Na lista dos nomeados aos Globos de Ouro deste ano, há um grande – e injustificado – ausente: ‘Da 5 Brothers’ (Irmãos de Armas), o filme de Spike Lee (Netflix) que retrata a jornada na atualidade de quatro veteranos ao Vietname. Os quatro são negros – e isso é um facto essencial à história, como em qualquer filme do realizador norte-americano.
Há motivos para causar estranheza esta ausência da lista dos nomeados ao Globo de Ouro Melhor Filme Dramático, porém não podemos ficar pela simples frase “é um grande filme”. Mas é. Grande como o argumento que vai em crescendo rumo ao apocalipse, grande como o talento de Delroy Lindo – absolutamente explosivo – e dos quatro atores que que lhe dão o apoio para que o palco de todo o filme seja seu (Clark Peters, Normal Lewis, Isiah Whitlock Jr e Norm Lewis). Paul, interpretada por Lindo, é a personagem central deste filme, todavia não está sozinho. Tem com ele demónios e contradições, mortos e arrependimentos, sangue, suor e lágrimas, num cocktail tão explosivo que o seu fim só podia ser aquele (que não conto, claro).
Spike Lee é um grande realizador. E é um realizador de causas e se calhar os dois aspetos não vivem um sem o outro. De causas assumidas, de uma linha que alguns dirão quase panfletária – os que acham que os objetos artísticos e a política não se devem misturar -, que não vira as costas às feridas da sociedade atual, mais ainda de um país como o Estados Unidos, dilacerado pelo racismo, pela xenofobia, pelo ódio ao outro, seja ele qual for. Trump é o símbolo ainda tão presente dessa mesma América, que não deixa de ser a dos abandonados pelo sistema, alvo fácil do discurso populista do Make America Great Again. Essa é a América que conquistou Paul, que ostenta com orgulho o boné de apoio a Trump, não fosse ele também um esquecido, que estende a mão a quem lhe oferece palavras fáceis, exatamente o contrário do que o seu ‘herói’ lhe ensinou durante os anos de Guerra (mas será que se apercebe disso?).
Porque Paul tem um herói e um fantasma que vivem consigo, com quem fala todas as noites: o soldado Norman (Chadwick Boseman), o único do grupo que ficou na selva, para sempre jovem na sua defesa imaculada de uma América mais justa, inspirado pelas palavras de Martin Luther King. Foi ele quem, nos intervalos dos combates, despertou a consciência política dos seus companheiros, antes de perder a vida num tiroteio, o seu corpo nunca recuperado… até agora. É de Norman, ou do que resta dele, que os quatro amigos vão à procura nesta viagem de regresso ao cenário de todos os medos. Ou talvez não seja apenas isso, como rapidamente percebemos. Outro motivo menos nobre se junta a esse, ampliando o confronto, até tudo correr mal, numa espiral de violência e de loucura.
Spike Lee foi para o Vietname para filmar novamente a América dos que são colocados à parte, daqueles a quem o Tio Sam não chega com o seu sonho de prosperidade. Está neste filme o Black Lives Matter, as palavras de Martin Luther King e de Mohammed Ali e a saudação dos Panteras Negras. E estão lá homens, reais, atormentados, perdidos, e está lá uma excelente história – e o que é o cinema se não estiver lá uma boa história? -, contada de uma forma que funde a comédia com o filme de ação, que brinca com referências e códigos, que começa de forma levezinha e cresce, cresce até o rosto de Paul encher o ecrã na sua dor.
ESte é um filme que vale como filme. Porém, no final, Spike Lee deixa a mensagem para quem não percebeu antes: Black Lives Matter. Black Deads Matter.