Com uma fragrância floral chypré amadeirada concebida com notas tipicamente japonesas, um frasco inspirado na panóplia dos samurais e um nome que nos remete para o bairro mais cosmopolita e emblemático de Tóquio, Ginza é um perfume em tudo original.
O aroma foi concebido a quatro mãos pelas perfumistas francesas Maïa Lernout e Karine Dubreuil, da Casa japonesa de perfumes Tagasako que criou esta fragrância para a Shiseido.
Ao contrário do que acontece no Ocidente, em que o perfume é visto como uma arma de sedução, no Japão ele tem uma dimensão mais pessoal e espiritual, e foi essa dimensão, que é também de força interior, que as perfumistas quiseram replicar com este perfume.
Como se cria um perfume a quatro mãos?
KD: A Maïa e eu trabalhamos muitas vezes juntas! Temos uma verdadeira conivência, a mesma forma de pensar, um respeito mútuo e confiança uma na outra. Por um lado, temos os mesmos gostos olfativos, mas ao mesmo tempo as nossas ‘escritas’ completam-se bem. Acrescentamo-nos mutuamente. Para nós, trabalhar juntas significa que ambas decidimos. Juntamo-nos na mesma sala e compomos juntas, sentimos juntas os ensaios que fazemos e retrabalhamo-los até acharmos que já podemos partilhar o nosso trabalho com outras pessoas. E mesmo quando não podemos estar juntas fisicamente, já nos aconteceu termos as mesmas ideias! O desenvolvimento de um perfume é como uma maratona, é preciso ir procurar as suas fontes no fundo de si mesma. Há momentos difíceis, portanto é agradável podermos apoiar-nos.
ML: Para trabalhar em dupla, é preciso pôr o ego de lado e respeitar a outra pessoa. Mas nos projetos de longo prazo, que exigem anos de trabalho, [trabalhar em dupla] permite mantermo-nos motivadas. É como numa equipa desportiva, apoiamo-nos e a partilha estimula a criatividade.
O que é que a Shiseido queria para este perfume?
KD: Uma fragrância que incarnasse uma mulher que combina força com feminilidade. Uma mulher com confiança em si própria e sabe encontrar a sua força interior. A inspiração do samurai, na sua versão feminina, marcou-nos.
ML: Esta descrição conduziu-nos a um acorde chypre para evocar a potência e o feminino. Com uma profusão de madeiras – a madeira ancorada na terra faz eco à potência interior de cada mulher.
Quais foram as vossas fontes de inspiração?
KD: Trabalhei uma nota de jasmim, a partir de três jasmins diferentes que vinha a afinar já há anos. Nasci em Grasse, portanto conheço bem as flores, gosto sempre de trabalhar em notas florais para ter a impressão de mergulhar na natureza. A escolha do jasmim foi também inspirada por uma viagem a Kyoto, onde passei um momento precioso com um tempo chuvoso. A humidade fazia sobressair aromas semelhantes aos da minha infância no sul de França. Este jasmim é a ligação entre Grasse e Kyoto. O acorde chypre dá sofisticação a esta emanação de natureza.
ML: O que me inspirou imediatamente foi a importância de evocar uma mulher forte. A Karine e eu temos personalidades marcadas, gostamos de exprimir as nossas opiniões e temos convicções muito arreigadas. Vimos de famílias onde as mulheres sempre combinaram poder e feminilidade. A minha avó e a minha bisavó atravessaram corajosamente muitas provações. Eram tão fortes como os homens e ao mesmo tempo sensíveis à estética e à delicadeza. O perfume das flores, do jasmim, tinha para elas uma importância particular.
Trabalham para uma casa de perfumes japonesa. Quais são as diferenças em relação a uma empresa ocidental?
ML: Aqui a cultura da empresa gira mais à volta do esforço coletivo e do consenso do que do individualismo. O sentido da honra também tem um lugar precioso. Se nos comprometemos a fazer uma coisa, mesmo se, entretanto, deixar de ser do interesse da empresa, fá-la-emos. Não se volta atrás com a palavra dada! Além disso, é muito enriquecedor trabalhar com os colegas japoneses. Tivemos, nomeadamente, dois encontros importantes que nos deram ideias para este projeto.
KD: Sim, adoramos conversar com os nossos homólogos japoneses para nos impregnarmos da sua cultura e desenvolver novas ideias!
Ginza foi concebido com preocupações éticas. Que ações foram levadas a cabo nesse sentido?
ML: A essência da madeira de hinoki [um cipreste japonês] provém de desperdícios de carpintaria que teriam sido destruídos. E as plantações destas árvores são geridas de forma sustentável na região de Okayama, nomeadamente com o apoio da população local.
KD: Utilizámos uma grande proporção de ingredientes renováveis: seja porque são extratos naturais, seja porque são ingredientes de síntese com pelo menos 50% de carbonos renováveis. Habitualmente, a maioria das moléculas são sintetizadas graças à petroquímica, mas aqui utilizamos moléculas cujos precursores provêm da indústria do pinheiro. E o álcool que usamos é extraído da beterraba natural.
Uma das vossas fontes de inspiração foi o Kodo, um antigo ritual dos samurais. De que forma aproveitaram essa inspiração?
KD: O Kodo é um ritual silencioso de focalização em si mesmo que desenvolve a força interior, que envolve a queima de uma mistura de madeiras e uma sensação de fumo. Isso inspirou fortemente a faceta amadeirada da fragrância Ginza, o acorde hinoki, patchouli, sândalo que dá a dimensão chypre à nota floral.
