
Diante do relato de Sofia Arruda sobre o assédio sexual que sofreu, apanhei-me a pensar o que faria se vivesse uma situação parecida. Cheguei à conclusão que provavelmente não denunciaria já – porque teria medo de perder o meu emprego,das críticas que receberia, de ser descredibilizada, do julgamento. Mas também porque um episódio tão flagrante como o descrito pela Sofia e por tantas outras mulheres que vieram a público denunciar o que sofreram, são reflexo de um sistema que faz do assédio algo normal. E talvez é isso que precise mudar primeiro.
Gosto muito do projeto “#That’s Harrassment”, uma série de vídeos produzidos em 2018 realizados por Sigal Avin, da série “Losing Alice”. Nestes filmes curtos de cerca de 5 minutos, situações bastante frequentes são retratadas nos mais diferentes ambientes – um consultório médico, uma sessão fotográfica, uma reunião com um chefe. Situações que já podem ter acontecido a muitas de nós.

Arrisco-me dizer que quase todas as mulheres já viveram uma situação de assédio no ambiente de trabalho. Mas não esse assédio descarado – um convite para jantar inapropriado, uma aproximação numa sala de reuniões, uma ameaça no caso de rejeição. É que desde sempre há comportamentos sistemáticos que são minimizados, mascarados como se fossem piada, ou justificados como “é o meu jeito”.
Por exemplo: Não faça piadas sobre os corpos das mulheres; não comente a roupa da sua colega de trabalho – principalmente se o comentário envolver decotes, peças justas ou curtas; não elogie a sua aparência física para além do que diria à sua mãe ou filha; não toque nela quando estiver a falar; não pegue na cintura dela para pedir licença para passar por um corredor; não diga que o escritório está mais bonito com a presença dela; não diga que só vai fazer algo se ela pedir com carinho; não diga piropos.
“Ela sabe que não estou a falar a sério”
“Estou só a brincar, ela sabe que não estou a falar a sério”. Será que a brincadeira está a divertir os dois? É que pode ser bastante difícil para alguém responder ou negar certas aproximações em ambiente de trabalho, principalmente porque ninguém quer piorar a situação. Já ouvi de muitas amigas e identifico-me: Quando estamos desconfortáveis a nossa primeira reação é quebrar o clima ruim ao mudar de assunto, ou com um sorriso. Se a sua colega não riu da sua piada, fez uma expressão de desagrado ou desconforto quando ouviu o seu elogio, afastou-se no momento em que foi tocada, é porque estes comportamentos não devem ser repetidos.
Há quem diga que já perguntou se aquilo a incomodava, e ela disse que não. Um chefe chamar uma colaboradora numa sala de reuniões e perguntá-la se acha que está a ser assediada não vale; um colega do mesmo nível hierárquico dizer em público: “Sabes que estou a brincar, certo?” também não vale.

“Então não posso mais fazer nada que já é assédio?”
Já prevejo pessoas a pensarem: “Então não posso mais fazer nada que já é assédio?”. Mas, afinal, há muitas coisas que podem ser feitas para manter um ambiente de trabalho saudável. Respeitar a sua colega de trabalho; elogiar as suas competências profissionais; ser educado e dizer bom dia, boa tarde, por favor e obrigado; segurar a porta para ela – e deixá-la segurar a porta para os colegas homens também; conversar sobre temas de trabalho e da atualidade (ou privados se a relação assim permitir); tratar as mulheres do escritório como iguais.
Este novo movimento #metoo em Portugal está a gerar muitas opiniões. Há quem diga que é inútil se os nomes dos assediadores não forem revelados, há quem ache que é um primeiro passo para se transformarem as coisas no país. Sem dúvida que as vítimas são neste momento protagonistas, denunciam para trazer o tema à tona e gerar discussão. Mas os homens e as mulheres em posições de poder, e todos aqueles que são potenciais assediadores, também têm um papel importante. Para estes é tempo de ouvir, refletir e considerar mudar de atitudes.