
A minha irmã decidiu aumentar a família. Uma decisão refletida tomada em conjunto com o marido e os filhos. Quando o novo membro chegou, visitas, telefonemas para saber se dormiu, se comeu, se fez chichi e cocó… Coisa boa da tia para cá, foto no Whatsapp para lá. Enfim, o corrupio do costume. Depois dos primeiros dias, a minha irmã entra no carro, feliz: “Dormiu a noite toda na caminha dele!” Depois, em género de redenção: “Bem, vou parar. Não me vou tornar naquela pessoa que só fala disso.” Pensei, ‘tarde demais’. Porém, não disse nada, ela vai ter que fazer o caminho das pedras.
Olhem para mim, um caso perdido. Ainda não cheguei ao ponto de ter um focinho como foto de perfil nas redes sociais, mas tudo o resto se precipitou assim que concordei em ter um cão. A verdade é que me tornei uma mãe-cão.
Sou eu que o passeio, que o alimento, que o levo ao ‘caniatra’, e chego mesmo a discutir com o marido por não concordarmos quanto à sua educação.
Até ali só tínhamos tido peixes, dos que passam o dia a fazer piscinas, até que, numa linda manhã, damos com eles imóveis a boiar de costas. Da última vez que isso aconteceu, tivemos mesmo que agitar as águas com uma colher, para que, quando as crianças chegassem à sala, o peixinho rodopiasse alegremente. Fomos de férias e na volta passámos na loja dos animais a buscar outro, conseguimos convencer a miúda mais nova que o ‘nemo’ tinha ficado internado e agora regressava a casa. (Já sei, não devemos mentir às crianças, mas o Pai Natal abriu um precedente perigoso).
Tenho umas amigas que foram mães ao mesmo tempo que eu e, mais tarde, também nos tornámos mães-cão em simultâneo. Foi um déjà vu: o meu era novamente o mais ‘mal’ vestido do grupo – neste caso nem sequer vestido estava. Os outros, sempre impecáveis, com casaquinhos à maneira e acessórios em consonância com as últimas tendências. As mães, com mochilas fashion, bebedouros de última geração e brinquedos comprados no estrangeiro. Eu era novamente aquela mãe que me esquecia do lanche do bebé e, se desta vez não precisava de fraldas, andava sempre a cravar saquinhos para apanhar cocós. E os passeios, em muito se assemelhavam às tardes passadas em parques infantis, a evitar que as crianças ‘rosnassem’ umas às outras.
Era isso que eu queria dizer à minha irmã: que, mais tarde ou mais cedo, ela vai tornar-se ‘essa’ pessoa, assim como se tornou ‘aquela mãe’. Não há volta a dar. Mais cedo ou mais tarde, vai trocar o nome do filho pelo nome do canito, como acontece entre irmãos, e vai andar a mostrar gracinhas e habilidades recém-adquiridas a toda a gente. Vai dar por si a desejar que inventassem um telemóvel para cães, só para conseguir avisá-lo que naquela noite vai chegar mais tarde – mas que vai voltar. Depressa trocará a bíblia da maternidade pelo Grande Livro do Cão e os seus filhos a acusarão de falar melhor com o animal de estimação do que com eles.
Mas também quero dizer-lhe que receberá tudo em dobro. Quando chegar a casa, no final de um dia árduo de trabalho – ou depois de saber que a prestação da casa vai voltar a subir – ele estará lá sempre para a receber em êxtase. Já tentei que o meu marido e filhos pulassem de alegria à minha chegada, mas não funcionou. Sit Ubu, sit. Good dog!