Numa sociedade consumista que nos parece cada vez mais fascinada pela exibição de bens materiais, há uma tendência que se destaca: Quiet Luxury (luxo silencioso, ou discreto, em tradução livre). Começou como tendência de moda, mas rapidamente escalou para um estilo de vida: um novo paradigma, que defende que não temos de ser vistosos para exalar luxo. Pelo contrário!O conceito inundou os nossos feeds e começou a fazer parte do nosso léxico muito pelo sucesso da série ‘Succession’, da HBO. Apesar de não ter um apelo óbvio no que à moda diz respeito, deixou os fãs obcecados pelos figurinos. Dos interiores minimalistas e elegantes aos fatos impecavelmente sob medida, a série tornou-se símbolo de riqueza e sofisticação. Uma abordagem mais contida ao luxo, onde primam peças sóbrias, clássicas e discretas, como um código que só as pessoas do mesmo círculo social reconhecem. Sem logomania, nem ostentação. Foi um pulinho até que este conceito se tornasse transversal e se começasse a fazer notar também no mundo da beleza. E quando a modelo norte-americana Sofia Richie se casou, com um coque elegante e uma maquilhagem natural, quase impercetível, não se falava noutra coisa. “O Quiet Luxury é mais um termo que se colocou na moda, mas que sempre existiu”, começa por esclarecer uma das grandes especialistas do setor de luxo em Portugal, Mónica Seabra Mendes. “Quiet Luxury é uma dimensão do luxo, como também o é o luxo estatutário e de ostentação”, que seria a antítese do anterior, ali no limite entre o exibicionismo e a vaidade. “Ambos definem o luxo e o seu consumidor.”
QUANTIFICAR O LUXO
Segundo Mónica Seabra Mendes, quando falamos do consumo de luxo, existem duas grandes dimensões: a dimensão pessoal e a dimensão social. Na primeira, o consumidor procura uma relação íntima com o produto e/ou serviço, em busca de prazer, conforto e bem-estar, estabelecendo uma relação sensorial e profunda. “É o produto e o prazer que este proporciona que importam.” Na dimensão social, é sobretudo a marca que ajuda a evidenciar um estatuto e uma relevância sociais, numa procura pela aprovação do outro através do que se consome e experiencia. “Estamos no campo da representação social. Utilizamos o luxo como um soft power, uma vantagem competitiva.”
O LUXO NA BELEZA
Mónica considera o consumo de cosmética muito ligado ao prazer que determinado produto proporciona, a um momento de intimidade e, por isso, à dimensão pessoal do luxo. Até porque se a abordagem do Quiet Luxury fosse literal, quando aplicada à beleza, não faria muito sentido: qualquer luxo, associado aos cuidados da pele, é silencioso. Não é como se tivéssemos o nome das marcas dos produtos que usamos estampado na testa. O que temos – na testa e no rosto todo – é a qualidade da nossa pele, e é sobre esse silêncio que o luxo fala. Quiet Luxury ou, neste caso, Quiet Beauty (beleza silenciosa, em português) é a tendência que vê os cuidados da pele como um investimento. E ainda que o preço de um cosmético não seja obrigatoriamente proporcional à sua qualidade, o luxo é. E o luxo da harmonia entre a precisão científica e elegância sensorial é o ex-líbris desta tendência.O consumidor está cada vez mais informado e, como consequência, mais exigente. Também por isso, está disposto a pagar mais, na expectativa de melhores resultados. Em 2021, o tamanho global do mercado de beleza de luxo foi de aproximadamente 65 mil milhões de euros. Até 2031, o mercado deve atingir os 137 mil milhões, avança um estudo da Business Research Insights.O luxo, nos cuidados da pele, é definido pela qualidade e origem dos ingredientes, bem como pela experiência sensorial, em vez de embalagens chamativas ou rotinas demasiado complexas, cheias de produtos que ‘estão na moda’. Assim como o Quiet Luxury, a Quiet Beauty foca-se na qualidade e na simplicidade dos produtos, só não no seu armário, mas no seu nécessaire.
A ILUSÃO DE NÃO USAR NADA
Na maquilhagem, espera-se que a tendência Quiet beauty popularize ainda mais a maquilhagem minimalista, que enfatiza a saúde da pele e uma aparência natural. Depois de uma era marcada por bases de alta cobertura, contornos pesados e lábios exageradamente delineados, o resultado quer-se mais discreto, polido e luminoso, como evidência de uma preferência por conforto, confiança e, sejamos honestas, uma rotina de cuidados da pele em dia.
NATURALIDADE AO VENTO
Também no mundo dos cabelos esta tendência deixa a sua marca. Na Quiet beauty os fios são sempre saudáveis, exalam vitalidade e brilho. Os cortes de cabelo são simples e clássicos, com linhas certas e camadas mínimas, as suficientes para realçar a textura e o movimento naturais. Em vez de cores ousadas ou dramáticas, o foco está nos aprimoramentos com tons subtis, para trazer profundidade e emoldurar o rosto. Para isso, contamos com técnicas que incluem madeixas em sítios estratégicos, com reflexos naturais, que se misturam perfeitamente com a cor base do cabelo.
TENDÊNCIA OU REALIDADE
O Quiet Luxury “não é seguramente uma tendência, pois sempre existiu e materializa-se sim numa forma de estar e de viver”, garante Mónica Seabra Mendes. Existem momentos na nossa vida, nomeadamente na adolescência – quando temos uma grande necessidade de pertença à tribo – e no início da nossa carreira profissional – quando queremos mostrar o nosso sucesso –, em que fazemos tudo o que possa traduzir aquilo que queremos mostrar de nós. “Os objetos de luxo, pelo seu carácter simbólico, consubstanciam, na perfeição, esse código social que queremos que os demais descodifiquem.” E não há juízos de valor sobre esta questão, tranquiliza a especialista: “Somos todos seres eminentemente sociais e já todos passámos pela necessidade de validação e pela necessidade de reconhecimento.”
O Quiet Luxury pode ser visto como uma “consequência do nosso desenvolvimento pessoal”. Quanto menos precisarmos de validação social, menos necessidade sentimos de evidenciar o nosso estatuto através de objetos e estilo de vida, ostentando grandes peças de marca e testando todo e cada novo produto de beleza, só porque sim.