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rystjohn

*artigo publicado originalmente na revista ACTIVA de agosto de 2018

Há sensivelmente mês e meio Portugal passou a fazer parte de um grupo de países (como Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Bélgica, Suíça, Dinamarca, Noruega, Israel, Itália, entre outros) que legalizou a planta Cannabis para fins terapêuticos. Como é esperado, quando o tema da discussão é cannabis são muitas as vozes e questões que se levantam: provocará adição? Em que medida é diferente o composto usado para fins medicinais do que é usado para fins recreativos? A sua eficiência está provada cientificamente?
Muitos foram os médicos, investigadores, cientistas portugueses, que se prontificaram a enumerar as vantagens da legalização para uso terapêutico, apesar de haver também quem chamasse a atenção para a necessidade de haver mais estudos e mais abrangentes que provassem a eficácia da planta.
Beatriz e Sandra*, na casa dos 50 anos e com o mesmo problema de saúde, cancro de mama, não se conhecem, mas ambas recorreram à cannabis para aliviar os sintomas dos tratamentos de quimioterapia. “Não fumo com frequência, só quando as dores são mais fortes, e a verdade é que me sinto melhor quase de imediato. Relaxa-me, descontrai-me e reduz a dor e a minha ansiedade. Sinto-me muito melhor do que quando tomo as drogas químicas, como o Tramadol. É claro que informei o meu médico, que me disse que infelizmente não podia receitar mas que se era algo que melhorava e diminuía a dor, não tinha nada a opor… e no fim ainda me chegou a dizer ‘boas ganzas’”, conta-nos Sandra. Para Beatriz, que nunca tinha fumado na vida, a primeira vez que lhe sugeriram cannabis achou que tinham enlouquecido, ainda por cima vindo de um médico, amigo do filho. Quando falou com o especialista que a acompanhava, percebeu “que não era assim uma coisa tão estapafúrdia. Não disse diretamente para eu tomar, mas contou que alguns dos seus doentes lhe tinham revelado que recorriam à marijuana para acalmar as náuseas e vómitos e conseguirem comer qualquer coisa.” Teve de aprender a fumar, mas o alívio que sentia a seguir acabou com os preconceitos que ainda persistiam na sua cabeça. As náuseas desapareciam e o seu estômago passou a aguentar as refeições que tomava, além de diminuir consideravelmente as dores que sentia, um bónus que permitiu passar a tomar menos os medicamentos fortíssimos que a deixavam muito debilitada.

Palavra de médico

Bruno Maia, médico neurologista no Hospital de São José em Lisboa, tem sido uma voz ativa em prol da legalização da cannabis para fins terapêuticos e explicou à revista ACTIVA os benefícios que esta planta pode trazer a muitos doentes do nosso país. “A cannabis sativa é uma planta como qualquer outra, é constituída biológica e quimicamente por uma série de substâncias que podem ou não interagir com o organismo humano. O que mais assusta as pessoas são as interações com o THC (tetrahidrocanabinol), a substância que provoca uma sensação de bem-estar, é um antidepressivo, estimulante, e portanto tem uns efeitos aos quais chamamos psicotrópicos. Mas não são os únicos, há outros efeitos do THC que não são a nível do cérebro, estou a referir-me às doenças neurológicas, como a esclerose múltipla, em que o THC diminui um dos sintomas, – a rigidez muscular. Também pode beneficiar as pessoas com cancro que estão a fazer tratamentos ou então as que têm HIV. Estes doentes sofrem de falta de apetite e esta substância vai ter impacto a esse nível”.

