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Na manhã de 5 de agosto de 2010, depois de “uma noitada com muito tabaco”, Rui Santos decidiu que não ia fumar mais. Mas não quis uma cura a frio porque já tinha feito três e voltou sempre uns tempos depois. Procurou alternativas e encontrou os cigarros eletrónicos. Experimentou e ao quarto dia de uso deixou os cigarros tradicionais. Mas sabe que só substituiu um hábito mau por outro que considera menos prejudicial. 
Da sua experiência pessoal à ideia de negócio foi um passo. A empresa de que é dono comprou uma participação de 40% numa empresa nacional que já existia, a 2Smoke. Atualmente, grande parte das suas vendas online são feitas em Portugal e países como Finlândia, Japão e até Brasil, onde a venda dos e-cigarros é proibida ou está condicionada. Não é ainda um mercado em que se possa falar de lucros, mas a faturação tem vindo a aumentar de mês para mês, diz. “As percentagens de penetração no mercado variam entre 1% e 10% dos fumadores. Mas acredita-se que daqui a uns 3 anos cerca de metade dos fumadores mundiais mudem para este método.” 
Homens e mulheres aparecem mais ou menos na mesma proporção nas lojas, conta um dos vendedores da 2Smoke. Os homens, que levam a vaporização mais como um hobby, procuram dispositivos mais sofisticados. “As mulheres procuram kits mais simples e discretos. Muitas vezes vêm comprar para o marido deixar de fumar.” Também há quem venha comprar para os pais fumadores. “Os homens procuram mais sabores atabacados e alguns frutados. As mulheres preferem os sabores frutados e mentolados”, observa Rui Santos. O certo é que o fenómeno tem vindo a crescer em Portugal nos últimos anos e muitas são as perguntas que ficam no ar relativamente ao seu uso. 

Como funciona?
Os cigarros eletrónicos foram criados para simular o ato de fumar, produzindo vapor, que é inalado. Têm uma bateria, uma resistência elétrica e um recipiente para o líquido. A sensação física e sabor são semelhantes às do cigarro normal, embora não exista tabaco – mas um líquido que pode ter vários sabores – nem combustão ou fumo. A ideia nasceu em 1963 mas ninguém pareceu interessar-se por ela até que, em 2003, um farmacêutico chinês fumador decidiu fabricar o primeiro e-cigarro moderno. Existem vários tipos: os descartáveis, que normalmente servem para as primeiras experiências;
os e-cigarros tipo ‘caneta’ (idênticos aos da foto); e os ‘mods’, dispositivos modificados, geralmente maiores e com baterias mais potentes, preferidos pelos verdadeiros aficionados. 

É menos prejudicial para a saúde?
“O grande problema do cigarro eletrónico é não haver estudos sobre ele”, diz a médica pneumologista Ana Figueiredo, coordenadora do grupo de trabalho sobre o tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP). “Os fabricantes dizem-nos que o produto deles é certificado. Isso só nos diz que, provavelmente, foram feitos num laboratório certificado e que os produtos são puros. É apregoado como sendo um substituto mais saudável do cigarro, por ter muito menos substâncias e por não haver combustão – o que é verdade. Mas os dispositivos têm vindo a evoluir e já permitem o aparecimento de partículas mais finas, que se depositam mais fundo nos pulmões. Já houve casos de doença relacionados com o uso do cigarro eletrónico, como pneumonites lipídicas. De certeza que não é inócuo, porque não fomos feitos para inalar substâncias como os gliceróis, presentes no líquido [dos cigarros eletrónicos]. Sabemos que o cancro do pulmão aparece 40 a 50 anos depois de se começar a fumar, portanto é muito difícil saber no que isto vai dar. A maioria dos médicos e pneumologistas, bem como a SPP, acham que eles não devem ser utilizados. Além disso, estes aparelhos estão num vazio legal. Para ser um produto derivado de tabaco, teria que ser sujeito a toda a legislação a que o tabaco é, como os avisos da toxicidade.”
No entanto, em maio deste ano, um coletivo de 50 médicos internacionais, especialistas em cancro e dependências, entregou um manifesto à Organização Mundial de Saúde, defendendo os e-cigarros como “alternativas viáveis ao tabagismo”. Dizem que estes produtos apresentam um “risco fraco” e um “grande potencial em reduzir as doenças devidas ao tabagismo”. Desafiando a OMS a abandonar a sua postura mais conservadora sobre o tema, acrescentam que “poderiam estar entre as maiores inovações do século XXI em matéria de saúde”. 
Rui Santos pensa da mesma forma. “O cigarro normal tem mais de 4 mil substâncias, 200 das quais potencialmente cancerígenas. No único estudo que vi de um dos líquidos para cigarros eletrónicos analisados, havia 16 substâncias. As concentrações de metais pesados não chegavam a 10% das presentes num cigarro tradicional.” Mas Rui lembra que, se não forem usados corretamente, os e-cigarros podem ser tão maus como os outros. A voltagem destes aparelhos é usada para produzir o calor que gera o vapor. Se ela for muito elevada, e se a resistência elétrica do dispositivo for baixa (ou estiver degradada), “a temperatura vai aquecer acima dos 250/280ºC e a glicerina vegetal, que é inócua, vai degradar-se ao ponto de criar elementos cancerígenos.”

