Aconteceu por duas vezes e acho que não vou voltar a tentar. Refiro-me a usar a camisa metade por dentro e metade por fora das calças, aqueles detalhes que alegadamente dão personalidade à forma como usamos a roupa mas que em mim funcionam como prova de desmazelo.
Ainda no outro dia falávamos sobre beleza e estilo na redação e chegámos à conclusão que a atitude é quase tudo. Aquela confiança com que se entra numa sala é o que vai fazer a diferença. Podemos ser muito belas, no sentido mais estereotipado – um olho azulão, as maçãs do rosto perfeitas, uns dentes bem alinhados… – mas de nada nos valerá se tivermos uma postura amarfanhada.
A Joana Barrios, por exemplo. Quando a entrevistei para capa da ACTIVA, Apareceu-me de Crocs com meias, e que bem estava! Se eu fizesse isto, achariam que trabalho num hospital. Até de avental Joana é um charme, precisamente porque o faz com convicção. Diz que sempre foi assim, sempre gostou de marcar pela diferença, sem querer saber da opinião dos outros.
Eu, pelo contrário, nunca gostei de me destacar, talvez porque o meu cabelo literalmente expansivo já o fizesse de forma irremediavelmente espontânea. Essa é outra coisa, pergunto-me muitas vezes como é que a sociedade conseguiu controlar as convulsões capilares sem ter de recorrer à força.
Ia ao cabeleireiro de bairro, onde todos os tipos de cabelos eram corridos com o mesmo champô, corte e brushing. Aliás, a cabeleireira tinha a língua mais afiada do que a tesoura e conseguia fazer a sua cena (nunca encontrei a palavra certa para definir o que quer que fosse que ela fazia) sem nunca olhar para a carapinha que tinha à frente. Já viram algum cão de água com cabelo à tigela? Eu já, e foi ao espelho.
Há algum tempo fui à deusa que há anos poda pacientemente o meu cabelo, e ela decidiu terminar com um banho de cor meio acinzentado. Não costumo ser uma cliente difícil, não como uma das minhas irmãs que é conhecida como o ‘terror dos salões’ – não há amaciador que lhe tire aquela expressão naturalmente encrespada depois de cortar o cabelo.
Saí do cabeleireiro e fui para casa. Quando cheguei, esperavam-me os meus filhos. Às críticas da minha filha já estou habituada, por isso o sorriso só desbotou perante a comparação usada pelo meu filho, que normalmente recorre à hipérbole para me elogiar: “Pareces a minha antiga professora de português!” Nada contra estas docentes, atenção, mas quando um adolescente nos compara a uma professora de português – ao estereótipo, óbvio – todas sabemos o que significa, não sejamos hipócritas.
Rio-me quando me lembro da exclamação do meu filho, mas divirto-me ainda mais ao recordar o comentário do funcionário do aeroporto, tinha eu acabado de passar pela segurança. Estava tensa – tanto como quando saio de um supermercado sem compras e temo que alguém pense que estou a roubar (eu sei, terapia, já!) –, por isso estremeci quando ele falou comigo. “Olhe a camisa”, diz-me, enquanto aponta para o lado da minha camisa intencionalmente desfraldada, uma suposta afirmação de estilo. Para a próxima abano mais a anca, o colo do fémur ainda assim mo permita.