ML: Tive a sorte de assistir a uma cerimónia de Kodo. No início, achei que era quase como um jogo. São passados, entre as pessoas presentes, várias tacinhas contendo pirâmides de madeiras pulverizadas e é preciso adivinhar a que cheiram. É muito ritualizado, toda a gente em silêncio e concentrada no olfato. Essa concentração solene tem tudo a ver comigo. Gosto de trabalhar em silêncio. Sem barulho nem música.
O perfume Ginza, como a Shiseido, aliás, assenta sobre dualidades como o equilíbrio entre tradição e modernidade. Como integraram essas dualidades no vosso processo criativo?
ML: A dualidade está no centro desta fragrância com esta flor que se torna uma flor chypré. O acorde floral que alia a delicadeza do jasmim a outras pétalas transparentes, de magnólia e de frésia, dá uma sensação branca, quase aquosa e fria, enquanto as madeiras formam uma mancha negra, ao mesmo tempo quente e sombria.
KD: A dualidade também se encontra na própria fórmula [da fragrância]. Fizemos uma infusão de três tipos de jasmim, um ingrediente tradicional da perfumaria, que combinámos com outras moléculas obtidas por química verde. Portanto, no perfume Ginza a tradição casa com a modernidade.
Como definiriam a singularidade de Ginza na perfumaria atual?
KD: O chypre em si é bastante original atualmente. E a nossa abordagem, de partir de uma flor e a tornar chypré, ainda mais. Logo no bouquet, o coração joga com a dualidade entre a opulência do jasmim e a frescura das outras flores – magnólia, frésia, moléculas de orquídea – que agem como um raio laser. Esta transparência floral trespassa como um punhal as madeiras muito quentes, numa vibração sublime. Penso que uma mulher que usa Ginza se sente bela e segura de si.
ML: A nota amadeirada dá-lhe um lado mulher fatal que há muito tempo não sentíamos na perfumaria.
Este é um perfume da marca japonesa Shiseido, composto por perfumistas de uma casa de perfumes também japonesa. Em que é que isso o distingue de um perfume clássico?
ML: Graças aos ingredientes japoneses que conhecemos ao contactar com perfumistas locais. Nomeadamente a madeira de hinoki, mas também uma molécula sintetizada por química verde a partir da orquídea japonesa.
KD: Sim, essa nota floral de coração dá à fragrância uma modernidade natural.
Podem falar-nos um pouco mais desses ingredientes tipicamente japoneses?
MK: O hinoki é verdadeiramente uma nota típica japonesa, o equivalente da rosa ou do jasmim para os ocidentais em termos de popularidade. É o cipreste local, mas o seu aroma é mais fumado e forte do que o da árvore europeia. É também uma madeira muito espiritual no Japão, usada nos tempos e nos santuários. Traz ao mesmo tempo frescura e uma nota um pouco seca e fumada.
KD: A pequena orquídea tigrada do Japão deu-nos uma nota floral, próxima do muguet [lírio do vale] que traz transparência, um lado aquoso, quase frio e ligeiramente cortante. Tem de ser associada a outros ingredientes mais suaves de para que faça vibrar as outras flores.
E em relação ao jasmim, qual é a sua simbologia no Japão e como exploraram as suas várias facetas?
KD: Na simbologia das flores no Japão, o hanakotoba – o jasmim – é sinónimo de refinamento e elegância. Nós usámos três variedades da flor: dois jasmins grandiflorum, um do Egipto que tem uma faceta de banana e de compota de morango, e também evoca o chá, e outro da Índia, mais carnal; e um terceiro, o jasmim sambac indiano, uma flor associada a cerimónias tradicionais e cujas facetas evocam mais as flores de laranjeira e de morangueiro e tem um lado mais frutado-verde. Jogando com as diferentes origens, fazemos como um pintor que utiliza várias nuances da mesma cor para criar a sua obra. As notas respondem umas às outras, cada flor desempenha o seu papel e está criado o equilíbrio.
Ginza foi pensado para transmitir o poder das mulheres. Como se consegue dar a noção de poder num perfume, nomeadamente num perfume feminino?
KD: O lado amadeirado traduz uma estrutura enraizada na terra, uma força interior, e conduz o halo floral, o rasto de flores brancas, magnólia, frésia e nota de orquídea, para deixar uma marca quase indelével. Este perfume tem uma presença, sentimo-lo quando ele passa, mas com subtileza, sem qualquer vulgaridade.
ML: No yoga, começamos sempre por nos visualizar com raízes, como uma árvore se prende à terra, para sentir a energia da terra que sobe pelo nosso corpo. O acorde amadeirado também evoca, para mim, esta imagem.
Um perfume pode potenciar a nossa força interior?
KD: O perfume é como uma segunda pele na qual nos sentimos bem, um revelador de personalidade, quase uma proteção.
ML: Para mim, o perfume age como um halo de proteção. Acredito que os cheiros têm energias vibratórias. Espero que as mulheres que usarem Ginza sintam subtilmente que as mulheres que o criaram o infundiram com toda a sua energia.
Se Ginza fosse uma emoção, qual seria?
KD: A harmonia, acompanhada da confiança em si e na vida. Riqueza e força interior.
ML: A Confiança e a determinação. Ginza mostra que uma mulher não é um cliché de pequeno ser frágil e sensível! Se tivesse de o definir numa palavra seria girl power.