidado de verificar se as alegações dos rótulos são verdadeiras. Atenção a promoções de produtos de cosmética que de 40 ou 50 euros passaram para 9.”
– Limpe o pó com frequência: para além de partículas orgânicas (como pele), ou de areia e outras microscopias, o pó comum de casa contém partículas de ftalatos, retardantes de chama, pesticidas, desinfetantes e químicos eventualmente perigosos, para além de poder desencadear alergias. Por isso, limpá-lo pelo menos uma vez por semana deve ser uma prioridade, pavimento incluído, sobretudo se tem soalho flutuante.
– Faça um inventário periódico: “Olhe à sua volta, em casa, observe o que pode representar um risco para a saúde e modifique ou substitua a peça por algo potencialmente menos agressivo.”