É uma forma de deixar de fumar? 
Não… e são os próprios ‘vapers’, aficionados do e-cigarro, que o dizem. “Nem é para isso que serve – só conheço duas pessoas que conseguiram desta forma”, diz-nos Rui Santos. “Eles funcionam como um mecanismo de substituição dos cigarros normais.”
“Para ser considerado uma terapêutica de cessação tabágica, teria que ter estudos clínicos prolongados sobre a sua toxicidade e eficácia, que não existem”, lembra a pneumologista Ana Figueiredo. “O grande problema da nicotina não são tanto os efeitos físicos (embora também existam) mas sim a dependência. Depois de inalada, passa para a corrente sanguínea, chega ao cérebro, onde age em recetores que libertam dopamina, responsável pela sensação de prazer. O nosso cérebro habitua-se e quando não a tem entra em privação. Faço consultas de cessação tabágica e temos terapias que são eficazes e que estão estudadas mas fator mais importante para deixar de fumar é a motivação.” 
O gesto de mão e boca, que custa a perder à maior parte dos fumadores, também se mantém. “Muita gente me diz que deixou de fumar com o cigarro eletrónico e acredito, mas continuam a vaporizar, por isso a dependência mantém-se. Se as pessoas começarem a ‘vapear’ num ambiente público, vão estar a tornar normal o hábito de fumar em público. Outro problema no cigarro eletrónico é vermos as camadas mais jovens a usá-lo, por o acharem mais apelativo, por causa dos sabores.”

O que diz a lei?
Até agora, não há regulamentação para o consumo e venda destes produtos. A Comissão Europeia fez, em março deste ano, recomendações de legislação dos cigarros eletrónicos. Os Estados-membros devem legislar o assunto até ao primeiro semestre de 2016. 
A UE recomenda que fabricantes e importadores sejam obrigados a fornecer às autoridades a lista de todos os componentes dos líquidos e dispositivos, e que os e-cigarros com menos de 20mg de nicotina sejam regulados como produtos de tabaco normais, com venda proibida a menores de 18 anos.
Os cigarros eletrónicos com mais de 20mg de nicotina devem ser considerados medicamentos e o seu uso deve ser supervisionado por um profissional de saúde.
De fora ficaram os e-cigarros sem nicotina, “o que é de lamentar”, como observa a DECO, em comunicado. “Sendo o seu risco ainda desconhecido, é inadmissível que continuem a ser vendidos livremente, sem enquadramento legal específico.”

O que há nos líquidos dos e-cigarros?
– Nicotina. Está presente em concentrações variadas. Mas também há variedades de líquidos sem nicotina. 

– Polipropileno glicol. É usado nas máquinas de fumo dos concertos e discotecas, mas também como aditivo na indústria alimentar (solvente de corantes e sabores artificiais), lubrificante médico e anticongelante não tóxico. Serve de condutor aos sabores e provoca o efeito na garganta que os fumadores procuram no cigarro normal. A Food and Drug Administration norte-americana diz que “geralmente é considerado inócuo” mas a sua aplicação em dispositivos que simulam o ato de fumar não consta, no entanto, da sua lista de aplicações reconhecida.

