Nenhum cabelo pode ser verdadeiramente bonito e saudável sem um couro cabeludo em bom estado. Mas mantê-lo assim pode ser um desafio e é toda uma arte. Falámos com uma dermatologiasta para saber como manter saudável o couro cabeludo e os sinais de alarme a que devemos ter atenção.
O cabelo no exterior da cabeça é matéria morta, uma haste flexível constituída maioritariamente por queratina (por isso não dói quando o cortamos), mas a sua raiz e o bolbo (folículo piloso) onde ele cresce e se alimenta estão bem vivos, abrigados no couro cabeludo através do qual recebem todos os nutrientes de que necessitam. E tal como uma planta precisa de um bom terreno para poder crescer e atingir o seu potencial, o cabelo depende de um couro cabeludo saudável e equilibrado para crescer bonito e forte.
A pele da cabeça
Por vezes esquecemo-nos disso, mas o couro cabeludo também é pele, embora os pelos que nele crescem tenham características um pouco diferentes dos que temos noutras zonas do corpo. Nos últimos anos temos vindo a assistir na cosmética a uma tendência de ‘skinification’ do couro cabeludo, ou seja: tratá-lo com o mesmo cuidado, e nalguns casos os mesmos ingredientes, com que tratamos a pele do rosto ou do corpo.
Um cabelo é uma pequena obra-prima de arquitetura e engenharia biológica. Cada fio cresce dentro de um folículo situado na junção entre a derme (a camada intermédia da pele) e a hipoderme (a camada mais profunda). Esta estrutura é servida por um pequeno vaso sanguíneo específico que entra pela haste capilar para lhe fornecer os nutrientes de que ela precisa, como aminoácidos, sais minerais e vitaminas. Cada uma destas pequenas ‘fábricas’ de cabelo conta ainda com a sua própria glândula sebácea que produz o sebo que vai lubrificar o cabelo e mantê-lo hidratado e flexível. À superfície do couro cabeludo os poros formam um sistema de controlo de temperatura eficaz, evacuando o suor produzido pelas glândulas sudoríparas. Também à superfície, o microbioma do couro cabeludo, composto por bactérias e outros microrganismos benéficos, ajuda a defendê-lo de agentes patogénicos e a mantê-lo saudável. Mas este sistema é frágil e pode entrar rapidamente em desequilíbrio, dando origem a patologias que muitas vezes têm de ser tratadas com ajuda médica.
Quando o couro cabeludo desatina
O problema mais comum é a dermite seborreica, como nos diz Marisa André, dermatologista especialista em tricologia. “Pode ser mais ligeira, o que as pessoas habitualmente chamam caspa, ou mais exuberante em que a caspa assume umas dimensões que as pessoas já acham que pode não ser normal, que se nota na roupa e é muitas vezes conotada com falta de higiene e deixa as pessoas mais apreensivas. No extremo, dentro desse espetro da descamação do couro cabeludo temos a psoríase. E às vezes há o que nós na gíria dermatológica chamamos a ‘seborríase’, que não é bem uma dermite seborreica, mas também não é uma psoríase daquelas que faz uma carapaça com escama aderente.” A dermite seborreica não tem cura. “Costumo dizer aos meus doentes que não vão morrer disso, mas vão morrer com isso”, diz Marisa André. Mas os dermatologistas dispõem de um arsenal terapêutico que permite controlar e espaçar as crises, e a própria pessoa pode ir gerindo o problema com as indicações do médico, para fazer uma prevenção quando sabe que vai estar em situações que agravam o problema, como períodos de mais stresse.
A importância de um diagnóstico precoce
Existem também algumas doenças do cabelo, algumas alopecias (perdas de cabelo), que podem começar por queixas no couro cabeludo e se não forem diagnosticadas e tratadas logo no início podem ter consequências irreversíveis, adverte a médica. “Às vezes há uma descamação, que não é bem a da dermite seborreica ou da psoríase, concentra-se só na raiz do cabelo, aquilo que nós chamamos os rolhões foliculares. Pode ser acompanhado de comichão e até dor no couro cabeludo, por exemplo ao passar o cabelo de um lado para o outro do risco. E há em pessoas que dizem que têm uma sensação de ‘bichinhos’ a andar pelo couro cabeludo. Nestes casos é fundamental consultar quanto antes um dermatologista porque se pode tratar de alopecias que se não forem tratadas vão ser irreversíveis, mas nessa fase inicial da inflamação ainda são reversíveis porque o cabelo ainda não foi substituído por fibrose, ou seja, por cicatriz. São alopecias cicatriciais”, adverte Marisa André. “Infelizmente, as pessoas subestimam muitas vezes estes sinais e não vão logo ao médico, só vão quando já têm a pelada.” E nessa altura já pouco há a fazer, por vezes nem é possível fazer um transplante, porque se trata de uma doença inflamatória com uma componente de autoimunidade.
O segredo está no equilíbrio
Com ou sem patologias, é importante fazer tudo para manter o couro cabeludo feliz e equilibrado. “Tudo o que seja um fator agressivo para o couro cabeludo pode desencadear ou agravar a caspa, a dermite seborreica. Mas não é por lavar o cabelo todos os dias que vai agravá-la ou desencadeá-la. Às vezes, para quem tem uma descamação do couro cabeludo, lavar o cabelo todos os dias acaba por ajudar a remover as escamas. Agora, se lavar o cabelo com uma água extremamente quente acontece o mesmo que na pele: vai descamar mais ainda, ficar com mais comichão.” Evite escovas muito rijas e agressivas, apanhados demasiado puxados, água e secador muito quentes, champôs não adaptados às suas necessidades… e, sempre que possível, stresse.
Em relação à alimentação, a dermatologista diz que ainda não existe nada comprovado cientificamente, “mas se pensarmos numa abordagem holística do doente, poderá haver alguma influência. Devemos ter um equilíbrio e a dieta tem influência nesse equilíbrio e dessa forma acaba por influenciar o estado da pele, do intestino e do cabelo. E apesar de não estar comprovado cientificamente, eu tenho muitas doentes que quando têm um maior equilíbrio a todos os níveis melhoram, e não há como negar isso. Assim, é importante procurar o equilíbrio”. E estar atenta aos sinais que o corpo envia, evitando o que deixa o couro cabeludo infeliz (se souber ‘ouvi-lo’ ele queixa-se).
Há problemas do couro cabeludo irreversíveis se não forem tratados a tempo. Se sente que alguma coisa não está bem, consulte um dermatologista.