
Aos 12 anos reparei nas minhas primeiras estrias a abrirem nas pernas. Estavam ali, os riscos avermelhados bem no meio das nádegas, impossíveis de não notar. Chorei. Não sabia o que eram, mas quando descobri que nunca mais iriam embora senti momentos de pânico, como se a minha vida nunca mais fosse ser a mesma. E não seria.
Naquele verão comprei um biquíni maior. As cuecas eram quase calções – estava determinada a nunca deixar ninguém ver aqueles riscos horríveis no meu corpo. Passada a temporada, a minha mãe levou-me a uma médica dermatologista, e iniciei um tratamento com ácidos. Produtos manipulados, que causavam comichão e deixavam a pele irritada, vermelha, inchada, às vezes até a sangrar, de tanto que eu coçava. O tratamento não resultou – e na verdade mais estrias surgiram na parte interna da coxa e na lateral da perna, no sentido vertical.
Ao mesmo tempo em que passava por uma mudança no corpo – aquela fase da primeira menstruação, do crescimento das maminhas, pêlos e outras “coisas estranhas” – tudo ao meu redor dizia-me que ter estrias não era normal. Eu não tinha engordado demais, não tinha engravidado, não tinha nada que parecia justificar aqueles rasgos na pele.
Na televisão, assistia aos domingos a um programa de humor que tinha muitas assistentes de palco em biquíni. Os “humoristas” iam às praias e abordavam mulheres comuns, pediam para que elas dessem uma volta para a câmara e colavam etiquetas de aprovação ou desaprovação nos seus corpos. Quando mulheres com estrias visíveis surgiam, um efeito de gato a arranhar as pernas delas era usado pela edição. E todos iam às gargalhadas. O que eu tinha nas minhas pernas era motivo de piada.

Provavelmente tinha uns 15 anos quando desisti dos tratamentos para as estrias. A este ponto, além das pernas, já tinha as marcas nas mamas e na lateral das ancas. Também voltei a usar os biquínis normais, mas nunca parei de preocupar-me com o que os outros pensavam do meu corpo. Cresci a sentir-me tímida sobre quem eu era, a achar que tinha um defeito irreparável.
Aqui acho importante destacar que a minha experiência é de longe muito inferior ao que outras raparigas da mesma idade podem ter vivido. Eu era uma adolescente que me encaixava nos “padrões” da época: considerada magra, tinha cabelos lisos, não tinha grandes problemas de acne, não sofri bullying por características físicas, e até atraía atenção de homens mais velhos (que não “pedia”, não é correto e nem deveria receber naquela idade).
Foi só depois de adulta que parei de olhar só para o que achava que tinha de errado em mim e passei a olhar, de forma solidária, para outros corpos – e percebi que, afinal, quase toda a gente tem estrias! Algumas maiores, outras menores, algumas mais fortes, outras mais fracas, mas tal como a celulite, como as manchas, como as cicatrizes, faz parte do ser. E um parênteses: Mulheres e (pasmem) homens! Aqueles que davam etiquetas às mulheres pelos seus corpos, afinal, estão cheios delas!
O programa de humor o qual citei já não existe mais, e 10 anos depois, quero acreditar que não seria muito bem visto. A sociedade mudou muito nos últimos anos – celebridades mostram-se cada vez mais sem filtros, as marcas de cosméticos usam modelos com corpos reais, sexualizar raparigas de 15 anos é errado e o que eram considerados “defeitos” têm sido celebrados como parte da individualidade de cada um. E verdadeiramente espero que as crianças e adolescentes de hoje possam crescer sem a pressão dos padrões de beleza que eu e tantas outras mulheres crescemos. Celebrar o que é normal e bonito e desvalorizar o que não importa.
Adoraria poder falar com a Sâmia de 12 anos, que chorou na frente do espelho ao ver aquelas marquinhas. Se tivesse essa oportunidade, diria que as estrias não definiram quem eu sou, não mudaram em nada o meu futuro, e aos 28 gosto mais de mim com elas.