Finalmente percebi esta coisa do desapego gradual em relação aos nossos filhos. Foi durante uma caminhada em família. Quase no final, depois de 20 bolachas e 5 empadas de galinha – uma média de 2 bolachas e 0,5 empadas por quilómetro –, o meu filho de 15 anos queixou-se de fome. Mesmo antes, tínhamos estado a falar de como, em bebé, gostava de estar no carrinho. Penso que o tema surgiu porque estava cansado de andar. “Eras um bebé exemplar, dormias horas a fio aconchegado na bengala.”
Talvez fosse esta imagem ternurenta que fez com que as palavras que se seguiram, saídas da minha própria boca, tivessem mais impacto. Não no meu filho, que encarou a brincadeira a sério de forma natural, mas em mim. Tinha finalmente descoberto como é que as mães toleravam que os seus bebés se tornassem homens e mulheres peludos e independentes. Embora, a bem da verdade, lembro-me de quando ele nasceu, ainda na maternidade, a enfermeira ter ficado chocada por eu ter dito ao recém-nascido qualquer coisa como ‘é a vida, habitua-te.’
Ao pedido do meu querido adolescente respondi: “Vou começar é a trazer palha para vocês comerem.”
Independentemente de quem fazia a asneira, lá em casa éramos sempre as três culpadas. Ninguém se ficava a rir. Na família do meu marido, que tem cinco irmãos, à mínima cena no carro, eram os seis corridos à estampilha no banco de trás. Não se perdia tempo a apurar culpados. Tampouco havia APPS tipo Waze a alertar para o perigo de distribuir lambadas durante a condução.
Voltei à memória do bebé no carrinho. Certamente que quando ele dizia que tinha fome eu não lhe oferecia palha. A mamã tinha um leitinho, uma bolachinha ou uma sopinha de borreguinho – todos os favoritos do menino impecavelmente arrumados na lancheira do Mickey. Certamente que não diria ao bebé ‘vai mas é trabalhar’!
(Nada de ir já fazer queixas de trabalho infantil à Comissão de Proteção de Menores que é só mais uma ameaça sem seguimento. Como todas aquelas que fazemos aos nossos filhos e que sabemos que não vamos cumprir. Dizemos ‘Se não arrumas o quarto não vais à festa do primo!’, e só depois percebemos que acabámos de nos candidatar também ao castigo: se ele não for à festa do primo, nós também não vamos à festa da tia, e lá se vão os daiquiris tarde afora.)
A minha dúvida é: serei só eu a oferecer aos meus filhos coisas estranhas para comer?
Acho mal. Lembro-me perfeitamente da mãe do meu vizinho Pedrinho andar a correr atrás dele com o chapéu, dia e noite, já ele tinha um perímetro cefálico que o tornava apto a fazer compras na secção de toldos do El Corte Inglés (esta roubei à minha colega que diz que o marido tinha a cabeça tão grande quando era pequeno que não havia chapéus com diâmetro suficiente de tecido).
Sabem o que é que aconteceu ao Pedrinho que não teve uma mãe com coragem para a dada altura o ameaçar com a palha? Meteu-se na erva e leva a vida a apanhar bonés. Hora de engolir em seco, hã?