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Zbynek Pospisil

Histórias de vida

Stephanie e Mark Johnson e os seus quatro filhos foram viver para o Colorado há 3 anos, e a razão dessa mudança teve a ver com a filha mais nova do casal que nasceu com uma forma rara de epilepsia que fazia com que a criança, de 3 anos, tivesse dezenas de convulsões por dia. Experimentaram todos os medicamentos possíveis e disponíveis, que deixavam a filha quase em estado catatónico, até que viram uma reportagem com a história de outra menina, um caso semelhante ao seu, que tomava óleo de CBD (canabidiol) e que tinha reduzido as suas convulsões de 150 por dia para uma por semana. Despediram-se, venderam a casa e foram viver para aquele estado, onde a cannabis era legal, para dar mais qualidade de vida à filha.
Se pudesse, Maria* faria o mesmo. A epilepsia de que sofre a sua filha chegou a fazer com que tivesse mais de 100 espasmos por dia, mas tal como o casal americano, Maria descobriu que o óleo de CBD, que importa dos Estados Unidos, fazia com que as crises epilépticas da sua filha diminuíssem para 2 a 3 por dia, uma melhoria significativa na sua qualidade de vida. É verdade que ao início ficou apreensiva, mas conversou com o médico, pesquisou muito e agora só quando as encomendas ficam retidas na alfândega é que a ansiedade aperta, porque o impacto que o óleo de CBD teve na vida da sua filha é incomensurável.
“Sabemos que os diferentes compostos da cannabis podem atuar em diferentes doenças e são muitas, por exemplo, as do foro neurológico a começar logo pela epilepsia – nomeadamente a refratária – melhora com este óleo que pode ser posto em gotas na comida ou na língua, e não tem os efeitos psicotrópicos, não tem THC, e portanto não dá a tal ‘moca’, como se diz”, revela Bruno Maia.

Há muito, muito tempo

O uso da cannabis para tratar determinadas maleitas não é de agora. Há relatos de que esta planta era usada há mais de dois mil anos na China, no Egito e na Grécia Antiga para acalmar a dor, tratar prisão de ventre e outras maleitas gastrointestinais e até travar a queda de cabelo. O facto de, nas últimas décadas, ter sido considerada uma droga trouxe vários problemas: primeiro porque não há tanta investigação sobre uma substância que é considerada ilegal, logo atrasa a descoberta dos seus benefícios; depois, mesmo que haja a descoberta de benefícios, qual é o incentivo para a comercializar se é proibida? Ainda assim, foram-se fazendo estudos que têm mostrado evidência científica forte sobretudo na ajuda a controlar a dor crónica, a dor neuropática, os enjoos provocados pelos tratamentos contra o cancro e na redução dos espasmos musculares de que sofrem os doentes de esclerose múltipla. Há também evidência moderada e a decorrer (ou seja, é preciso haver mais estudos e mais abrangentes) em relação ao impacto da cannabis na apneia, fibromialgia, Parkinson, glaucoma e glioma (tumor cerebral).

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VictoriaBee

E os efeitos secundários?

Como todos os medicamentos, também os tem mas, refere o neurologista, em pequena escala, são muito leves, “o óleo de CBD que se administra às crianças pode deixá-las um bocadinho prostradas, mas é algo muito ligeiro. Já toda a planta em si pode aumentar a frequência cardíaca, a pressão arterial… Em pessoas suscetíveis, que poderão ter alguma alteração psiquiátrica prévia ou de base, a cannabis pode desencadear um episódio psicótico, isto é, em pessoas sensíveis esta substância pode ser o gatilho, assim como é o álcool, que é legal, ou estar numa situação stressante”.

Dependência e outros medos

Para o neurologista, o fantasma da adição não tem razão de existir. “A cannabis tem uma capacidade muito fraca para criar dependência. O número de pessoas que cai nessa dependência é pouco significativo. Há medicamentos opioi-
des – como a morfina, o fentanil, a oxicodona – à venda nas nossas farmácias que provocam mais dependência do que a cannabis. Os Estados Unidos estão a braços com uma crise enorme de dependência de opioides. O que aconteceu lá, e que felizmente não aconteceu aqui, é que houve uma grande pressão por parte da indústria farmacêutica e das próprias associações hospitalares para prescrever opioides e houve milhares de pessoas com situações transitórias, como fraturas de ossos ou cirurgias, que começaram a tomar opioides para controlar a dor associada a esses casos e acabaram por ficar dependentes.”
Calcula-se que nos EUA a dependência de opioi-
des tenha levado à morte de mais de 20 mil pessoas em 2016. Suspeita-se, inclusive, que tenha sido o fentanil (um opioide à venda cá em Portugal, e que se diz ter um grau de adição 50 vezes superior à heroína) a causar a morte do cantor Prince. Numa entrevista à BBC, a médica Judith Feinberg refere que, “nos Estados Unidos, como não há serviço nacional de saúde como existe na maioria dos países europeus, o que sucede é que milhões de pessoas não têm seguro e quando têm uma dor nas costas, por exemplo, é-lhes receitado um opioide porque não têm dinheiro para pagar fisioterapia, que é, muitas vezes, o mais indicado para aquela queixa”. 
Vários estudos publicados nos EUA revelam que nos estados onde é possível receitar canabinóides (à base de cannabis) para acalmar a dor há menor número de casos de dependência de opioides.

