No outro dia fui à festa dos 50 anos da minha prima, de quem sempre fui bastante próxima. Encarei o evento como uma celebração, mas também como um passo importante no processo de mentalização de que o meu meio século também está próximo. Já recebi a notificação de que a encomenda foi enviada e será, no mínimo, mortal se ela não chegar ao destino no próximo mês de fevereiro. Não que me considere próxima do fim, embora já vá no segundo livro que fala sobre questões de vida e de morte, o primeiro escrito a quatro mãos pelo casal Yalom, durante os últimos meses de vida de Marilyn e da sua luta inglória contra o cancro; o segundo, resultado das divagações do neurocirurgião Henry Marsh, também ele engalfinhado com uma doença oncológica.
Este meu súbito interesse mórbido pode bem ser já um sinal da redução drástica de hormonas no meu organismo, ainda que não me tenha sido declarado o óbito oficial desse canalha chamado estrogénio, presente em todas as células e que um dia decide partir e deixar-nos na miséria: o cabelo e pele ficam baços, os ossos enfraquecidos, as emoções e o termóstato destrambelhados… A ideia de mulheres independentes é uma autêntica falácia se pensarmos na nossa total dependência de glândulas endócrinas. Mulheres de 50, uni-vos: em vez de definhar, celebrem a vossa liberdade e marchem ao som de um novo hino, ‘Glândula, Vila Morena’.
Penso muitas vezes que o que torna esta nossa caminhada tolerável é o facto de nos continuarmos a sentir jovens, o que também tem os seus perigos. Voltando à festa, muitas pessoas ali não se viam há 30 anos, mas passámos a noite toda a dizer que estávamos todos iguais. Eu, inclusive! Fiquei a pensar se diremos o mesmo quando nos voltarmos a cruzar daqui a mais 30 anos, ignorando completamente os andarilhos aos tropeções na pista de dança ao som de ‘I will survive’ (por essa altura, a própria Gloria Gaynor já não terá sobrevivido).
Se realmente estivéssemos iguais aos 20 e aos 50, a nova geração presente na festa não estaria sentada a comer pipocas como se estivesse a assistir a um documentário da National Geographic sobre uma espécie rara a contorcer-se ao som de uma banda sonora anterior ao ZX Spectrum.
As pessoas que não se veem durante muitos anos só têm em comum o que viveram no passado, é o mesmo fenómeno que se dá nos encontros de ex-colegas de escola. De repente, ‘Então, o que tens feito nestes últimos 30 anos?’ pode parecer estranho para início de uma conversa de circunstância. Além de que nos arriscamos a que o chato do grupo – que teve décadas para apurar a sua arte – fique a noite inteira a falar do momento em que descobriu que tinha prostatite crónica.
A noite dos 50 anos da minha prima terminou de forma violenta. Em plena Graça pediram-me cinco euros para entrar num bar. ‘E isso dá direito a quê?, perguntei. ‘A ouvir música’, disse a porteira em tom jovem e insolente. O que aconteceu ao consumo mínimo? De repente estava novamente nos (quase) 50. A inflação é tramada…