A morte da mãe e o papel desempenhado pelos tabloides no fim trágico de Diana sempre assombrou Harry. Por isso, quando casou com Meghan, sempre foi conhecida a sua determinação em não consentir que também ela fosse acossada por manchetes sensacionalistas. Meghan não escapou ao fogo cruzado quando se juntou à família real e, dois anos depois do casamento, o filho mais novo do príncipe Carlos tomou a decisão de abandonar o barco. Leia-se: o estatuto especial que lhe vinha de ser considerado um membro sénior da mesma, como títulos, patronatos e um valor que recebia dos contribuintes britânicos. Uma decisão compreensível, face à exposição a que os Duques de Sussex estavam sujeitos.
Daí ser de espantar as contradições em que Harry se lançou desde então, na sua nova vida na Califórnia. O príncipe, que não queria alimentar notícias sobre si e a sua família, é aquele que lança a primeira pedra. Não estou a colocar em causa a veracidade do que foi dito na entrevista de Meghan e Harry a Oprah Winfrey. Nem que a casa real britânica sofre de anacronismo crónico. Porém, no meio de todas as confissões, parece-me que o jogo não foi justo.
Durante o processo de afastamento dos duques da família real – e mesmo antes disso – a família real fez aquilo em que é perita: remeter-se ao silêncio. Esta é uma norma de conduta pela qual se pauta: os assuntos que vão além dos seus deveres reais, são resolvidos (ou não resolvidos) em família. Os tabloides alimentam-se de ‘fontes próximas’, às quais têm de ser dada a merecida desconfiança. Isabel II, Philip, Carlos ou William nada dizem, nada disseram sobre os muitos temas que vieram a praça pública: que Meghan era despótica com os seus funcionários, que maltratara Kate nos preparativos do casamento, que afastara o marido do irmão. Porém, Harry e Meghan, que tomaram a sua decisão em liberdade, sem que fosse seguida por uma demonstração pública de repúdio do resto da família, tomaram a iniciativa de lavar a roupa suja numa entrevista televisiva, a uma megaestrela como Oprah, frente a uma audiência de 20 milhões de pessoas. Discretos, portanto.
Meghan e Harry comentaram a zanga com Kate, a incompreensão sobre o estado da saúde mental da duquesa, os telefonemas que Carlos deixou de atender ao filho ou as desculpas de Isabel II para não ver o neto. Pior ainda: quando enveredaram por alguns temas graves, não foram claros. Foi referido um comentário racista feito por alguém da família sobre qual seria a cor da pele do filho dos duques, mas Harry negou-se a identificar quem tinha feito tal afirmação. Parece-me que esse silêncio é ainda mais danoso porque levanta suspeitas sobre todos. Caso para dizer, se não fosse para ir até ao fim da sua revelação bombástica, que ficasse calado. O mesmo aconteceu quando se queixaram de que Archie, não tinha recebido o título de príncipe de Isabel II, mas, de forma meio atarantada, disserem desconhecer quais as razões. Estranho será se os duques não tiverem a sua interpretação dos factos e seria mais coerente terem-na exposto, em vez de deixarem nas entrelinhas que era novamente uma questão de racismo. Incongruente é preocuparem-se com o facto de Archie não ser príncipe, quando optaram por virar as costas a esse mundo.
Meghan e Harry expuseram-se aos olhos de milhões de espetadores durante duas horas, eles, que tinham fugido à devassa da sua vida privada e procurado a ‘normalidade’ na solarenga Califórnia. Tudo numa sucessão de confissões, queixas e lamentos, que nada parecem acrescentar à sua felicidade a não ser o intuito bem claro de prejudicar a família real, ou seja, a família de Harry. Porque, no final, foi isso que acontece e parece-me que o duque de Sussex e a mulher não são assim tão ingénuos ao ponto de não perceberem que seriam os avós do príncipe, o seu pai e o seu irmão o alvo da fúria. A contestação à monarquia deve ser realizada numa base política e democrática. Fazê-lo por causa de quezílias domésticas parece-me desnecessário e mesquinho.
Racismo, preconceito, intolerância são questões imperdoáveis. Porém, se os duques de Sussex – que continuam a usar o título – querem de facto viver uma vida normal, longe dos holofotes, porquê a necessidade de virem a público expor o que se passa na família real? Se for a nossa família a ter atitudes com as quais não compactuamos, podemos agir em consonância com a nossa consciência, mas não precisamos de ir para o meio de estranhos falar desses temas para que todo o mundo saiba. Quer dizer, poder, podemos, mas não fica bem quando somos apologistas da privacidade.
O que Oprah se esqueceu de perguntar a Harry e Meghan é como explicam esta contradição. Eu, pelo menos, gostava de saber a resposta.