– Glicerina vegetal. É o condutor do vapor. É usada na indústria cosmética e como conservante alimentar. A sua aplicação em dispositivos que simulam o ato de fumar também não consta da lista da FDA.

– Sabores naturais e artificiais. Dividem-se em três grupos: os atabacados (que reproduzem o gosto de algumas variedades de tabaco); frutados e mentolados. Geralmente são comprados em pequenos frascos de líquido. 

É mais barato?
Para quem começa, um kit normal pode ficar entre €20 e €70 euros, consoante o tipo de material e bateria. Para os ‘mods’, os preços sobem a €100, €200 e mais. Os líquidos custam, em média, entre 8 e €15, dependendo da marca e composição. Quem fuma um maço de cigarros normais por dia, pode gastar uma média de dois frascos por mês. Por isso, ficam mais baratos para quem só usa os e-cigarros.

Cuidados de quem compra
– Para o dispositivo em si, procure produtos embalados na totalidade, se possível com instruções de uso e descrição dos componentes.

– A nicotina é tóxica, sobretudo para crianças. Por isso as cápsulas das embalagens devem ter o mecanismo de abertura difícil, à ‘prova de criança’. “Um líquido com grande concentração de nicotina pode matar uma criança, 
se ingerido”, observa a pneumologista Ana Figueiredo. “Os efeitos secundários mais declarados do uso do cigarro eletrónico têm aparecido em crianças, sobretudo irritação dos olhos ou da pele. Também há intoxicações por ingestão. É bom que se guardem estas coisas longe das crianças.”

– Tenha atenção à descrição dos ingredientes dos líquidos. Os líquidos não são testados por autoridades independentes e muitas embalagens nem contêm 
a totalidade de ingredientes. “Convém escolher fabricantes de perto de si. 
Os mercados europeus têm mais regulamentação, o que influencia a forma como estes fabricantes querem agir no mercado”, avança Rui Santos. Em caso de dúvida, peça a ficha técnica do líquido, onde devem constar as substâncias que o compõem e suas concentrações. 

O que diz quem usa
“Comecei a usar o cigarro eletrónico há dois anos, depois de ver um amigo belga fazê-lo. Queria deixar de fumar e achei-o engraçado – fazia-me lembrar um cachimbo. A grande vantagem para mim é a inexistência de fumo; o grande contra é a duração das baterias, que é reduzida. Continuo a fumar, mas reduzi o consumo de cigarros normais, porque vou alternando com o eletrónico. Acredito que não sejam tão maus para a saúde. Tenho vários amigos estrangeiros que conseguiram parar de fumar por causa dele e tenho esperança que aconteça o mesmo comigo.” 
Rosa Maria, 40 anos

“Tenho dois tipos diferentes de e-cigarros, mas ainda não comecei a usá-los a 100% porque quero saber mais sobre os seus efeitos na saúde. Experimentei sem nicotina e com um grau mínimo de nicotina (6mg) e achei piada experimentar sabores diferentes. Não gostei dos mais intensos, a tabaco, mas gostei de alguns sabores frutados. Fumo mais à noite, de vez em quando, e quando o faço não fumo tabaco normal porque as minhas necessidades de nicotina são suprimidas.” 
Eugénia D., 46 anos

“Experimentei há cerca de dois meses. Uma amiga tinha comprado um há pouco tempo e quando fomos jantar senti uma imensa inveja porque ela não tinha de se levantar e ir para a rua fumar como uma marginal. Gostei do sabor e entusiasmei-me. Para mim, os pontos a favor são a composição, com muito menos elementos nocivos para a saúde (há sempre a nicotina) e o custo por semana muito inferior ao do maço de tabaco. Mas não é a mesma coisa. Falta o ‘lixo tóxico’, quiçá, e aquele gesto de mão. Reduzi o consumo de cigarros normais, mas não encaro o cigarro eletrónico como um instrumento para deixar de fumar, nem acredito que possa ser, porque se trata de substituir um vício por outro.”
Catarina M., 38 anos 

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