Fumar ou não fumar

Não fumar, defende o neurologista Bruno Maia. Apesar de no imaginário coletivo a cannabis estar sempre associada ao ato de fumar, não é a única forma de a consumir. “É, de todas, a menos saudável. Mesmo que um paciente meu seja fumador, o que vou aconselhar é a vaporizar as flores da planta. Compra um aparelho, põe lá as flores e a partir daí vaporiza o vapor, passo o pleonasmo. Assim elimina as consequências de fumar. Há também quem confecione com alimentos.”
Ditos os prós e contras, feitos os elogios e os alertas, os portugueses vão ter a possibilidade (caso o médico assim o prescreva) de optar por medicamentos e compostos com esta substância, e muitos já não terão de se esconder ou cometer ilegalidades para tomar as rédeas da sua saúde e da dos seus filhos. Assim o esperamos!

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O problema do Sativex

Ainda que futuramente se vá pôr à venda nas farmácias medicamentos à base de cannabis, este facto não será inteiramente uma novidade. Há uns anos foi aprovado pelo Infarmed um medicamento que contém esta substância, o Sativex, indicado para doentes com Esclerose Múltipla. O problema é que praticamente não foi comercializado cá em Portugal, houve muito poucos pedidos dos médicos e a razão é simples de se perceber: “O processo para se adquirir o Sativex é muito complexo. Primeiro, o médico tem de prescrever numa receita especial e a unidade hospitalar ou de saúde tem de efetuar o pedido para o importar; segundo, cada frasco com o spray custa 500 euros, não é comparticipado e só tem a duração de um mês. Quem tem disponibilidade económica para isto?”, questiona o neurologista Bruno Maia.

O que foi dito e o que ficou por dizer

A legalização da cannabis para fins terapêuticos já é um facto, mas para muitos ficou aquém das expectativas. O que sabemos? Que cabe aos médicos prescrever os medicamentos, preparações e substâncias à base da planta de cannabis (desde óleos à flor desidratada). Que ao Infarmed, autoridade do medicamento, cabe a regulação e a introdução de outros produtos, e que há a possibilidade de o Laboratório Militar poder contribuir para a produção destes medicamentos e produtos. Já o autocultivo não passou, portanto continua a ser ilegal.
Por esclarecer ficaram outros pontos, como a comparticipação, a regulação dos preços, e a parte em que se diz na lei que os médicos só podem prescrever cannabis se os tratamentos convencionais com medicamentos autorizados não estiverem a produzir os efeitos esperados. Terão os doentes de tomar todos os medicamentos no mercado até poderem utilizar substâncias à base de cannabis?

Descubra as diferenças


Será que haxixe, marijuana, cannabis e cânhamo é tudo a mesma coisa?


Cannabis: é a expressão que designa a planta na sua totalidade, sendo que há várias espécies de plantas cannabis. Estas têm mais de 500 compostos e 100 deles são canabinóides, entre eles os mais estudados são o THC (tetrahidrocanabinol) e CBD (canabidiol). Existe uma grande variação nos compostos das diferentes espécies de cannabis, e também as concentrações destes compostos variam ao longo da planta, isto é, no caule, nas folhas ou na flor.

Haxixe: é uma resina que é extraída da planta que mantém os efeitos psicotrópicos, ou seja tem um THC muito elevado, e por isso é utilizado para efeitos recreativos.

Marijuana: é a mesma coisa que cannabis .

Cânhamo: pode ser a extração de uma parte da planta, como sementes ou caule, que tem uma concentração de THC insignificante, logo sem efeito psicotrópicos, e que pode ser usado na comida, em materiais como roupa ou até em materiais para a construção.

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